Seguradoras omitem aumentos de preços na renovação dos contratos;

Recomendações da ASF não estão a ser seguidas
Seguradoras omitem aumentos de preços na renovação dos contratos
As seguradoras que operam no mercado português têm vindo a aumentar os preços na renovação dos contratos sem informar os clientes. A prática generalizada pelas seguradoras é comunicar apenas o valor a cobrar na próxima anuidade sem referir qualquer aumento de preço nem alteração às condições de contrato.
Este procedimento viola os deveres e obrigações das seguradoras assim como as recomendações da ASF, podendo ser considerado prática anticoncorrencial e dar origem a coimas elevadas.
As seguradoras não estão a seguir as recomendações da ASF relativas à informação aos clientes quando são aumentados os preços na renovação dos contratos. À semelhança do que vinham fazendo ao longo do tempo, as seguradoras aumentam os preços dos seguros nas renovações dos contratos, omitindo a subida de preço e o respetivo montante, indicando apenas o valor que vai ser cobrado na próxima anuidade. Com este procedimento generalizado das seguradoras, os clientes perdem a perceção do agravamento do preço. Para saberem que houve um aumento do preço, têm que consultar o valor pago há um ano atrás e fazer a comparação com o valor que vai ser cobrado na próxima anuidade. A maioria dos clientes não se apercebe dos aumentos, não consulta outras seguradoras, pagando de forma passiva o valor do aumento, cada vez mais através do débito direto da conta bancária. O pagamento dos prémios do seguro através de débito direto tem vindo a aumentar com a maioria das seguradoras a propor um melhor preço nesta modalidade. Há outras seguradoras – como é o caso da Allianz – em que o pagamento por débito direto já é obrigatório na maioria dos contratos, não sendo possível aos clientes utilizar outra modalidade de pagamento.
 
Seguradoras arriscam coimas sem precedentes
 
Ao não comunicar os aumentos dos preços aos clientes, as seguradoras criam problemas com os clientes que podem dar origem a litígios judiciais e ficam expostas a possíveis sanções da ASF.
Mas, o maior risco que as seguradoras correm está na possível aplicação de coimas elevadas por violação das normas da concorrência.
 
Por comparação, há quatro anos atrás a Autoridade da Concorrência condenou 14 bancos a coimas com um valor global de 225 milhões de euros por partilha de informação no crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas.
 
O facto de as seguradoras não informarem os clientes sobre os aumentos de preços que aplicam viola as obrigações contratuais e ignora as recomendações expressas da ASF. Ao ser uma prática uniforme seguida por todas as seguradoras suscita suspeitas quanto a uma atuação coordenada com o objetivo não informar os clientes, facilitar os agravamentos de preços, e restringir a concorrências entre as companhias de seguros.
 
A “Vida Económica” questionou por escrito as principais seguradoras sobre a prática seguida nos aumentos de preços e nenhuma delas demonstrou estar a cumprir as recomendações da ASF sobre a informação a dar aos clientes. A infração às normas da concorrência pode estar a acontecer pelo facto de todas as seguradoras aumentarem os preços sem comunicarem adequadamente a alteração contratual os clientes. O comportamento de cartel ocorre não apenas quando as empresas concorrentes fazem acordos para fixar preços, mas também para dividir mercados ou restringir a concorrência de outras formas, o que representa práticas anti concorrenciais.
Na medida em que todas as seguradoras adotam a mesma prática, há uma diminuição da concorrência no mercado de seguros, prejudicando os clientes e favorecendo a subida de preços.
Aumentar os preços sem uma comunicação clara pode ser também considerado uma prática comercial desleal, porque induz os consumidores em erro e pode afetar a perceção de valor e a escolha consciente dos serviços contratados.
 
Os consumidores têm o direito de ser informados sobre mudanças nos preços dos produtos e serviços que contratam. A falta de comunicação clara sobre os aumentos pode ser vista como uma violação do direito à informação e à transparência, prejudicando a tomada de decisão.
O setor segurador é altamente regulado em todos os países, com regras específicas sobre como os aumentos de preços devem ser comunicados aos clientes. As seguradoras presentes no mercado português não estão a seguir as práticas habituais na generalidade dos países da União Europeia.
 
