MÚTUO - Contrato verbal

ASSUNTO: "Datio pró solvendo"
Referências: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.6.2012
Fonte: site do TRP - www.dgsi.pt

Sumário:
I - A "datio pró solvendo" tem como ...
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Na presente ação que segue a forma de processo sumário em que figuram como: - AUTORES: C... e mulher D... residentes na ..., nº ..., ..., Trofa; e - RÉUS: B... e mulher E... residentes na Rua ..., nº .., freguesia de ..., .... Trofa pedem os Autores que seja decretada sentença que substitua a vontade dos faltosos, adjudicando o prédio aos Autores e ordenando a inscrição em seu nome nas Finanças e na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde. Alegam para o efeito e em síntese, que para garantia de um contrato de mútuo, em 20.01.2006 Autores e Réus celebraram um contrato de dação em pagamento através do qual os segundos ofereceram aos primeiros em dação em pagamento um prédio rústico, sito no ..., terreno destinado a ramada, com a área de 600 m2, a confrontar de norte, sul e nascente com caminho e do poente com F..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00286 de ... e inscrito na matriz rústica sob o art. 296º. Mais referem que todos os irmãos e respetivos, cunhados/cunhadas deram autorização, apondo a sua assinatura no contrato. Referem, ainda, que ficou convencionado que a propriedade do prédio seria transmitida no caso de não ser paga a quantia mutuada no prazo de 30 dias, a partir do incumprimento, ou seja, a partir de 20.01.2008, pelo que sem necessidade de interpelação prévia poderiam os Autores executar o contrato. Alegam que, decorrido o prazo para pagamento, os Réus não cumpriram a obrigação, nem diligenciaram pela marcação da escritura pública para a prometida transmissão da propriedade. O montante em divida ascende a ¤ 10.925,48, sendo ¤ 10.000,00 o valor da quantia mutuada, paga com a dação e ¤ 925,48, os juros devidos pela mora no pagamento, cujo pagamento também reclamam. Citados, os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação e por exceção. Alegam, em síntese que o contrato de mútuo celebrado entre Autores e Réus é nulo, por vício de forma, pois não consta de documento escrito e tal invalidade determina a nulidade do contrato de dação, porque deriva diretamente daquele. Mais alegam que o contrato de dação em cumprimento, a que se alude na petição é nulo por vício de forma, porque não foi celebrado por escritura pública. Referem, ainda, que a não se atender a defesa dos Réus, invocam a exceção de não cumprimento, com fundamento no facto dos Autores não cumprirem a respetiva obrigação, porque não entregaram aos Réus a quantia de ¤ 10.000,00, pelo que, não cumpre aos Réus proceder à respetiva restituição. Alegam que em tempos assinaram um papel em branco, convictos de estarem a assinar um reconhecimento de dívida e nunca uma dação em pagamento e assim, agiram dada a relação familiar que une os Autores aos Réus, porquanto o Autor é filho dos Réus, confiando que os Autores se dispunham a cumprir o contrato. Alegam os Réus, que não sabem se as assinaturas apostas no contrato de dação em pagamento foram efetivamente apostas por si ou por qualquer outra pessoa, pois o papel que assinaram e que ficou em posse dos Autores estava completamente em branco, pelo que impugnam as assinaturas apostas no contrato. Terminam por pedir a condenação dos Autores, como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa e indemnização de valor não inferior a ¤ 2.000,00. Terminam por pedir: - que se julgue a nulidade do contrato de mútuo procedente, por provada, declarando-se a nulidade do contrato e bem assim, do contrato de dação em pagamento, por inobservância da forma legalmente prescrita, nos termos do art. 220º CC; e - procedente a exceção de não cumprimento do contrato de mútuo Na resposta à contestação os Réus mantêm a posição inicial e referem, ainda, que o contrato celebrado formaliza o contrato de mútuo, conforme resulta do seu teor. Elaborou-se o despacho saneador e procedeu-se à seleção da matéria de facto. Realizou-se o julgamento, com gravação da prova. O despacho que contém as respostas à matéria de facto consta de fls. 239 a 240. Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: "Nestes termos e com fundamento em todo o exposto, julgo procedente o pedido formulado nos autos, pelo que a) declaro que os autores C... e D... adquiriram dos réus B... e E..., por dação em pagamento, o prédio rústico sito no ..., terreno destinado a ramada, com a área de 600 m2, a confrontar do norte, sul e nascente com caminho e do poente com F..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º 0286, da freguesia de ..., e inscrito na matriz rústica no artigo 296º, pelo valor de ¤10.000,00. b) condeno os réus no pagamento aos autores dos juros de mora vencidos no montante de ¤925,48 e os que se venceram desde 12 de novembro de 2009 até à presente data à taxa de 4%. Nos termos do art. 3º, n.º 1, als. a) e c), por referência ao art. 2º, n.º 1, al. a), e arts. 8º-A, n.º 1, al. b), e 8º-B n.º 3, al. a), todos do Cód. Registo Predial, determino que se diligencie pelo registo da presente decisão, por referência ao prédio adquirido pelos autores. Custas a cargo dos réus. " Os Réus vieram interpor recurso da sentença. Nas alegações que apresentaram os recorrentes formularam as seguintes conclusões: "A - Andou mal a Sentença de fls. que considerou procedente a ação intentada pelos A.A., nos termos nela constantes, não resultando provados os factos constitutivos dos direitos invocados por aqueles e ocorrendo insuficiência da matéria dada como provada para chegar a tal conclusão, constando do processo elementos probatórios que impunham ao Julgador diversa decisão da ora posta em crise. B - Os Recorrentes impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto, não podendo deixar de considerar que foram incorretamente julgados e mereciam resposta diversa os quesitos 1º, 2º e 3º da, aliás douta, base instrutória e, consequentemente, jamais poderia o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerar como facto provado o ponto nº 7 da fundamentação de facto da Sentença. C - Para