Mercado livreiro cresce em vendas e leitores;

Aumento da procura de livros pelos mais jovens impulsionada pelas redes sociais
Mercado livreiro cresce em vendas e leitores
Aproximar Portugal dos seus pares na Europa, quer nos índices de leitura, quer na relevância do setor para a economia, foi um objetivo assumido por todos os intervenientes no encontro.
O setor livreiro atravessa um bom momento com o aumento do número de leitores, sobretudo nas camadas mais jovens da população (15-30 anos), o crescimento da venda de livros (+ 5% e 210 milhões de euros em 2023) e dos índices de leitura, o regresso das livrarias, a criação de comunidades e o impulso das redes sociais que transformou o livro numa moda e faz prever mais crescimento nos próximos anos. Estas foram as principais conclusões do primeiro pequeno-almoço-debate do “Ciclo de debates 2024: Que país é este?” dedicado à análise da Indústria do Livro, organizado pela Vida Económica e pela VALKIRIAS Consultores. Ana Rita Bessa, CEO do Grupo LeYa, Clara Capitão, “Publisher” da Penguin Random House Grupo Editorial, S.A.U.; Íris Bicho, “booktoker”; Pedro Sobral, presidente da APEL; Rui Aragão, diretor de e-Commerce WOOK/ Grupo Porto Editora; e João Luís Sousa, diretor do Grupo Editorial Vida Económica, deram-nos conta do retrato do presente, do futuro e dos desafios de um setor em profunda transformação. 
Os resultados obtidos pelo setor em 2023 – o ano em que se venderam mais livros em papel do que nunca, depois do crescimento exponencial de 17% em 2022 - espelham a mudança de paradigma criada pelo confinamento: o aumento de leitores, afirmou Pedro Sobral, presidente da APEL. 
“Em 2023 registou-se uma constância do volume de compras ao longo de todo o ano, sobretudo no segmento infantojuvenil”, o que indicia “que estamos a ganhar leitores. O aumento do consumo de ficção e o regresso às livrarias contribuíram também para este bom momento” e vieram acelerar a perda de quota de mercado da grande distribuição (27% em 2018/2019; 21% em 2023) para o retalho especializado. Já os livros profissionais, tiveram um desempenho positivo ainda que mais moderado, por serem menos sensíveis a modas, segundo explicou João Luís Sousa, diretor Grupo Editorial Vida Económica, que defendeu que: “se fizermos uma comparação com Espanha, onde o volume de livros vendidos é cerca de 10 vezes superior ao de Portugal, quando a população é apenas mais 4,5%, percebemos que o mercado português tem possibilidade de duplicar, mesmo sem aumentar o número de leitores.”
O livro é hoje um objeto “cool” graças às redes sociais, sendo cada vez mais procurado e comprado pelas camadas mais jovens, que de acordo com Ana Rita Bessa, CEO Grupo LeYa “trazem novas características ao mercado e são muito motivados pelas redes sociais”, e vivem num ambiente onde “ler e falar de livros nas redes se tornou superfixe”. 
A “booktoker” Íris Bicho revelou que em 2023 as suas redes “cresceram tanto como nos últimos dois anos anteriores e o trabalho dos ‘nfluencers’ passou a ser mais reconhecido”. Segundo Clara Capitão, Penguin Random House, “o setor adapta-se agora ‘às novas formas de vender e comunicar livros’ e ao novo poder das comunidades de leitores que, desde a pandemia, proliferam nas redes sociais e nas livrarias físicas, transformando os clubes de leitura num poderoso instrumento de difusão do livro”. Este cenário favorável, na ótica de Rui Aragão, WOOK/Porto Editora, muito deve à “melhoria dos índices de leitura, só possível graças ao trabalho realizado ao longo de muitos anos pelos vários intervenientes. Não se faz um leitor rapidamente. É um processo lento e geracional. Hoje colhemos os investimentos de anos anteriores e de várias gerações que foram valorizando o livro”.
 
Comércio eletrónico de livros a crescer, mas ainda longe da média europeia
 
A venda de livros online, inicialmente uma fonte de receios, “afinal revelou-se um caminho com vendas mais sustentadas e eficazes, respondendo muito mais facilmente à atual tendência das vendas mais rápidas e orgânicas”, na perspetiva da diretora da Penguin. “É um canal que tem tido um crescimento expressivo como consequência dos efeitos da pandemia e que pode ajudar a combater as assimetrias no acesso ao livro, em particular nas regiões onde não existam livrarias físicas. Apesar disso, Portugal ocupa ainda os últimos lugares do ranking europeu de e-commerce de livros”, acrescentou o presidente da APEL. Um indicador negativo que, no entanto, deve ser encarado como uma oportunidade, segundo Rui Aragão, já que “o facto de estarmos para lá do vigésimo lugar nos rankings europeus indicia um potencial de crescimento nos próximos anos.”
 