ASF mantém recomendações mas admite “dificuldades operacionais” das seguradoras
 
Em março de 2023, a ASF transmitiu instruções claras às seguradoras para que estas “... incluam nos avisos de pagamento, além do valor do prémio para a anuidade seguinte, também o valor do prémio da anuidade anterior, ou anteriores, para o tomador poder compará-los”. Na Circular n.º 3/2023, de 29 de março, a ASF afirma que tem vindo a observar em diversos casos, respeitantes a contratos de diferentes ramos, “a prestação insuficiente de informação a que os seguradores se encontram legalmente adstritos, relativa à alteração das condições contratuais, designadamente ao aumento do prémio do seguro, o qual decorre, por vezes, da aplicação de atualizações ou de regras contratualmente definidas que também não são adequadamente comunicadas ou esclarecidas no momento da celebração do contrato”.
 
De acordo com a mesma Circular, ASF define que “as seguradores reportam à ASF, até 31 de dezembro de 2023, a informação relevante que lhe permita verificar a implementação das recomendações (...) bem como, em exercícios posteriores, eventuais alterações relevantes na informação prestada anteriormente”. As orientações abrangem os aumentos de preços nos seguros com maior expressão para os particulares: Automóvel, Incêndio e outros ramos (multirriscos) e Doença.
 
E prevê que o mapa de reporte a utilizar para este efeito será oportunamente disponibilizado no Portal ASF.
 
Tanto quanto foi possível apurar, nenhuma seguradora cumpriu as recomendações da ASF até 31 de dezembro de 2023, nem reportou a sua implementação.
 
A 4 de janeiro de 2024, a ASF emitiu a Circular n.º 1/2024 onde recomenda um faseamento das ações necessárias por parte dos seguradores e refere:
 
“1. Na aplicação dos procedimentos relativos à informação a constar dos avisos de pagamento previstos na parte A da Circular n.º 3/2023, e naquela que deve estar alinhada com a mesma, noutros documentos, os seguradores devem conferir prioridade aos casos em que a variação do prémio aplicável ao contrato de seguro decorra de iniciativa do segurador, sendo admissível durante um período transitório, até 31 de dezembro de 2024, que quando a variação do prémio decorra de iniciativa do tomador do seguro, apenas conste do aviso de pagamento a indicação de que a variação do prémio reflete as alterações ao contrato por aquele solicitadas”.
 
Desta forma, a ASF apenas admite um período transitório até 31 de dezembro de 2024 para a informação dos aumentos de preços quando a variação de preço resulte da iniciativa do segurado, o que representa uma percentagem reduzida dos contratos. Para a larga maioria dos casos em que o aumento do preço se deve à iniciativa das seguradoras, as recomendações da ASF não foram alteradas e mantêm-se em vigor, apesar de não estarem a ser seguidas.
 
Uma fonte da ASF explicou à “Vida Económica” que “o setor segurador sentiu dificuldades de ordem operacional na implementação de todas as recomendações constantes da referida Circular, que exigiam alterações de grande magnitude nos sistemas informáticos das empresas de seguros, no prazo inicialmente concedido pela ASF, e no seguimento de contactos desenvolvidos pela Associação Portuguesa de Seguradores, a ASF emitiu a Circular n.º 1/2024, de 4 de janeiro”. 
 
A mesma fonte da ASF afirmou que “.. alguns dos principais operadores estão já, desde maio, a emitir avisos de pagamento alinhados com as recomendações da ASF”.

No entanto, e apesar das solicitações que fizemos junto das principais seguradoras e da consulta a vários avisos de pagamento, não foi possível concluir que as recomendações estejam a ser cumpridas por qualquer seguradora.

Informação sobre aumento de preço não tem complexidade técnica

Na perspetiva das seguradoras, o obstáculo à aplicação das recomendações da ASF estará nas alterações aos sistemas de informação. No entanto, incluir nos avisos de pagamento o valor do prémio do ano anterior e a percentagem de aumento - conforme a ASF pretende - parece ser uma informação simples e sem impacto considerável nos sistemas informáticos.

Por outro lado, quase todas as seguradoras que atuam em Portugal são sucursais de seguradoras estrangeiras e como tal já comunicam aos segurados os valores dos aumentos dos prémios em todos os outros países onde estão presentes. Para o fazerem também em Portugal não precisam de acrescentar uma nova funcionalidade nos seus sistemas mas sim remover a exceção que tem vindo aplicada no mercado português.

Nenhuma seguradora quer ser a primeira a comunicar aos clientes os aumentos de preços, seguindo as recomendações da ASF, porque sabe que se o fizer vai perder clientes para as seguradoras que continuam a não comunicar a subida dos valores aos segurados.