além da versão dos factos carreada para o processo pelos A.A. somente a Testemunha G... afirmou que o documento em causa lhe havia sido apresentado pelo seu Pai já preenchido para que fosse, por si e pela sua esposa, assinado, sendo certo que todas as restantes Testemunhas afirmaram que haviam assinado um papel em branco para substituir um outro, previamente elaborado mas cuja necessidade de substituição ocorreu por solicitação do A., que titulava uma confissão de dívida. D - Quanto a saber-se se o papel estava efetivamente redigido nos termos em que foi apresentado nos autos, devidamente preenchido antes da aposição das assinaturas, não pode deixar de atentar-se na irrelevância do depoimento das duas únicas Testemunhas que afirmaram terem visto o documento tal como atualmente o mesmo se encontra. E - A Testemunha G... afirmou que havia sido o último a assinar, não podendo afirmar em que condições todos os outros signatários do documento apuseram as suas assinaturas no papel, já a Testemunha H... recebeu o documento após todos terem assinado, não sabendo em que condições tal ocorreu. F - Na fundamentação das respostas aos quesitos, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo desvaloriza toda a prova testemunhal produzida, fundamentando a resposta dada a este quesito 1º com dois factos que são totalmente irrelevantes - o facto de o A. marido ter feito anteriormente um outro empréstimo aos R.R. e que o A. marido chegou a exibir o documento integralmente preenchido a um gerente bancário para eventual empréstimo. G - Na verdade, é irrelevante que os A.A. tenham ou não feito anteriormente um empréstimo (empréstimo que nada tem a ver com os factos analisados nestes autos, esclareça-se) aos R.R. nem tal pode servir de fundamento para a aquisição da convicção do Julgador, atenta a evidente fragilidade do argumento. H - Convém a este propósito não olvidar que o que aqui está em causa é um documento de dação em pagamento supostamente assinado antes da celebração de uma escritura pública que saldou todas as dívidas dos R.R. perante os A.A., como foi reconhecido por todas as Testemunhas, deixando-se a questão de que sentido faria ter-se celebrado uma escritura pública para resolver todas as dívidas pendentes e ter-se deixado esta "de fora" quando supostamente estava já constituída. I - Ainda, é irrelevante que a Testemunha dos A.A. H..., tenha afirmado que o papel lhe foi exibido já totalmente redigido uma vez que isso em nada afeta a versão dos R.R., que afirmaram ter assinado um papel em branco, uma vez que todos haviam aposto a sua assinatura no documento em momento anterior a tal exibição à Testemunha. J - A fundamentação para a resposta dada a este quesito 1º assenta essencialmente na análise do documento e pelo facto do mesmo não estar rasurado ou entrelinhado, contendo o que é normal e essencial ao seu objeto e constar de duas folhas datilografadas. K - Refira-se que qualquer pessoa medianamente preparada e mentalmente apta é capaz de introduzir um determinado texto em duas folhas de papel em que uma delas contém previamente assinaturas apostas, não sendo necessário um talento ou habilidade fora do comum para conseguir o desejado efeito, pelo que não se aceita que assim se fundamente uma resposta ao quesito 1º que tem uma importância decisiva na sorte da presente demanda, ocorrendo manifesta insuficiência da matéria de facto provada em sede de audiência de Julgamento para se atingir tal conclusão, para além de ser certo que o teor do documento foi expressamente impugnado pelos R.R.. L - Da audiência de Julgamento, para o Julgador e atenta a fundamentação da Sentença, nada de conclusivo sobreveio da prova testemunhal, mantendo-se uma dúvida insanável quanto à forma como foi efetivamente preenchido o documento, dúvida insanável que, perante a impugnação do teor do mesmo por parte dos R.R. e face às regras do ónus da prova constante no art. 342º do C.C., teria que aproveitar aos R.R. e nunca aos A.A., como sucedeu. M - Não compreendem os Recorrentes, nem aceitam, que tenha sido desvalorizada toda a prova testemunhal produzida, que impunha ao Julgador do Tribunal a quo resposta diversa a este quesito, quando, para além dos R.R., as Testemunhas I... e J... afirmaram coerentemente e sem qualquer hesitação que haviam assinado um papel em branco, com a justificação de que serviria para substituir um outro previamente redigido e que titulava uma confissão de dívida de 9.000¤, e a única Testemunha que afirmou que o mesmo se encontrava já preenchido tenha admitido ter sido o último a assinar e não sabendo em que condições os outros tinham lá aposto as suas assinaturas. N - Na resposta dada ao quesito 2º da Base Instrutória, não compreendem os Recorrentes como pode o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter concluído que o mesmo não resultou provado atento os depoimentos das Testemunhas I... e J..., para além dos R.R., que afirmaram perentória e decisivamente que o papel que assinaram estava completamente em branco, sendo certo que a Testemunha G..., única a afirmar ter visto o documento preenchido, declarou literalmente que tinha sido o último a assinar e, quando questionado se os outros signatários tinham assinado o documento em branco ou já preenchido, referiu que não sabia pois não estava lá para ver! O - Quando os R.R. e outras duas Testemunhas afirmam de forma clara e inequívoca que assinaram o documento em branco e o seu depoimento não é posto em causa nem contrariado por qualquer outro depoimento, sempre teria que considerar-se provado que a aposição das assinaturas ocorreu num documento ainda por redigir, com as consequências legais. P - Não pode o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, com o devido respeito mas na opinião dos Recorrentes de forma arbitrária, desconsiderar toda a prova testemunhal produzida e remeter para o documento como único indício probatório de relevo, fundamentando exclusivamente a sua Decisão no mesmo e olvidando todas as restantes (e abundantes) provas que lhe impunham diversa conclusão. Q - Para além de todas as Testemunhas terem afirmado que a reunião ocorrida previamente à redação do documento tinha como