A natureza do escorpião prevalece sempre.;

A natureza do escorpião prevalece sempre.
Para quem não conhece a fábula, ela conta-se assim: Um dia, na margem de um rio, um sapo e escorpião encontram-se e ambos desejavam atravessar o rio. Obviamente para o sapo fazer a travessia nadando era a coisa mais comum do mundo, mas para o escorpião entrar na água significava afogar-se de imediato. Por isso, o escorpião pediu encarecidamente ao sapo que o ajudasse na travessia, colocando-se nas suas costas. O sapo recusou dizendo-lhe que não arriscava ficar à mercê do escorpião, que não resistiria em picá-lo e assim morreria envenenado. O escorpião implorou, garantindo que jamais faria isso, pois, se o picasse, durante a travessia, morreriam os dois afogados. O sapo estava pouco convencido com a argumentação do escorpião, mas, depois de muita insistência e juras, lá permitindo que o escorpião subisse para o seu dorso e fizeram-se à água. A meio do trajeto o escorpião pica o sapo, que, surpreendido e aterrado, lhe pergunta: “Escorpião, por que me picaste? Agora vamos morrer os dois!”, ao que o escorpião lhe responde: “Eu sei, sapo, mas é a minha natureza!”.
Quando assistimos ao psicodrama do Orçamento de Estado para 2025, com as negociações falhadas entre o Governo e os principais partidos da Oposição, nomeadamente o Partido Socialista e o CHEGA, cujos interlocutores são os respetivos líderes com todas as suas idiossincrasias, não podemos deixar de encontrar similitudes com a fábula atrás relatada. 
Este Orçamento de Estado para 2025 está longe de ser o que o país precisa para crescer e para se desenvolver, mas é certamente o possível para garantir estabilidade política, algo imprescindível num contexto internacional volátil e incerto, cujos efeitos acabarão sempre por nos atingir da pior maneira. Estabilidade significa igualmente permitir que um Governo possa realizar as suas funções, mesmo que não tenha uma maioria parlamentar. Estabilidade significa igualmente previsibilidade, o que, com a eventual aprovação do Orçamento para o próximo ano, por razões que se prendem com a eleição presidencial de 2026 e a impossibilidade constitucional de não poder dissolver o parlamento em 2025, ficará garantido um Executivo pelo menos para dois anos, mesmo que o segundo deles venha a ser gerido em duodécimos.
Não tenhamos dúvidas que o país não quer nem precisa, neste momento, de mais uma crise política e não quer nem precisa de eleições antecipadas, sendo que, neste caso, o grande beneficiário seriam os partidos da coligação governamental, que ficariam com argumentos difíceis de rebater para se vitimizarem e colocarem a culpa do sucedido na oposição e na sua irresponsabilidade.
Relativamente ao CHEGA e ao seu líder Ventura, não há muito a acrescentar: mudam todos os dias de opinião, dão o dito por não dito com a maior desfaçatez, dizem uma coisa e o seu contrário, fazem da mentira um padrão e da distorção dos factos a sua melhor competência. Obviamente não é de confiança, como nunca foi, pelo que a sua expressão parlamentar diz mais sobre os eleitores do que dos eleitos, mostrando que a sociedade civil portuguesa é fraca, frágil e facilmente manipulável, tal como no passado o foi por partidos de extrema-esquerda, cujos argumentos acabam por ser os mesmos: populismo fácil, estimulando a pequena inveja nacional, o pecado original que nos mantém pequenos e incapazes de nos desenvolvermos. Qualquer conversa com André Ventura acaba distorcida, qualquer hipótese de entendimento acaba em controvérsia, qualquer possibilidade do CHEGA poder vir a ser um partido do regime e governamental termina sempre na ligeireza, na inconveniência ou na falta de verticalidade de quem o lidera. Tal como a fábula do sapo e do escorpião, a natureza do CHEGA é ser destrutiva, para os outros e também para ele, pelo que a única coisa que Ventura certamente compreende é que, se existirem eleições antecipadas agora, a sua bancada implode, levando com este desastre uma enorme quantidade de luminárias que nunca imaginaram ser deputados e que só uma epifania de contestação e de protesto permitiu transitoriamente a sua ascensão.
Com o PS deveria ter sido diferente, mas não está a ser. Simplesmente pela liderança atual do partido e da entourage do líder, cuja qualidade nunca foi tão fraca e cuja ideologia que os move mais parece ser do Bloco de Esquerda do que um partido histórico e responsável na governação do país. 
Então por que razão Pedro Nuno Santos não assume um compromisso com o Governo de viabilizar o Orçamento de Estado, especialmente quando o Governo cedeu em praticamente tudo o que ele solicitou na negociação? Simplesmente pelo que os seus fiéis devotos, cuja máquina partidária lhe permitiu chegar ao poder no partido, permanecem leitores ávidos de Marx e Lenine, adoradores do Estado, simpatizantes das revoluções cubana e venezuelana, e desejosos de ultrapassar pela esquerda o próprio Bloco, se convenceram que as eleições antecipadas lhes darão a chance de chegar ao Governo e à distribuição de cargos e prebendas de que ficaram, por ora, arredados. A natureza desta gente é também a natureza de Pedro Nuno Santos, pelo que, apesar dos avisos dos moderados do Partido, ela deverá impor-se, mesmo que, a prazo, venha a prejudicar toda gente. 
Pedro Nuno Santos, confrontado com a vozes dissonantes no seu próprio partido, respondeu que não renuncia às suas convicções, que é o mesmo que dizer que não renuncia à sua natureza. Tal como o escorpião a tentação de picar o sapo, neste caso o Governo, será mais forte, fazendo afogar os dois, mesmo que o sapo venha a resistir ao veneno e ganhar novamente fôlego para chegar à margem e mais forte.
A natureza do escorpião está bem presente em Ventura e em Pedro Nuno Santos, mas se estes conhecessem as fábulas e a sua sabedoria ancestral, saberiam que, no final acabam por ser as vítimas de que ninguém se compadece.
Paulo Vaz - Jurista e Gestor, 17/10/2024
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