Aumentos de preços atingem 20% ao ano
 
As seguradoras estão a fazer aumentos significativos de preços nos seguros onde a ASF pretende que seja comunicada informação aos segurados sobre o agravamento das tarifas.
Os aumentos são expressivos nos ramos com maior número de apólices, como é o caso do seguro automóvel e seguro de habitação.
Por exemplo, a Ageas aplicou um aumento de 14,5% no seguro automóvel para clientes sem sinistros. Nos avisos de pagamento enviados não informa ter feita qualquer alteração de preço.
 
No seguro multirriscos, a Allianz aplicou um aumento de 47% nos últimos 5 anos que corresponde um agravamento de médio de 9,4% ao ano. Os preços dos seguros multirriscos estão a ser agravados pela alterações das tarifas da seguradora também pelos aumentos anuais no valor dos capitais seguros. À semelhança das outras seguradoras, a Allianz continua a aplicar os aumentos sem informar os clientes da alteração da tarifa e da atualização dos capitais seguros.
 

Associação Portuguesa de Seguradores não toma posição
 
Em resposta à “Vida Económica”, a Associação Portuguesa de Seguradores não toma posição sobre a comunicação aos segurados dos aumentos dos preços na renovação dos contratos. As questões sobre as circulares da ASF e a respetiva interpretação ….“devem ser colocadas à própria ASF” – refere a Associação Portuguesa de Seguradores.
Mas recorda que  o envio de avisos de pagamento nas renovações dos contratos com uma antecedência mínima de 30 dias …” é uma prática completamente instituída e regular das empresas de seguros, que a têm implementada desde há muitos anos”.


Mediadores de seguros consideram que as seguradoras
prejudicam 
o funcionamento do mercado
 
“As seguradoras não estão a cumprir presentemente, de forma factual e genérica, as recomendações da ASF sobre os avisos de pagamento dos prémios” – afirma David Pereira. Em declarações à “Vida Económica”, o presidente da APROSE  a associação que representa os agentes e corretores de seguros, confirma que os aumentos de preços ainda não estão a ser comunicados. A constatação de David Pereira é feita quer na sua qualidade de dirigente associativo e representante da classe que lida com esta matéria diariamente, quer no que toca ao seu estatuto de operador de mercado, que também o é.
 
Segundo refere, … “no final deste incumprimento generalizado das empresas de seguros  “…” quem sai verdadeiramente prejudicado, como sempre, é o consumidor final, mas, também, o mediador de seguros, verdadeiro ‘muro das lamentações’ dos seus clientes. Não esquecer nunca que cerca de 75% dos seguros dos ramos reais que são produzidos nas seguradoras, são através do canal mediação.”


Exemplos são inconclusivos
 
A “Vida Económica” solicitou às principais seguradoras e à própria APS exemplos de avisos de pagamento que incluam informação sobre alteração de preços dos seguros.
Após insistência da nossa parte, recebemos uma cópia de um aviso de pagamento da Fidelidade relativo a um seguro automóvel, com data de 8 de julho passado onde é comunicado não o aumento mas sim a diminuição de preço motivada pela redução em 14,3% dos capitais seguros.
Tendo em conta que as recomendações da ASF se referem a aumentos dos preços e com nova insistência do nosso lado, recebemos a cópia de uma carta emitida pela Zurich com data de 5 de junho passado. A referida carta faz menção ao n.º de apólice  e indica uma alteração do prémio anual de €214,22 para €323,22, representando um aumento superior a 50%. Mas menciona uma redução de €12,16 no valor do capital seguro, o que é um montante irrisório e anormal para diminuição de capital.
A carta não contém qualquer menção ao ramo. Aparentemente será automóvel porque refere o custo de Carta Verde.
A missiva da Zurich refere a próxima anuidade e a anterior mas não indica quando as anuidades começam nem quando terminam, e nada refere quanto ao pagamento, nem quanto ao prazo nem quanto à forma.
Com base nos elementos recebidos, a Zurich continuaria a enviar os aviso de pagamento da forma tradicional, com indicação do próximo valor a pagar, e em paralelo emitiria outra comunicação onde indica aos clientes o valor do novo prémio e o valor do prémio anterior.
Tendo em conta que não é essa a recomendação da ASF, admitimos que não seja este o procedimento definitivo que a seguradora vai implementar


Normas dos países europeus impõem informação 
aos segurados sobre aumentos de preços 
 
Segundo apurou a “Vida Económica”,  a comunicação aos segurados sobre aumentos dos prémios dos seguros é uma pratica corrente em todos os países da União Europeia. Na maioria dos Estados, o procedimento a observar pelas seguradoras está previsto de forma expressa nas normas que regulam a atividade. Pelo contrário, em Portugal o Regime Jurídico do Contrato de Seguro não refere de forma direta o procedimento que deve ser adotado nos aumentos de preços. Com base nessa omissão, as seguradoras que operam em Portugal comunicam apenas o próximo valor a pagar, sem referir o aumento de preço, apesar de terem a obrigação de o fazerem de acordo com as normas contratuais e as regras aplicáveis à atividade seguradora.
 