escopo um empréstimo no valor de 9 mil euros, nunca sendo referida qualquer dação em pagamento ou a quantia de 10 mil euros. R - Se, com tão conclusiva prova testemunhal, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não considerou provado que o papel foi assinado em branco e que nele foram posteriormente apostas declarações divergentes do ajustado com os Signatários, bastando-se com a remissão genérica para o documento, resta saber que mais prova poderiam os R.R. ter produzido nos termos do art. 378º do C.C.. S - Resulta evidente à saciedade, que os R.R. lograram ilidir o valor probatório do documento, ficando demonstrado em sede de audiência de Julgamento que foram inseridas no documento previamente assinado declarações divergentes do ajustado com os Signatários e tal foi confirmado por todas as Testemunhas, com clareza e sem hesitações, à exceção da que apôs a sua assinatura em último lugar, a Testemunha dos A.A. G.... T - De capital importância para a sorte da vertente demanda se revestia a resposta dada ao quesito 3º da matéria controvertida, saber se efetivamente os A.A. nunca entregaram a quantia de 10.000,00¤ aos R.R. U - Analisando de forma aturada e criteriosa os depoimentos de todas as Testemunhas temos: - Os R.R. a afirmarem que os A.A. nunca lhes entregaram qualquer quantia, muito menos 10.000¤; - A Testemunha G... a afirmar que o encontro entre irmãos, prévio à redação do documento e aposição de assinaturas, tinha a ver com a necessidade dos R.R. contraírem um empréstimo de 9 ou 10 mil euros; - Referiu a mesma Testemunha que nunca viu os A.A. a entregarem qualquer quantia monetária aos R.R. sendo certo que afirmou que a Testemunha J... havia assistido à entrega do dinheiro; - A Testemunha J... negou categoricamente que tenha assistido à entrega de qualquer quantia aos R.R. por parte dos A.A.; - Referiu ainda que tinha assinado um papel em branco e que supostamente serviria para titular uma dívida de 9 mil euros e nunca 10 mil euros, para além de mencionar que tinha sido comentado por vários irmãos que os A.A. nunca teriam entregue qualquer quantia aos R.R.; - A Testemunha I... depôs exatamente no mesmo sentido, nunca tendo assistido à entrega de qualquer dinheiro aos R.R. por parte dos A.A., que assinara o papel em branco e convicto que o mesmo titularia uma dívida de 9 mil euros e nunca 10 mil euros e que havia sido largamente comentado entre familiares que os A.A. nunca entregaram qualquer quantia aos R.R.; - Ambos referiram que sabiam que, por não terem os A.A. entregue qualquer quantia aos R.R., os mesmos foram forçados a recorrer ao um vizinho, K..., que lhes emprestou a necessária quantia de 9 mil euros; - O gerente bancário, Testemunha H..., confirmou que nada sabia acerca deste assunto a não ser que o A. marido havia mobilizado uma quantia de 8 mil euros nessa altura, não sabendo para o que a mesma se destinava; - Ainda, a Testemunha K... afirmou que os R.R. a si tinham recorrido para o empréstimo de uma quantia de 9 mil euros, que o mesmo emprestou, devido ao facto dos A.A. nunca lhes terem entregue o dinheiro. V - Nunca os A.A. entregaram qualquer quantia aos R.R., nunca ninguém assistiu a tal entrega, mas, mais do que isso, todas as Testemunhas referiram que a quantia em causa seria de 9 mil euros e não 10 mil euros, para além do gerente bancário ter afirmado que o A. marido tinha mobilizado somente 8 mil euros e a Testemunha K... ter afirmado que tinha sido ele próprio a emprestar, uma vez mais, 9 mil euros. W - De toda a prova produzida em audiência de Julgamento somente uma certeza absoluta sobressai, os A.A. nunca entregaram 10.000,00¤ aos R.R., não sendo possível chegar a qualquer outra conclusão perante tão evidentes e notórios meios probatórios. X - Nenhuma Testemunha referiu sequer que os A.A. tinham efetivamente entregue 10.000,00¤ aos A.A., não compreendendo os Recorrentes como o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo pode ter considerado como não provado o teor deste quesito, impondo-lhe a prova produzida conclusão diametralmente oposta. Y - No entendimento dos Recorrentes não ficou provado que ocorreu a entrega de qualquer quantia por parte dos A.A. aos R.R., pelo contrário, resultou inequivocamente provado que os A.A. nunca entregaram 10.000,00¤ aos R.R., uma vez que, de todos os depoimentos produzidos, resulta claro que nenhuma das Testemunhas afirmou ter ocorrido a entrega de 10.000,00¤ - várias testemunhas afirmaram que não ocorreu qualquer entrega de valores pecuniários, muito menos 10.000,00¤ que era um valor que nunca tinha sido sequer considerado ou referido entre eles, e duas Testemunhas não sabiam se foi ou não entregue o dinheiro, sendo certo que uma delas referiu que se tratariam de 9 ou 10 mil euros e a outra aludiu ao valor de 8 mil euros. Z - De toda a prova produzida, resulta meridianamente claro que nunca ocorreu a entrega efetiva do valor de 10.000¤ por parte dos A.A. aos R.R. pois nenhuma das testemunhas afirmou ter assistido a tal entrega, sendo certo que os R.R. contrariam a versão trazida a Juízo pelos A.A., negando veementemente que tal entrega tenha ocorrido e a Testemunha K... afirmou taxativamente que havia sido ele a mutuar a quantia de 9.000¤ aos R.R., por solicitação destes e após lhe ter sido comunicado que os A.A. se tinham comprometido a mutuar tal quantia mas nunca o haviam feito. AA - Na perspetiva da Doutrina e da Jurisprudência maioritárias, o contrato de mútuo é um contrato real quanto à sua constituição pelo que a entrega efetiva do dinheiro efetuada pelo mutuante ao mutuário é elemento constitutivo do contrato, de tal modo que este não existe sem que ocorra essa entrega. BB - Não lograram os A.A. provar, como lhes incumbia, a existência de qualquer contrato de mútuo, pois nem uma única Testemunha confirmou a sua versão dos factos, nem lograram provar que ocorreu a entrega efetiva da quantia de 10.000¤ aos R.R., inexistindo consequentemente qualquer contrato de mútuo nos termos legais. CC - Bem ao contrário, resultou provado que nunca ocorreu a entrega efetiva de qualquer quantia pecuniária, uma vez que todas as Testemunhas, à exceção da Testemunha G... que não podia