Portugal 2030 deve apoiar fusões e aquisições de empresas;

Rogério Carapuça, presidente da APDC, defende
Portugal 2030 deve apoiar fusões e aquisições de empresas
A APDC defende a generalização do princípio ‘once-only’ da EU, mas isso implica “mudar a cultura burocrática que nos caracteriza” – defende Rogério Carapuça.
As empresas portuguesas não têm a dimensão suficiente para realizarem os investimentos necessários à sua transformação tecnológica, de modo a cumprirem com as metas fixadas pela União Europeia. Esta é a opinião de  Rogério Carapuça, presidente da APDC.
Por isso defende que “é necessária para já a eliminação dos incentivos negativos que existem hoje ao crescimento das empresas (designadamente fiscais), criar incentivos para fusões e aquisições (para que tenhamos empresas maiores) e vocacionar para esse fim uma parte significativa dos fundos do Portugal 2030.
Vida Económica – Como correu último Congresso da APDC?
Rogério Carapuça
- O 33º Digital Business Congress excedeu as nossas expectativas de participação. Tivemos 872 participantes presenciais (mais 24% que no ano anterior) e 10 670 visualizações online (mais 18%). Assim, nos últimos anos e desde que iniciámos este modelo híbrido de congresso, temos vindo a crescer consistentemente em ambos os indicadores. Contámos com a participação de oradores de excelente nível, internacionais e nacionais e o tema central não podia ser mais oportuno. Registámos com agrado a participação de vários membros do Governo e responsáveis, incluindo CEO, das empresas das TIC e Media. Aproveitamos para agradecer a colaboração do presidente deste congresso, o professor Arlindo Oliveira.

VE – Que estratégias devem ser seguidas por parte das empresas quanto à IA e à cibersegurança?
RC -
A abordagem a ambos os temas terá de ser faseada. Mas, nos dois casos, é fundamental começar já. Numa primeira fase, há que iniciar a formação generalizada dos quadros das empresas, bem como utilizar os instrumentos de produtividade básicos que vêm sendo incorporados nos produtos mais utilizados. Naturalmente que é do interesse das empresas que a população em geral, da qual fazem parte muitos dos seus clientes, seja também sensibilizada para ambos os temas. As campanhas de sensibilização, que auxiliam os cidadãos a reconhecer e evitar ataques, bem como usar os instrumentos de produtividade disponíveis, são fundamentais.
No que diz respeito à IA, a APDC anunciou no congresso o IMPULSO IA, um programa de literacia em IA, realizado em parceria com a Google, com o objetivo de capacitar mil pessoas até março de 2025. Com o lançamento de um novo certificado profissional Google, de “AI Essentials”, para uma qualificação mais técnica. No caso da atração de técnicos especializados para o nosso setor, a APDC tem em funcionamento com os seus associados e entidades públicas o Programa Upskill, que já entrou na 4ª edição.
Finalmente, as empresas deverão integrar as tecnologias de IA nos seus processos de transformação digital, tendo como objetivo melhorarem, em alguns casos de forma disruptiva, os seus negócios.

VE – O que é a NIS2 e que implicações vai ter?
RC -
A NIS 2 é a legislação mais abrangente de sempre da União Europeia em matéria de cibersegurança. Traz alterações tão profundas que as organizações se devem preparar desde já para a mudança. Vem reforçar a responsabilização das lideranças e impõe uma maior supervisão e partilha obrigatória de informações sobre vulnerabilidades e incidentes.
O diploma entrou em vigor na UE27 a 16 de janeiro de 2023 e vem ampliar o âmbito dos setores e empresas abrangidas, exigindo que cada país desenvolva uma Estratégia Nacional de Cibersegurança. Entre as principais alterações, estão a distinção entre operadores de serviços essenciais, que terão obrigações de segurança mais rigorosas, e entidades importantes. Assim como o reforço dos requisitos de segurança e a proteção das cadeias de abastecimento. A data-limite para a sua transposição nos estados-membros é o próximo dia 17 de outubro.
Vai impor que as empresas adotem uma abordagem proativa na gestão dos riscos de cibersegurança, implementando medidas em três áreas principais: prevenção, deteção e resposta a incidentes; continuidade do negócio e gestão de crises; e segurança da cadeia de abastecimento. Além disso, a NIS 2 exige a aprovação e supervisão de políticas de cibersegurança pelas administrações das empresas e a formação contínua dos colaboradores. Avaliações coordenadas a nível da UE dos riscos de segurança das cadeias de abastecimento e a notificação de incidentes significativos também são obrigatórias.
Metas da estratégia digital