Sinalizar o livro como um bem essencial
 
Aproximar Portugal dos seus pares na Europa quer nos índices de leitura, quer na relevância do setor para a economia, requer que sejam superadas algumas das atuais fragilidades: a fragmentação editorial, a dificuldade de os editores lidarem com a mudança de paradigma, bem como o reduzido número de livrarias independentes. A resposta reside, segundo os vários intervenientes, em planos (como o PNL - Plano Nacional de Leitura), políticas públicas e medidas/iniciativas (como o cheque-livro, IVA zero no livro, reforço da rede nacional e revisão dos programas escolares), em orçamentos mais robustos, sustentados e de longo prazo, que precisam articular-se e ser trabalhados por todos os intervenientes em conjunto, de forma a permitirem um maior desenvolvimento do setor, a garantirem o acesso universal ao livro e o aumento dos índices de leitura. 
Neste contexto, a APEL considera essencial “o papel das bibliotecas para que as várias gerações se possam reunir à volta dos livros em todo o país, pelo que é preciso aumentar os orçamentos. O ano passado foi alocado apenas um milhão de euros para compra de livros, o que é muito escasso. É verdade que tem havido um esforço para resolver os problemas relacionados com a compra de livros, e o cheque livro poderá contribuir para solucionar parcialmente esta questão aumentando a sua acessibilidade, diminuindo assimetrias e fomentando os hábitos de leitura”. 
O equilíbrio que o setor necessita passa também por incentivos legais e fiscais, como a lei do preço fixo do livro ou o IVA Zero, que podem impulsionar o desenvolvimento do setor, como já aconteceu, por exemplo, em Espanha, onde esta medida provocou um aumento exponencial do setor que hoje movimenta “2,8 mil milhões de euros. Um valor que comparado com Portugal representa um enorme gap”, explica Pedro Sobral, defendendo que esta é uma medida “muito importante para o progresso do mercado do livro. Além do mais, sendo este um negócio de margens muito baixas, é importante sinalizar o livro como um bem essencial.” 
 
Escolas são um pilar decisivo para garantir sucesso no futuro
 
No grande movimento de transformação do setor que está a acontecer, as escolas - que no entender do Presidente da APEL têm um papel fundamental na resolução das assimetrias sociais e geográficas e no que será o futuro - enfrentam agora também o desafio de acompanharem as tendências e adotarem novos modelos. É nas escolas que, tal com explicou Ana Rita, se “fomenta o exercício crítico e os hábitos da leitura”, que Rui Aragão vê como sendo da “responsabilidade de educadores/ professores e pais. Criar leitores valorizando o livro é fundamental para podermos chegar aos valores do resto da Europa, porque apesar de estarmos no bom caminho ainda há muito para fazer.” Os participantes no debate, consideraram mesmo que as escolas deverão ser mais cautelosas ao impor currículos, uma perspetiva que os mais jovens validam, tal como afirmou Íris Bicho, contando que o seu gosto pela leitura se deve sobretudo à mãe, mas que foi determinante o papel de uma das suas professoras de Português, ao permitir que os alunos escolhessem qualquer livro para lerem e fazerem uma apresentação nas suas aulas, incentivando “muito mais os alunos a procurarem um livro em que efetivamente tivessem interesse e em partilharem-no com os outros colegas”. O fim deste “grilhão canónico construído em torno dos livros recomendados”, nas palavras da CEO da LeYa, pode trazer “uma maior liberdade e ser um fator de mais promoção da leitura na escola, porque o mais importante é que os jovens tenham um livro na mão” e, dessa forma, como disse Pedro Sobral, “não perderemos leitores. É imperativo construirmos um ecossistema sustentável para mantermos os bons resultados que estamos a alcançar e enraizarmos o livro e a leitura, e isto passa pelas escolas”.
Os novos modelos incluem também a presença regular dos escritores nas salas de aula através da colaboração entre as escolas e as editoras de modo a aproximar jovens leitores e autores, e as sessões com os criadores de conteúdo, que numa simples hora conseguem envolver mais os jovens na leitura do que todas as outras atividades realizadas ao longo do ano letivo. O envolvimento dos jovens é um aspeto crítico na visão de João Luís Sousa, porque “vão ser eles que vão fazer o mercado do futuro. Não devemos ter visões imediatistas e de curto prazo, porque o importante é favorecer a relação dos jovens com os livros nas várias formas possíveis”. E neste sentido, Ana Rita referiu que é preciso ir ao encontro daquilo que os leitores procuram, trabalhando em parceria com os “booktokers” e os “instagramers”, “que vão capilarizando a promoção da leitura. Todos trabalhamos cada vez mais em proximidade com os ‘influencers’ de livros, porque sabemos que são um canal de promoção da leitura completamente válido, com muito mais capacidade do que nós próprios para chegarem aos leitores”.