afirmá-lo com certeza, declararam que tal entrega nunca ocorreu. DD - Não tendo os A.A. provado a entrega efetiva do dinheiro, como não provaram, e tendo os R.R. logrado provar o oposto, atento os depoimentos de todas as Testemunhas, tal "contrato" seria sempre nulo por falta de objeto, nos termos do art. 280º do C.C. e, consequentemente, também o contrato de dação em pagamento que nele se alicerça. EE - Face a toda a prova produzida em sede de audiência de Julgamento e como resulta das transcrições dos depoimentos supra (Cfr. depoimento da Testemunha G... - 5:30m e 22:52m / depoimento da Testemunha I... - 5:25m a 5:35m / depoimento da Testemunha J... - 2:40m e 6:42m), jamais o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo poderia considerar provado o ponto 7 dos factos provados. FF - Bem ao contrário pois o que resulta dos depoimentos das Testemunhas é precisamente o inverso e impunha ao Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo Decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida. GG - Questionam os Recorrentes como pode dar-se como provado que o documento junto aos autos estava já redigido nos termos ali constantes quando os R.R. e todas as outras Testemunhas afirmaram que a aposição das assinaturas ocorreu num papel em branco e somente uma Testemunha, que admite ter sido a última a assinar e reconhecendo que não sabia em que termos o documento foi apresentado aos restantes Signatários, afirmou o inverso. HH - Na modesta opinião dos Recorrentes o ponto 7 dos factos dados como provados foi erradamente julgado, existindo prova abundante, como ficou já exposto, que impunha ao Julgador do Tribunal a quo decisão diversa da recorrida. II - E, ao andar mal o Tribunal a quo ao assim decidir, de novo decide erradamente no que tange à entrega efetiva do dinheiro, que manifestamente não resultou provado em audiência de Julgamento, remetendo para o documento e para o art.376º do C.C.. JJ - Dando como provada a entrega do dinheiro, quando esta nunca ocorreu, por remissão para o ponto 7 dos factos provados que, como se viu, deveria ter merecido diversa decisão face aos abundantes elementos probatórios constantes dos autos. KK - Não podendo, no entendimento dos Recorrentes e sempre com o devido respeito por diversa opinião, considerar-se provada a existência do contrato de mútuo uma vez que não se podia dar como provada a entrega efetiva do dinheiro, elemento constitutivo do aludido contrato, como resulta dos arts. 1142º e seguintes do C.C.. LL - Têm os Recorrentes como certo que, face à ilisão do valor probatório do documento, por ter resultado provado que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com os Signatários e tal ter sido asseverado por praticamente todas as Testemunhas e as que assim não fizeram não abalaram tais depoimentos, e por terem os R.R. logrado provar que nunca ocorreu a entrega efetiva da quantia de 10.000¤, uma vez que nem sequer uma única Testemunha tal afirmou, nunca poderia o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter considerado provado o ponto 7 dos factos provados na Sentença e, consequentemente, jamais poderia considerar existente o suposto contrato de mútuo que fundamenta o contrato de dação em pagamento ajuizado, daqui resultando que a Sentença ora posta em crise deveria ter decidido no sentido da absolvição dos R.R. do pedido. MM - Sempre com a devida vénia e respeito por melhor entendimento, não podem os Recorrentes concordar com o entendimento sufragado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, mormente considerar improcedentes as exceções de nulidade por falta de forma do contrato de mútuo e do contrato de dação em pagamento face ao teor deste último. NN - Não andou bem tal Decisão desde logo quando considerou que o alegado contrato de mútuo contém todos os requisitos formais que o tornam válido. Efetivamente, reza literalmente assim o contrato de dação em pagamento junto com a P.I.: "Considerando que, nesta data, foi celebrado um contrato de mútuo nos termos do qual o primeiro contraente emprestou aos segundos contraentes a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), assumindo os mesmos a responsabilidade de restituir a quantia mutuada até 20-01-2008..." OO - E, mais adiante, está vertido o seguinte na cláusula 1ª do contrato de dação em pagamento: " O presente contrato tem como objeto a dação em pagamento feita pelos devedores aos credores da dívida decorrente do contrato de mútuo supra aludido." PP - Igualmente na cláusula 4ª do referido contrato de dação em pagamento, está consignado o seguinte: " ..., poderão os primeiros contraentes executar o presente contrato, pelo que todos os outorgantes lhe conferem força executiva nos termos da lei, o que vale por dizer que é o mesmo título executivo independente do mútuo,..." QQ - Pela simples análise dos dizeres constantes do contrato de dação em pagamento junto pelos A.A. na sua P.I., resulta evidente que tal contrato não constitui em si mesmo um contrato de mútuo, aliás, o próprio documento consigna expressamente que o objeto do contrato é a dação em pagamento e nada mais. RR - Pelo que é evidente que o mesmo não contém em si mesmo qualquer mútuo mas somente a dação em pagamento, o que é literalmente expresso no documento e não pode ser postergado sem qualquer motivo atendível em sede de interpretação jurídica do mesmo. SS - Não podem os Apelantes conformar-se que se faça uma interpretação hermenêutica subjetiva do contrato referido, concluindo que o mesmo encerra em si mesmo um contrato de mútuo, sem qualquer formalização verdadeiramente decisiva para sustentar tal entendimento e não se atenda ao que expressa e literalmente se encontra lá consignado, mormente que o seu objeto é uma dação em pagamento. TT - Logo na primeira das transcritas passagens do contrato, é manifesto que o contrato de mútuo foi celebrado em momento anterior à do contrato de dação em pagamento ao consignar-se que "foi celebrado um contrato de mútuo nos termos do qual, o primeiro contraente emprestou...", dúvidas não subsistirão que o contrato de dação em pagamento não encerra em si mesmo o contrato de mútuo. UU - Aliás, a partir de uma simples análise