VE – Quais as metas da Estratégia Digital 2030 que consideram serem as importantes e que considera necessário fazer para as atingir?
RC -
As metas mais importantes da Estratégia Digital 2030 incluem a transformação digital das empresas, as competências digitais para todos, a conectividade digital e a digitalização dos serviços públicos.
Assim, a UE pretende que, pelo menos, 75% das empresas utilizem serviços de computação na nuvem, big data e IA até 2030. Para alcançar isto, é essencial promover a transformação digital das empresas, o que exigirá capacidade de investimento. O problema é que as nossas empresas são, em média, muito pequenas e descapitalizadas. Dados da Pordata, de 2022, mostram que a média do volume de negócios (incluindo as maiores) era de 385 826 euros por empresa. Sendo este objectivo muito difícil para nós, é necessária para já a eliminação dos incentivos negativos que existem hoje ao crescimento das empresas (designadamente fiscais), criar incentivos para fusões e aquisições (para que tenhamos empresas maiores) evocacionar para esse fim uma parte significativa dos fundos do Portugal 2030.
Quanto às competências digitais, a meta é que 80% dos adultos tenham competências digitais básicas e que haja 20 milhões de especialistas em TIC na UE. Estas metas também são difíceis de atingir para Portugal, pois estamos a cerca de 55% na primeira meta e a nossa percentagem de especialistas TIC sobre a população em geral é bastante mais baixa que a média europeia (2,6% contra 3,9%). Ora, alterar esta situação, em ambos os casos, requer investimentos em Educação e programas de requalificação acessíveis a todos os cidadãos a uma escala nunca antes atingida. A meta dos especialistas necessitará de muito mais tempo do que 2030, mas é necessário acelerar desde já.
No que diz respeito à conectividade, a UE visa garantir e amiga do investimento. Ou seja, que se garanta um equilíbrio saudável entre capacidade de investimento das empresas e necessidade de manutenção da concorrência no setor. Para tal, será necessário alterar significativamente a prática regulatória seguida nos últimos anos.
Finalmente, a digitalização dos serviços públicos implica que todos os principais serviços não apenas estejam disponíveis online, mas que sejam fáceis de usar e contribuam para a redução da burocracia. A APDC defende a generalização do princípio once-only da UE, para que o Estado não peça aos cidadãos e às empresas informação que sobre eles já tem. Parece simples, mas exige mudar quase tudo o que temos, começando pela cultura burocrática que nos caracteriza.

VE – Qual é a visão da APDC para posicionar Portugal na Economia Digital da UE27?
RC -
A visão da APDC é ambiciosa: atualmente, Portugal ocupa a posição logo abaixo da média europeia no painel de indicadores DESI (Digital Economy and Society Index) da UE. O que nos torna “o primeiro dos últimos”. Mas a nossa ambição é que estejamos entre os cinco primeiros da UE27 nas próximas duas legislaturas, ou seja, nos próximos oito anos. A APDC sugeriu no congresso um conjunto de medidas concretas, organizadas em seis pilares fundamentais: Incentivo ao Crescimento Económico Sustentável e Territorialmente Equilibrado; Promoção do Talento; Adoção da Tecnologia; Funcionamento do Mercado; Simplificação do Estado; e Promoção da Cibersegurança e Inclusão Digital.

VE – Como avalia a execução do Portugal 2030 e do PRR ao nível dos apoios à transformação tecnológica das empresas e o que deveria ser melhorado?
RC -
Dado que faço parte do conjunto de peritos convidados a pertencer à Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do PRR, optámos por não responder a esta pergunta, remetendo os leitores para o site da CNA www.cnaprr.pt, onde poderão ser consultados os relatórios desta Comissão.

VE – Qual é a importância do Programa Europa Digital e do Horizonte Europa?
RC - 
O Programa Europa Digital (DIGITAL)  complementa o financiamento disponível através de outros programas da UE, como o Horizonte Europa (para a investigação e a inovação) e o Mecanismo Interligar a Europa (para as infraestruturas digitais), o Mecanismo de Recuperação e Resiliência e os Fundos Estruturais, para citar apenas alguns exemplos. Faz parte do orçamento de longo prazo da UE, o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027.
Em Portugal, foram estabelecidos pelo PRR mecanismos de cofinanciamento nacional para participação na rede europeia de Polos de Inovação Digital e nas “AI Testing and Experimentation Facilities” setoriais.



VIRGÍLIO FEERREIRA virgilioferreira@grupovidaeconomica.pt, 29/05/2024
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