Taxas de IRC regionais também para entidades residentes no Continente?;

Taxas de IRC regionais também para entidades residentes no Continente?

O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 381/09.0 BELRS, datado de 16 de novembro de 2023, pronunciou-se no sentido da aplicação da taxa regional reduzida de IRC às entidades residentes em Portugal continental com estabelecimento estável na região autónoma da Madeira, reforçando a ideia de um novo mundo de oportunidades para estas entidades.

Introdução

Este tema não é novo.
De facto, existe já um vasto acervo de jurisprudência que se pronunciou, de forma praticamente uniforme, acerca desta questão, no sentido pugnado pelo Acórdão em apreço. Não apenas o Tribunal Central Administrativo Sul (designadamente, no âmbito dos processos n.º 1468/09, de 4 de outubro de 2023 e n.º 928/09, de 29 de junho de 2017), mas, até, o próprio Supremo Tribunal Administrativo (a título exemplificativo, no âmbito dos processos n.ºs 0958/10, de 18 de novembro de 2020, 058/14, de 14 de janeiro de 2015, 0292/09, de 17 de junho de 2009, 0668/08, de 21 de janeiro de 2009 e 0669/08, de 7 de janeiro de 2009).
Paralelamente, a Decisão Arbitral n.º 473/2022, do Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal (“CAAD”), baseando-se num racional idêntico ao aqui em causa, já havia estabelecido este precedente quanto à aplicação das taxas mais baixas de derrama regional para entidades sediadas em Portugal continental, mas que desenvolvem atividade nas regiões autónomas (embora o caso versasse sobre a derrama regional dos Açores).

A decisão do Tribunal Central Administrativo Central Sul
No presente processo, a recorrida, sediada em Portugal continental, exercia a sua atividade na região autónoma da Madeira, através de uma sucursal.
A questão controvertida nos presentes autos consiste em saber se a taxa a aplicar aos rendimentos obtidos pela recorrida imputáveis à sua sucursal na região autónoma da Madeira, no exercício de 2003, é a taxa da região autónoma da Madeira – de 27% - ou a do continente – à data, de 30%.
A esse respeito, o Tribunal Central Administrativo Sul reproduz arestos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0958/10, de 18 de novembro de 2020, centrando-se no conceito de estabelecimento estável.
Ora, o cerne da questão prendeu-se em saber se a circunstância do conceito de “estabelecimento estável” se encontrar historicamente vocacionado para efeitos de tributação de entidades não residentes (a Convenção Modelo da OCDE), obsta a que o (artigo 5.º do) CIRC seja também aplicável a entidades residentes em Portugal continental (ou noutra região autónoma) para efeitos de aplicação da taxa de tributação de IRC das regiões autónomas.
Começa o Tribunal por lembrar que o CIRC enquadra no conceito de “estabelecimento estável” as sucursais, escritórios agências ou delegações, desde que se materializam numa “instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.
Lembra ainda o Tribunal Central Administrativo Sul que, desde logo, o artigo em causa não se restringe a entidades não residentes em território nacional.
Acrescenta, ainda, que uma interpretação restritiva do conceito de estabelecimento estável não seria compatível com o objetivo preconizado com a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades residentes na região autónoma da Madeira, na medida em que a redução das taxas se afigura como um instrumento de política fiscal para o desenvolvimento sustentável da região autónoma da Madeira, como forma de fomentar o investimento produtivo na região. O que poderá ser levado a cabo, naturalmente, tanto por empresas estrangeiras, como por empresas nacionais.
Finalmente, explica o Tribunal que a aplicação da taxa reduzida de IRC aos sujeitos passivos que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na região autónoma da Madeira, bem como a estabelecimentos estáveis, sejam eles residentes (em território português) ou não residentes, é a única interpretação plausível que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade tributária.
Ora, no caso em apreço, ficou provado que a recorrida, não obstante ter a sua sede em Lisboa, tinha instalações na região autónoma da Madeira que configuravam um verdadeiro estabelecimento naquela região. E, por conseguinte, concluiu o Tribunal que o lucro correspondente à parte do volume de negócios aí gerado estava sujeito à aplicação da taxa de IRC regional.
Assim se conclui que, independentemente da sede das entidades que desenvolvem uma atividade económica na região autónoma da Madeira, a aplicação da taxa de reduzida de IRC (ao invés da taxa geral) não implica um benefício reservado exclusivamente aos residentes com sede na região autónoma ou aos estabelecimentos estáveis de não residentes, excluindo os demais residentes em território nacional com estabelecimento estável nessa mesma região autónoma, mas, antes, é extensível a todas as entidades que ali detenham “estabelecimento estável”, na aceção do CIRC.
Embora a decisão verse sobre a taxa regional reduzida de IRC na Madeira, o mesmo racional poderá, mutatis mutandis, ser aplicável à taxa reduzida de IRC regional dos Açores.
Atendendo ao decidido pelo Tribunal, torna-se, agora, clara a possibilidade de entidades sediadas em Portugal continental e que exercem a sua atividade através de um estabelecimento estável de forma contínua, permanente e autónoma nas regiões autónomas beneficiarem da taxa reduzida de IRC, o que poderá constituir uma oportunidade para as entidades que se enquadrem em situações análogas à dos autos aqui em análise.
Com efeito, considerando os meios de contencioso alternativos, poderão as entidades que se enquadrem nestas situações vir a ser reembolsadas dos montantes de IRC pago em excesso em anos anteriores, em virtude da substituição da taxa de IRC aplicável no continente pela taxa de IRC aplicável na região autónoma da Madeira ou dos Açores.

Conclusão
Conclui-se, portanto, que, não obstante sedeadas em Portugal continental, as entidades que desenvolvam uma atividade que reúna, nas regiões autónomas, os requisitos de “permanência” e “autonomia”, aí configurando um verdadeiro “estabelecimento estável”, poderão beneficiar da taxa regional reduzida de IRC (que é inferior à taxa de IRC aplicável em Portugal continental), dando azo ao eventual reembolso de imposto pago em excesso nos últimos anos, após decisão favorável promovida no âmbito dos meios de contencioso alternativos disponíveis.



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Rosa Ribeiro, 14/06/2024
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