gramatical do documento desde logo se alcança que, na parte em que se refere ao mútuo, o mesmo aparece escrito no passado, referindo-se a um contrato que havia sido celebrado em momento anterior ao da dação em pagamento e nunca naquele mesmo contrato. É neste aspeto particularmente relevante a expressão "nos termos do qual", que remete indubitavelmente para um outro contrato que não aquele onde tal expressão é utilizada. VV - No mesmo sentido, quando se consigna que " O presente contrato tem como objeto a dação em pagamento,..., decorrente do contrato de mútuo supra aludido." não poderão sobejar quaisquer incertezas quanto a esse entendimento. WW - O contrato de dação em pagamento expressamente consigna que o seu objeto é uma dação em pagamento, para depois explicar que esse mesmo contrato de dação em pagamento decorre de um outro contrato, o de mútuo, que foi celebrado em momento anterior. E o mesmo se diga quando se consigna no contrato de dação em pagamento que "..., poderão os primeiros contraentes executar o presente contrato,..., o que vale por dizer que é o mesmo título executivo independente do mútuo,...". XX - "Na interpretação dos contratos, prevalecerá, em regra, "a vontade real do declarante", sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante" - Ac. do S.T.J. de 14-1-1997, CJSTJ 1997, I, 47. YY - Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. 1º, pág. 233, em nota ao art. 236º do Código Civil, ensinam: "A regra estabelecida no nº l, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante." ZZ - O objetivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante e não o sentido que este lhe quis efetivamente atribuir, consagrando-se assim uma doutrina objetivista da interpretação, em que o objetivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjetivista. AAA - A normalidade do declaratário, que a Lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante. BBB - Paulo Mota Pinto, in "Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico", pág. 208, escreve: "A lei não se basta, contudo, com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjetivo deste), concedendo primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia (sentido objetivo para o declaratário)." CCC - "Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este concretamente conheceu, mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido". DDD - Quando, expressa e literalmente, se consigna que o objeto do contrato é uma dação em pagamento, não alcançam os Apelantes que outro sentido possa extrair-se de tais dizeres, por tão conclusivos e evidentes, carecendo de fundamento qualquer outra interpretação subjetiva que postergue a meridiana clareza com que objetivamente se consigna o objeto do contrato. EEE - É certo que o "nomen iuris" não releva para efeitos de qualificação jurídica dos contratos, mas, face ao teor do documento, não pode jamais considerar-se que o mesmo encerra em si mesmo um contrato de mútuo nem pode o Julgador retirar um significado diverso e até contrário dos dizeres insertos em determinado contrato do que aquele que uma pessoa com uma sensibilidade e inteligência médias dele consegue apreender ou retirar. FFF - A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, possa deduzir do comportamento de quem a produziu, não podendo olvidar-se que os Recorrentes são pessoas de pouco ou nenhuma instrução, praticamente analfabetos, em contraponto com os Recorridos, pessoas com formação académica bem superior, que bem sabem e sabiam interpretar o contrato aludido. GGG - E, manifestamente, aproveitaram essa vantagem de conhecimento e instrução para tentarem enganar os Recorrentes, pessoas simples e pouco dotadas na arte da leitura e interpretação dos dizeres inscritos no contrato, produzindo intencionalmente um clausulado que é evidente em certos pontos e propositadamente obscuro em outros, daí pretendendo retirar vantagem ilegítima. HHH - O Legislador optou por uma orientação objetiva, pretendendo apurar qual o sentido a atribuir à declaração considerado relevante para o Direito, em face dos termos que a constituem e, nos negócios formais, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, como estatui o art. 238º do C.C.. III - Assim, ao considerar que o contrato de mútuo se encerra no contrato de dação em pagamento por interpretação das passagens supra transcritas, andou mal o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, retirando do contrato aludido uma conclusão que não tem a mínima correspondência no texto do respetivo documento ou com a realidade, bem pelo contrário. JJJ - Está consignado no art. 1143º do C.C. que o contrato de mútuo de valor superior a Eur.: 25.000,00¤ só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a Eur.: 2.500,00¤ se o for por documento assinado pelo mutuário, isto na sua redação atual, pois na data dos factos (20/01/2006) e por força da redação do DL nº 343/98, de 6/11, os valores eram de Eur.: 20.000,00¤ e Eur.: 2.000,00¤, respetivamente. KKK - Não sendo respeitadas as formalidades sobreditas, o contrato de mútuo está ferido de nulidade por inobservância da forma legalmente prescrita nos termos do art. 220º do C.C., nulidade que se estende e afeta o contrato de dação em pagamento posteriormente celebrado, pelo que não pode aferir-se da validade do contrato de dação em pagamento referido se este não for acompanhado do contrato de mútuo do qual este diretamente deriva e que lhe deu causa. LLL - Mas tal contrato de mútuo, a existir, sempre teria sido celebrado verbalmente, pelo que não respeita as formalidades impostas por Lei para a sua celebração, revelando-se nulo por inobservância da forma legalmente prescrita, pelo que nulo será também o contrato de dação em pagamento, que deriva diretamente daquele. MMM - Em consequência, deveria a invocada nulidade do contrato de mútuo, por inobservância da forma legalmente prevista, ter sido considerada procedente, absolvendo-se os R.R. do pedido. NNN - No que tange à nulidade do contrato de dação em pagamento por inobservância da forma legalmente prescrita, andou igualmente mal o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao considerar improcedente