E-book: de ameaça a aliado na promoção do livro
 
O futuro passa também pelos e-books que para Íris Bicho, amante de livros em papel, são um bom complemento, mais “práticos de transportar nas deslocações” e impulsionadores da leitura junto dos mais jovens, até por terem preços mais reduzidos que os livros em papel. Concordando com o valor deste formato, que no caso do livro profissional tem sido a chave para abrir novas oportunidades de mercado, por exemplo nos países lusófonos, o diretor do Grupo Editorial Vida Económica alerta “para não tomarmos medidas precipitadas e pouco avaliadas. Enveredar por uma digitalização generalizada do livro – como se está agora a querer fazer nas escolas - pode levar a uma quebra da relação afetiva e da forma como as pessoas interagem com os livros, refletindo-se negativamente nos índices de leitura”.
 Já Clara Capitão considerou que, em Portugal o livro é caro, pelo que ao comprá-lo estamos a assumir “um compromisso e temos de ter a certeza de que o queremos. O e-book por seu turno permite muito mais a experimentação e até pode impulsionar a compra do livro físico. Poderá ser uma porta de entrada e um complemento extraordinário, que não acabou com os livros em formato papel como inicialmente se temia. É importante considerarmos as potenciais ameaças como oportunidades.”
 
IA: à procura de um modelo de negócio 
 
À semelhança dos outros setores também o livreiro se confronta atualmente com o impacto da aplicação da inteligência artificial. Os vários intervenientes no debate, que defendem que sem autores e sem livros não há futuro, consideraram que estas tecnologias poderão desempenhar um papel relevante na melhoria da organização e nos processos internos do negócio em si, ajudando o setor a ser mais eficiente, gerar experiências interessantes que contribuam para promover e aumentar o interesse pelo livro e a leitura, sendo, no entanto, fundamental que se regule esta nova realidade porque afeta diretamente a propriedade intelectual. Como explicou o diretor de eCommerce da Wook, este “é o momento em que o jogo muda e a IA deverá mudar todas as partes do nosso negócio. A IA poderá ajudar muito a melhorar o serviço ao cliente e a ‘big data’. Estamos atentos e a desenvolver alguns projetos nesta área, mas esperamos sinceramente que os autores não venham a ser substituídos por um sistema sem alma”. 
Também a CEO da LeYa, que já tem em curso projetos assentes nesta tecnologia para melhorar os seus processos de trabalho internos, partilha desta opinião, e sob pena de correr o “risco de tudo o que disser nesta matéria poder vir a envelhecer muito mais”, ”considerou que “a IA é uma variável muito importante e por isso temos de estar muito atentos. A sua aplicação na criação literária, poderá eventualmente ser usada como complemento da produção, por exemplo nas pesquisas, mas já vejo com dificuldade entregarmos a competência de pensar a uma máquina e demitirmo-nos do papel da criação. A IA poderá ser uma oportunidade para reforçarmos ainda mais o papel e a relação com o livro e promovermos a leitura, nomeadamente através das experiências imersivas. Mas é fundamental regulamentar para garantirmos a transparência na utilização desta tecnologia. O desafio é perceber como podemos tirar o máximo partido desta nova tecnologia, salvaguardando a produção artística”.
O presidente da APEL, que revelou existirem milhares de obras geradas por IA à venda na Amazon sem compradores, adiantou igualmente que “a questão central tem a ver com o modelo de negócio, que ainda não se percebeu qual será. Porém, o setor livreiro existe desde Gutenberg e já passou por tudo, inclusive por momentos de verdadeiro suicídio, e sobreviveu. As máquinas não são capazes de sentir e, por isso, dificilmente poderão criar as obras de arte que nós criamos. No que diz respeito à criação literária, no limite a IA poderá eventualmente, vir a ser um concorrente no mercado de massas, mas só. Este setor tem um modelo de muitos séculos e o ser humano terá sempre necessidade de ouvir contar histórias. A IA poderá ser relevante e deve ser encarada como uma oportunidade para tornar os processos mais eficazes. O importante agora é a regulação por causa da transparência. De resto, a UE já está a trabalhar no sentido de tornar obrigatória a identificação do que é gerado por IA”.
Já do lado dos leitores, “ainda não há muita noção sobre qual é o impacto da IA”, refere Íris Bicho, explicando que até agora “o aspeto mais visível para os leitores terá sido o da tradução, e tem gerado muita polémica,” porque tal como sublinhou a responsável da Penguin “o elemento humano é fulcral na tradução. O que nos preocupa é a proteção da propriedade intelectual, porque é dela que depende o futuro da criação literária e os editores têm uma grande responsabilidade neste campo. Consideramos que os livros gerados por IA terão vidas curtas”. O mesmo advoga o diretor do Grupo Editorial Vida Económica, para quem, “a IA poderá ser uma oportunidade ou uma ameaça. Tudo dependerá da forma como for utilizada”. 
 
