Economia deve funcionar sem eleições;

Pedro Siza Vieira, ex-ministro da Economia, considera
Economia deve funcionar sem eleições
“Hoje temos uma economia mais robusta e umas finanças públicas mais saudáveis” – afirma Pedro Siza Vieira.
“Uma coisa muito importante a curto prazo é que não tenhamos o país parado mais um ano por causa de eleições. O país está num bom momento, sentimos que a economia portuguesa vai crescer bem este ano, podemos inclusive ter um excedente orçamental superior àquele que o Governo prevê” - afirma Pedro Siza Vieira, ex-ministro da Economia, em entrevista à “Vida Económica”.
Pedro Siza Vieira confia na execução do PRR e acredita que os jovens talentos terão cada vez mais condições para ficar em Portugal.
 
 
Vida Económica – Uma união fiscal e financeira, tal como propõe o Relatório Draghi, seria capaz de melhorar a competitividade económica de Portugal?
Pedro Siza Vieira – Sim, uma política fiscal e financeira uniforme seria capaz de trazer mais estabilidade e competitividade aos estados-membros, incluindo Portugal.
Em primeiro lugar, tal como concluiu o grupo de trabalho liderado por Mario Draghi, a criação de um quadro fiscal mais robusto, incluindo a possibilidade de um orçamento central da zona do euro, permitiria lidar com choques económicos assimétricos e facilitar a estabilidade macroeconómica.
Em segundo lugar, uma maior integração financeira e económica dentro da UE poderia evitar crises financeiras futuras. Isso incluía a criação de uma união bancária, com um mecanismo único de supervisão para os bancos da zona do euro e um esquema comum de garantia de depósitos.
Convém referir que a União Europeia e os países que a compõem, como Alemanha, Espanha, França, entre outros, são os principais mercados de destino das nossas exportação e da mão de obra portuguesa. Quanto mais forte for a economia desse núcleo de países maior será a competitividade da economia portuguesa.
 
VE – Segundo Bruxelas, Portugal deverá registar um crescimento de 1,7% em 2024 e de 1,9% em 2025. O que é necessário fazer para o país crescer mais?
PSV – Na última década, tem-se verificado duas situações. A primeira é que a UE tem previsto crescimentos menores do que aqueles que realmente vêm a acontecer. Isso tem a ver com o facto de Portugal registar mudanças estruturais muito grandes na sua economia, nomeadamente na qualificação dos recursos humanos, que podem trazer mais valor acrescentado para a nossa economia. O país tem estados a crescer, nestes últimos três anos, mais do que o resto da UE, inclusive mais do que os países de Leste, porque tem a energia mais barata e não tem a guerra às suas portas.
Em segundo lugar, Portugal tem alcançado ganhos de competitividade muito importantes, nomeadamente tem ganho quotas de mercado na UE, com exceção do ano de 2020, sinal de que as nossas exportações estão mais competitivas
É necessário persistir neste caminho. Com o investimento público e privado a prosseguirem com o PRR, é preciso que não se percam esses momentos.
Uma coisa muito importante a curto prazo é que não tenhamos o país parado mais um ano por causa de eleições. O país está num bom momento, sentimos que a economia portuguesa vai crescer bem este ano, podemos inclusive ter um excedente orçamental superior àquele que o Governo prevê e que é uma tendência que já vem de trás.
 
VE – Em termos fiscais, como avalia a proposta do OE2025? Que impacto poderá ter na competitividade?
PSV – Não tenho opinião formada porque ainda não conhecemos a proposta do OE.
Governo reforça valores 
de projetos apoiados pelo PRR 
 
VE – Confia na execução do PRR?
PSV – Confio. Aquilo que sabemos é que os outros países estão atrasados na execução dos seus PRR, Portugal nem é dos países mais atrasados. A partir do momento em que os planos foram lançados houve um aumento dos custos para a execução dos projetos que estavam previstos levando a um aumento dos preços iniciais. O Governo já teve que fazer o reforço de valores para alguns projetos.
É verdade que nós temos poucas capacidades do setor privado para responder àquilo que são os requisitos de execução dos projetos. A administração pública também está desqualificada há muito tempo, mas finalmente parece que as coisas estão a correr melhor.
É preciso que haja injeção de investimento público na economia nos próximos tempos.
Hoje temos uma economia mais robusta e umas finanças públicas mais saudáveis. 
Só depende de nós não fazermos mais asneiras. Sabermos gerir a despesa pública, sermos cuidadosos em não atirar pela janela fora receitas que depois nos vão fazer muita falta no futuro e continuarmos a focar-nos pura e simplesmente em que a economia funcione, sem interrupções, sem eleições todos os anos. 
 
VE – A retenção e atracão de talento deve ser uma prioridade? O que há a fazer para atingir esse objetivo?
PSV – Contextualizando, Portugal sempre foi um país de emigrantes. Sempre os portugueses se habituaram a partir. Temos hoje na União Europeia, liberdade de circulação de pessoas. Isso é uma grande vantagem para os nossos jovens que têm hoje mais oportunidades, que no passado não existiam. 
A população tem hoje mais qualificações e a emigração continua a ser uma constante do nosso país.
Neste momento, estamos a atrair mais gente do exterior do que aqueles que saem. Nos últimos dois anos saíram cerca de 30 mil por ano e há 10 anos saíam 100 mil portugueses.
Os nossos jovens, que saem do ensino superior, são hoje muito qualificados e têm emprego em qualquer parte do mundo. Acresce que os portugueses têm hábitos de trabalho, de lealdade, conhecimentos de línguas e que, por isso, os tornam trabalhadores muito apetecíveis.
Se queremos que eles fiquem em Portugal temos de os tratar como são tratados nos outros países. Um engenheiro no nosso país ganha duas ou três vezes menos do que ganharia noutros países. É preciso que estes jovens tenham em Portugal benefícios fiscais que possam cobrir esse diferencial de rendimentos.
Temos de dar às pessoas que saem das universidades o mesmo que eles encontrarão lá fora, que são perspetivas de carreira, autonomia na execução de tarefas, envolvimento na execução dos projetos em vez de se limitarem a cumprir as ordens.
As organizações e as empresas portugueses têm também que ser geridas de uma forma em que se assuma que tratar recursos humanos qualificados não é a mesma coisa que tratar recursos humanos indiferenciados.
Onde é que estou otimista? Nisto, em Portugal a qualificação também está a chegar à gestão, as empresas estão a percebe isso e os salários vão inevitavelmente aumentar.
Tenho três filhos a trabalhar lá fora e isso também me custa imenso pessoalmente. 
Isto não se muda por decreto, tem é que se ir trabalhando aos poucos para que o país tenha condições para dar melhores empregos e perspetivas de carreira.
 
VIRGÍLIO FERREIRA virgilioferreira@grupovidaeconomica.pt, 04/10/2024
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