a invocada nulidade, pois a dação em pagamento é uma forma de extinção das obrigações que consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, extinguir imediatamente a obrigação (artº 837º do C.C.). OOO - Segundo Antunes Varela, a conceção exata e completa da dação é a que retrata, no único momento em que o ato se esgota, o duplo aspeto que ele envolve, donde só mediante a inclusão do fim e do meio do ato se obtém um retrato em corpo inteiro da dação em cumprimento. O fim da dação consiste na extinção da obrigação (da única obrigação que persiste nas relações entre as partes), o meio dessa extinção, sendo diferente da prestação debitória (aliud pro alio), pressupõe uma troca concertada entre as partes - troca que se efetua no próprio momento da datio. PPP - É incontestável a analogia existente entre as modalidades mais correntes da dação (como a entrega de uma coisa) e o contrato de compra e venda, por isso o art. 838º do C.C. concede ao credor a mesma proteção que os arts. 905º e seguintes do mesmo diploma concedem ao comprador quando a coisa ou o direito transmitido apresentem vícios. QQQ - A aplicação à dação em pagamento das regras da compra e venda resulta não só do citado artº 838º, como da remissão geral do artº 939º, o qual manda aplicar as regras da compra e venda aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respetivas. RRR - Por força do disposto naqueles normativos, são aplicáveis à dação em pagamento as disposições relativas à venda de coisa alheia (artºs 892º e ss), se tiver sido dada em cumprimento uma coisa não pertencente ao devedor. A aplicação do regime da compra e venda à dação em pagamento é explicada pelo caráter oneroso que reveste a datio in solutum: entrega-se ou dá-se a coisa (lato sensu), em troca da extinção do crédito, ou seja, ao entregar um bem ao credor, com vista à extinção do crédito, o devedor transmite ao credor a propriedade desse bem, a título oneroso. SSS - Por isso, não podem deixar de se aplicar à dação em pagamento que implique a transmissão do Direito de propriedade, o que ocorre no vertente caso, também as exigências de forma que são aplicáveis ao contrato de compra e venda. TTT - Na data aposta no contrato de dação em pagamento dos autos, 20 de janeiro de 2006, rezava assim o nº 1 do art. 80º do Código de Notariado: "Celebram-se, em geral, por escritura pública, os atos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis." UUU - Pelo que com meridiana clareza se vislumbra, face ao teor do art. 80º do Código de Notariado, vigente na data de celebração do contrato, do art. 875º e do art. 939º do C.C., ser o contrato de dação em pagamento nulo por inobservância da forma legal nos termos do art. 220º do C.C., sendo necessária realização de escritura pública para o efeito, o que não sucedeu. VVV - Considerou o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que resulta do documento aludido que os R.R. declararam prometer dar em pagamento o aludido prédio rústico, não visando transmitir a propriedade do imóvel, considerando tratar-se de uma verdadeira promessa de venda, venda esta que constituiria uma dação em pagamento do contrato de mútuo. WWW - Não se conformam os Recorrentes com o entendimento perfilhado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, atento o consignado no referido contrato de dação em pagamento, aí expressamente se referindo que "os outros filhos dos segundos contraentes, e respetivas noras, desde já autorizam a disposição (venda ou dação) do prédio ao outro filho, restando saber que sentido teria aporem estes as suas assinaturas no documento se o mesmo não constituísse uma verdadeira dação em pagamento. XXX - Pelo que sempre deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerar procedente a invocada exceção de nulidade do contrato de dação em pagamento por inobservância da forma legalmente prescrita, mas, ainda que se defendesse o entendimento de que o documento constituiria uma promessa de dação em pagamento, como fez o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, no que não se concede, sempre seria de referir que não bastaria que essa "promessa" constasse de documento escrito, remetendo-se para o nº 2 do art. 410º do C.C.. YYY - Face ao estatuído pelo nº 3 do mesmo preceito legal, sempre seria necessário o reconhecimento presencial da assinatura dos promitentes, o que manifestamente não sucedeu, pois, no caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre imóvel, mister se revela o reconhecimento presencial da assinatura do promitente, uma vez que a falta de tal requisito se traduz numa nulidade, nulidade essa invocável a todo o tempo e que aqui se invoca. ZZZ - Foi assim violado, na douta Sentença ora posta em crise, o preceituado nos arts. 220º, 236º, 238º, 280º, 342º, 378º, 838º, 875º, 939º, 1142º e 1143º, todos do Código Civil e o nº 1 do art. 80º do Código de Notariado, na redação vigente, razão pela qual deveria a Sentença recorrida ter declarado a inexistência do contrato de mútuo, por não ter ocorrido entrega efetiva do dinheiro, absolvendo os Recorrentes do pedido, e declarado a ilisão da força probatória do documento junto aos autos, face aos abundantes elementos probatórios constantes dos mesmos, nos termos do art. 378º do C.C., o que sempre determinaria decisão diversa da constante no ponto 7 da fundamentação de facto. Sem prescindir, sempre deveriam ter sido consideradas procedentes as invocadas exceções de nulidade do contrato de mútuo e do contrato de dação em pagamento, bem como a invocada exceção de nulidade por falta do reconhecimento presencial das assinaturas, todas com a consequência de absolvição do pedido do Recorrentes. Termina por pedir que se conceda provimento ao recurso e em consequência se revogue a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que declare a inexistência do contrato de mútuo, por não ter ocorrido a entrega efetiva da quantia mutuada, absolvendo os Recorrentes do pedido ou, assim não se entendendo, deve considerar-se ilidida a força probatória do documento junto aos autos, face aos abundantes elementos probatórios constantes dos mesmos, nos termos do art. 378º do C.C., o que, na esteira do estatuído no art. 342º do C.C. implicaria decisão diversa da constante no ponto 7 da fundamentação de facto da Sentença e redundaria na absolvição dos Recorrentes do pedido, ou caso assim não se entenda, devem ser consideradas procedentes as invocadas exceções de nulidade do contrato de mútuo e do contrato de dação em pagamento, por inobservância da forma legalmente prescrita, bem como a exceção de nulidade por falta do reconhecimento presencial das assinaturas. Os recorridos vieram apresentar contra-alegações, nas quais formulam as seguintes conclusões: "1. Ao contrário do que referem os recorrentes, da matéria de facto produzida em sede de audiência resultaram provados os quesitos lº e 4º da douta base instrutória, nomeadamente que o documento descrito em A. e C. estava redigido quando foi assinado e que as assinaturas correspondem às dos irmãos do A. e respetivos cônjuges. 