No mercado português as seguradoras são quase todas de capital estrangeiro. Ao omitirem em Portugal a informação sobre os aumentos dos prémios, as seguradoras adotam uma postura diferente face à prática que seguem nos outros países europeus.
 
Espanha
 
Em Espanha, as seguradoras são obrigadas a informar os segurados sobre qualquer aumento nos prémios de seguro na renovação do contrato para a próxima anuidade. Esta obrigação está em conformidade com a Lei do Contrato de Seguro (Ley 50/1980, de 8 de octubre, de Contrato de Seguro). As seguradoras devem comunicar qualquer alteração nos termos do contrato, incluindo aumentos nos prémios, com uma antecedência mínima de dois meses antes da data de renovação do contrato.
 
A comunicação deve incluir detalhes sobre o novo valor do prémio e as razões para o aumento. Isso garante que os segurados possam tomar decisões informadas sobre a continuidade ou não do contrato de seguro.
 
França

 
Em França, as seguradoras têm a obrigação de informar os segurados sobre os aumentos nos prémios de seguro nos contratos em vigor para a próxima anuidade. Esta obrigação é estabelecida pelo Código das Seguros francês (Code des assurances).
 
De acordo com o artigo L113-15-1 do Código das Seguros, as seguradoras devem notificar os segurados sobre qualquer alteração nos termos do contrato, incluindo aumentos nos prémios, com pelo menos dois meses de antecedência antes da renovação automática do contrato. Esta notificação deve incluir o valor do novo prémio e permitir ao segurado a oportunidade de cancelar o contrato se não concordar com o aumento.
 
Alemanha

 
Na Alemanha, as seguradoras são obrigadas a comunicar aos clientes qualquer aumento nos prémios de seguro nos contratos em vigor para a próxima anuidade. Esta obrigação está estabelecida pela legislação alemã sobre seguros, especificamente no âmbito do VVG (Versicherungsvertragsgesetz), que é a Lei do Contrato de Seguro.
 
Os segurados têm o direito de rescindir o contrato se não concordarem com o aumento, geralmente com um prazo de cancelamento de um mês após a receção da notificação.
 
Grécia 

 
Na  Grécia, as seguradoras têm a obrigação de comunicar aos segurados quaisquer aumentos nos prémios de seguro nos contratos em vigor para a próxima anuidade. Esta obrigação é regulada pela legislação grega que segue as diretrizes europeias sobre transparência e proteção ao consumidor.
 
De acordo com a legislação grega, incluindo as disposições da Direção Executiva do Banco da Grécia, que regula o setor de seguros no país, as seguradoras devem informar os segurados sobre quaisquer alterações nos termos do contrato, incluindo aumentos nos prémios, com antecedência razoável antes da renovação do contrato. Esta comunicação deve ser clara e incluir o valor do novo prémio.
 
Bélgica

 
Na Bélgica, as seguradoras têm que comunicar aos segurados qualquer aumento nos prémios de seguro nos contratos em vigor para a próxima anuidade. Essa obrigação é estabelecida pela legislação belga sobre seguros, que visa garantir a transparência e proteger os direitos dos consumidores.
 
De acordo com o artigo 26, §1, da Lei de Supervisão de Seguros e Resseguros de 13 de março de 2016, as seguradoras devem notificar os segurados sobre qualquer alteração nos termos do contrato, incluindo aumentos nos prémios, com antecedência suficiente antes da data de renovação do contrato.
 
Itália

 
Em Itália, as seguradoras estão obrigadas a comunicar aos segurados qualquer aumento nos prémios de seguro nos contratos em vigor para a próxima anuidade. Esta obrigação é estabelecida pelo Código dos Seguros Privados italiano (Codice delle Assicurazioni Private).
 
De acordo com a legislação italiana, as seguradoras devem informar os segurados sobre quaisquer alterações nos termos do contrato, incluindo aumentos nos prémios, com antecedência suficiente antes da renovação automática do contrato. Este aviso deve ser claro e específico, detalhando o novo valor do prémio e as razões para o aumento.
 