Otimismo no futuro do livro
 
Os vários intervenientes neste debate revelaram-se confiantes quanto ao futuro pela enorme oportunidade de crescimento do setor em Portugal, não obstante o atual contexto económico. Aproveitar o potencial da globalização e da internacionalização através da língua, usar o poder das redes sociais e das comunidades na promoção do livro, da leitura e da captação de mais e novos leitores, transformar os desafios em oportunidades, gerir melhor percebendo os contornos dos desafios económicos e das novas tecnologias, adotar e promover as práticas de ESG ao longo de todo o setor, promover o debate na sociedade civil e no setor, refletindo a riqueza e a diversidade, são alguns dos aspetos considerados essenciais para o desenvolvimento daquele que é considerado o mais resiliente dos setores culturais. Um setor onde, como referiu a fechar o debate o presidente da APEL: “Cada geração de editores e livreiros teve os seus desafios e a enorme responsabilidade de deixar um caminho. Atualmente, em Portugal temos uma geração entusiasta pelo futuro e pelo compromisso de abraçar esta nova onda de leitores, que é muito capaz e está equipada para fazer face ao contexto, para pegar no testemunho e levá-lo adiante, independentemente dos desafios. Portugal está a passar por um bom momento e estamos otimistas quanto ao futuro do livro”.
INTERVENIENTES
Pedro Sobral, presidente da APEL
“É verdade que tem havido um esforço para resolver os problemas relacionados com a compra de livros, e o cheque livro poderá contribuir para solucionar parcialmente esta questão aumentando a sua acessibilidade, diminuindo assimetrias e fomentando os hábitos de leitura.” 
 
João Luís Sousa, diretor do Grupo Editorial Vida Económica
“Se fizermos uma comparação com Espanha, onde o volume de livros vendidos é cerca de 10 vezes superior ao de Portugal, quando a população é apenas mais 4,5%, percebemos que o mercado português tem possibilidade de duplicar, mesmo sem aumentar o número de leitores.”

Ana Rita Bessa, CEO do Grupo LeYa
“O fim deste ‘grilhão canónico’ construído em torno dos livros recomendados pode trazer uma maior liberdade e ser um fator de mais promoção da leitura na escola, porque o mais importante é que os jovens tenham um livro na mão.”

Clara Capitão, “Publisher” da Penguin Random House
”O  setor adapta-se agora ‘às novas formas de vender e comunicar livros’ e ao novo poder das comunidades de leitores que, desde a pandemia, proliferam nas redes sociais e nas livrarias físicas, transformando os clubes de leitura num poderoso instrumento de difusão do livro.”

Íris Bicho, “booktoker
“O que nos preocupa é a proteção da propriedade intelectual, porque é dela que depende o futuro da criação literária e os editores têm uma grande responsabilidade neste campo. Consideramos que os livros gerados por IA terão vidas curtas.”

Rui Aragão, diretor de e-Commerce WOOK/ Grupo Porto Editora
“Portugal ocupa ainda os últimos lugares do ranking europeu de e-commerce de livros”, acrescentou o presidente da APEL. Um indicador negativo que, no entanto, deve ser encarado como uma oportunidade, indiciando um potencial de crescimento nos próximos anos.”

Virgilio Ferreira (virgilioferreira@grupovidaeconomica.pt ), 08/02/2024
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