2. Provado o quesito 1°, o 2° apenas poderia ser falso. 3. Em relação ao 3° quesito, também não foi provado e dificilmente o poderia ser. O quesito foi formulado pela negativa: "os autores nunca entregaram aos réus a quantia de ¤ 10.000,00". Ora, além do R. que em depoimento de parte contraria a tese dos AA. como se esperava, as testemunhas que arrolou apenas estabeleceram que não viram o A. a entregar a quantia ao R.. Daqui não pode, evidentemente, ser retirado que o A. nunca o fez, apenas que não viram, o que é bem diferente, até porque não tinham que ver... 4. Os RR. contradizem-se nas suas próprias alegações. Na primeira parte das suas alegações, quando recorrem da matéria de facto dada como provada, desenvolvem todos os esforços para provar que o documento foi assinado em branco. No entanto, já na segunda parte do recurso, quando pretendem provar a exceção de nulidade do contrato, já admitem que os AA. (art. 85°) aproveitaram a vantagem do seu conhecimento e instrução para tentarem enganar os RR., pessoas simples e pouco dotadas na arte da leitura e interpretação dos dizeres inscritos no contrato, (86°) produzindo intencionalmente um clausulado que é evidente em certos pontos e propositadamente obscuro em outros, daí pretendendo retirar vantagem ilegítima. Ora, se os AA. pretenderam enganar os RR. ao produzir um clausulado obscuro para retirar vantagem, obviamente que o documento já estaria redigido quando foi dado a assinar aos RR., caso contrário não existiria clausulado... 5. Ao contrário do alegado pelos recorrentes, o Tribunal a quo não desvalorizou a prova testemunhal por ser contrária à versão unicamente aduzida pela testemunha G.... A prova testemunhal foi inconclusiva, já que testemunhas com igual grau de conhecimento dos factos depuseram em sentido oposto. 6. Os recorrentes fazem referência a três testemunhas para fundamentar a sua tese, quando uma delas não o é porque é parte e as outras duas são marido e mulher que, refira-se, têm interesse no prédio objeto do contrato em causa nos presentes autos, tendo referido a testemunha I..., em instâncias do mandatário dos RR., que o terreno interessa a qualquer um" (19:36), sendo que apenas poderá relevar o que a si diz respeito. 7. Da prova produzida resultou ainda que o AA. fizeram outros empréstimos aos RR. e que para os receberem tiveram que recorrer a vários expedientes judiciais; que a testemunha K... também alegou ter feito um empréstimo aos RR., não tendo sido produzida prova de que este empréstimo se destinou à mesma situação para a qual os AA. emprestaram o dinheiro e que deu origem ao documento junto aos autos, e mais tendo sido feito prova documental que esta testemunha nem dinheiro tinha para pagar as suas próprias dívidas; e que por aquela altura, o A. levantou ¤ 8.000,00 que tinha depositados no P... a prazo (testemunha H..., 18:29m) quando foi informado que o banco não lhe emprestaria o dinheiro com base no documento exibido (que era o dos autos), pois a sua intenção era não perder os juros da desmobilização antecipada do capital. 8. Parece-nos claro que nenhum «homem médio» (muito menos 8!!) assinaria um documento em branco meramente porque o pai (ou sogro) lhe pediu. Estranha-se que nenhuma das testemunhas negue que assinou aquela folha. Até o R., em depoimento de parte, afirma ter assinado o documento em branco, quando, no entanto, foi ele que o deu a assinar aos filhos e noras e pelo menos uma das testemunhas afirme perentoriamente que estava já redigido, e ninguém o contrariou. 9. Obviamente que esta tese não convence ninguém e não se pode esperar que convença o Tribunal, que faz o seu julgamento com base nos documentos juntos aos autos com recurso às regras da experiência comum, já que nada no documento faz duvidar do seu conteúdo e genuinidade. 10. Entendem os AA. não fazer qualquer sentido a invocação do artigo 378° CC, cujo pressuposto assenta no facto do documento ter sido assinado em branco, para a partir daí se ilidir o seu valor probatório. Ora, se os RR. não lograram provar que o documento foi assinado em branco, não poderão partir daí para ilidir o seu valor. 11. No que diz respeito à essencialidade do documento, o único argumento avançado pelos RR. para a atacar prende-se com certeza com a eventual experiência que têm em fabricar/falsificar documentos. O documento dos autos trata-se de um documento genuíno, que foi redigido e posteriormente assinado por todos os envolvidos. 12. A aceitar-se com tal leviandade a impugnação do documento de nada nos serviria qualquer documento que não fosse lavrado em escritura pública, já que bastaria um contraente arrependido, acompanhado de um filho e mulher de relações cortadas com o outro outorgante, para destruir os seus efeitos, locupletando-se assim dos ¤ 10.000,00 mutuados. 13. Relativamente à entrega dos ¤ 10.000,00 mutuados e à prova do quesito 3°, salvo melhor opinião, a prova produzida pelas testemunhas não permite dar como provado o quesito (conformado pela negativa) "os AA. nunca entregaram aos RR. a quantia de ¤ 10.000,00?". 