Luxemburgo

 
De acordo com a Lei de Supervisão do Setor Financeiro (Loi du 7 décembre 2015 sur le secteur financier), que regula a atividade das seguradoras no Luxemburgo, qualquer alteração nos termos do contrato, incluindo aumentos nos prémios, deve ser comunicada aos segurados com antecedência razoável antes da renovação do contrato.
 

Aumento dos preços depende do mútuo consentimento
 
“Vigora no Direito dos Seguros a mesma regra geral que vigora em todos os contratos, no sentido de que, com exceção dos casos admitidos na lei, os termos e condições de um contrato apenas podem ser modificados por mútuo consentimento dos contraentes (artigo 406.º do Código Civil)” - disse à “Vida Económica” Ana Sofia Silva. Para a advogada a consultora de Serviços Financeiros e Seguros da Cuatrecasas, impende sobre a seguradora um especial dever de informação que é exigível, desde logo, no momento inicial da celebração do contrato, onde a seguradora deverá informar claramente o segurado de todas as circunstâncias que poderão, durante a vigência do contrato, determinar um aumento no prémio do seguro. 
Em sua opinião, a ASF considera que o aviso de pagamento deverá ser mais detalhado quanto às alterações verificadas, não se limitando a referir apenas o valor do novo prémio de seguro aplicável. 
“Ou seja, a Circular 3/2023, de 29 de março da ASF (cujas instruções de aplicação foram esclarecidas na Circular 1/2024, de 4 de janeiro) não coloca em causa a razoabilidade (ou não) dos aumentos verificados nos prémios do seguro. Pelo contrário, a preocupação da Autoridade de Supervisão prende-se com a necessidade de as circunstâncias e as causas de tais aumentos serem devidamente informados aos segurados de modo a evitar danos reputacionais relacionados, por exemplo, com a ideia de que as seguradoras aumentam os prémios discricionariamente e em desrespeito do regime legal aplicável” - considera.
“Em suma, não atribuo a estas circulares outro significado que não seja o de existir da parte da ASF uma preocupação quanto ao modo e à forma como as alterações contratuais e, em particular, as alterações no valor dos prémios do seguro, são informados aos segurados. Não retiro das mesmas qualquer preocupação nem quanto ao quantum nem quanto à razoabilidade desses aumentos” - acrescenta Ana Sofia Silva.
 

Alterações de preços devem ser claramente percetíveis para os segurados

“Com a entrada em vigor do RJCS, estipulou-se que as vicissitudes relativas à vigência dos contratos, bem como a respetiva forma de renovação, devem, desde logo, integrar a informação pré-contratual exigível aos seguradores e o texto da apólice” - salienta Manuel Camarate Campos. Para o advogado e coordenador de Banca e Seguros na RSA Advogados, a Circular n.º3/2023 inclui os aspetos mais relevantes que devem ser tidos em conta na informação a prestar pelas seguradoras. “O prémio ou a fórmula do respetivo cálculo são elementos que também devem constar da apólice, por força da alínea h) do n.º 2 do artigo 37.º do RJCS, pelo que qualquer alteração de algum dos elementos integrantes dessa fórmula deve ser sempre claramente percetível pelo tomador do seguro” -refere.
Por isso, afirma que o tema não está tanto nas recomendações da ASF: “O RJCS, regime especial aplicável aos contratos de seguro, complementado pela Lei de Defesa do Consumidor e pelo regime das cláusulas contratuais gerais, já contempla um quadro legal compreensivo que sempre obriga ao cumprimento pelos seguradores de um especial dever de informação e de esclarecimento, sempre que esteja em causa, por exemplo por ocasião de uma renovação do contrato de seguro, uma alteração do preço do prémio de seguro e a forma como o mesmo é determinado – v.g. pela variação da sinistralidade; pela inflação, pela variação dos capitais seguros; pela fiscalidade, etc” - considera. “ A Circular nº 3/2023 veio apenas, no quadro de uma pretendida definição de boas práticas pela ASF, procurar estabelecer procedimentos uniformes a seguir pelos seguradores” - acrescenta.
Saindo da área dos seguros para os contratos em geral, Manuel Camarate Campos recorda que não estando em causa qualquer norma legal imperativa, vigora o princípio da liberdade contratual consagrado no nº 1 do art. 405º do Código Civil: “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.” E considera que, sendo o contrato totalmente omisso, qualquer variação de preço estará, em princípio e salvo previsão legal ao caso aplicável, sujeita a prévio acordo entre as partes.

 

Virgilio Ferreira, 18/07/2024
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