14. É evidente que a prova produzida não permite demonstrar que os AA. entregaram ou não entregaram a quantia aos RR., mas o quesito constante da base instrutória não era "os AA. entregaram aos" - que igualmente teria de se julgar não provado - o quesito a provar era "os AA. nunca entregaram aos RR." e tal também não foi provado: as testemunhas apenas referem que não viram entregar, outra diz que o A. levantou uma importância aproximada ao valor mutuado que estava depositada a prazo no banco e outra diz que emprestou uma quantia aproximada ao R. 15. Era aos RR. que competia provar que nunca receberam o dinheiro - já que os AA. dispõem de um documento assinado pelos RR. no qual reconhecem que receberam os ¤ 10.000,00 - e, salvo melhor opinião, não o conseguiram fazer. 16. Como concluiu e bem o Tribunal a quo, a prova testemunhal produzida é inconclusiva! 17. Alegam os RR. que o contrato de mútuo - e por sua vez, também a dação em cumprimento - estaria ferido de nulidade por inobservância de forma legalmente prescrita, agarrando-se, para o efeito, ao título do documento que fundamenta a pretensão dos AA..18. AA. e RR. pretenderam no mesmo documento formalizar o contrato de mútuo, garantindo-o com a dação em cumprimento do prédio referido no mesmo em caso de incumprimento. 19. O documento junto aos autos é o contrato de mútuo, assinado pelos mutuários, cumprindo a forma legal, no qual os RR. ofereceram de garantia o prédio que no mesmo documento se comprometem a proceder à dação em cumprimento em caso de incumprimento. 20. O referido contrato menciona expressamente "nesta data foi celebrado um contrato de mútuo, nos termos do qual, o primeiro contraente emprestou aos segundos contraentes a quantia de 10.000,00 (dez mil euros) assumindo os mesmos a responsabilidade de restituir a quantia mutuada até 20-01-2008" 21. O contrato claramente identifica os contraentes, a quantia mutuada e as condições de pagamento, não restando dúvidas de que se trata de um contrato de mútuo. 22. Dispõe o Art. 1142° do CC. que o mútuo '... é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género ou qualidade." 23. Como referem os Apelantes, os contraentes são pessoas de pouca ou nenhuma instrução, praticamente analfabetos, que desconheciam as formalidades exigidas por lei para a celebração do contrato de mútuo, tendo elaborado aquele documento conscientes de que estariam a celebrar um contrato de mútuo com dação em cumprimento em caso de incumprimento - motivo pelo qual o nome do contrato foi designado erradamente. 24. Em suma, não existe qualquer nulidade que afete a validade do contrato de mútuo e dação em cumprimento. 25. Alegam os Apelantes a nulidade do contrato de dação em pagamento por inobservância da formal legal, fundamentando a tese na falta de escritura pública obrigatória para "os atos que importem o reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre as coisas móveis", nos termos do n° 1 do art. 800 do Código de Notariado. 26. Sucede que os AA. nunca afirmaram nem pretenderam que a transmissão do direito de propriedade se operasse por via do contrato celebrado. 27. O contrato celebrado junto aos autos é um contrato de mútuo, com a garantia de dação em pagamento em caso de incumprimento. 28. Trata-se de um promessa de dação em pagamento, como prestação alternativa para se extinguir a obrigação. 29. O ato que irá operar a transmissão do direito de propriedade será a sentença judicial, caso a ação seja procedente. 30. Terminam os Apelantes, desesperados, invocando a nulidade da promessa de dação em cumprimento por falta de reconhecimento das assinaturas, nos termos do n° 3 do art. 410º, omitindo, no entanto, a alegação e prova de que a omissão de tais requisitos tenha sido culposamente causada pelos AA. 31. O que não sucedeu, pelo que tal omissão não pode ser invocada pelos Apelantes e, em consequência, também por aqui deverá naufragar o recurso, pelo que deve ser mantido in totum a sentença recorrida, " O recurso foi admitido como recurso de apelação. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso - art. 685º- A CPC. As questões a decidir: - reapreciação da decisão da matéria de facto - pontos 1, 2 e 3 da base instrutória; - da celebração do contrato de mútuo; - nulidade do contrato de mútuo, por vício de forma; - nulidade do contrato de dação em pagamento, por vício de forma e do valor do acordo como promessa de dação em pagamento; - nulidade do contrato-promessa, por falta de reconhecimento das assinaturas dos subscritores. 2. Os factos Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: 1. Do documento intitulado "Contrato de Dação em Pagamento", datado de 20 de janeiro de 2006, e junto aos autos a fls. 18 e 19, consta como primeiros outorgantes os aqui autores, como segundos outorgantes os aqui réus e como intervenientes os outros filhos dos segundos contraentes e respetivas noras "que desde já autorizam a disposição (venda ou dação) do prédio ao outro filho" 2. O documento supra referido tem o seguinte conteúdo: "Considerando que, nesta data, foi celebrado um contrato de mútuo, nos termos do qual o primeiro contraente emprestou aos segundos contraentes a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), assumindo os mesmos a responsabilidade de restituir a quantia mutuada até 20-01-2008 sob pena de incumprimento definitivo do seguinte clausulado: 1º O presente contrato tem como objeto a dação em pagamento feita pelos devedores aos credores da dívida decorrente do contrato de mútuo supra aludido; 2º Os segundos contraentes oferecem aos primeiros contraentes, que aceitam, em dação em pagamento, o prédio rústico sito no ..., terreno destinado a ramada, com a área de 600 m2, a confrontar do norte, sul e nascente com caminho e do poente com F..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00286 de ... e inscrito na matriz rústica no artigo 296. 3º Ao prédio rústico referido na cláusula anterior atribuem as partes um valor igual ao do mútuo celebrado, ou seja, de 10.000,00 (dez mil euros), o que corresponde ao crédito que os primeiros contraentes detêm sobre os segundos contraentes sendo, por isso, o prédio garantia plena do mútuo. 4º A propriedade do prédio rústico melhor identificado na cláusula 2ª será transmitida em caso de não ser atempadamente pago o valor mutuado num prazo máximo de 30 dias, a partir do incumprimento, ou seja, a partir de 20-01-2008, pelo que, depois de tal data, e sem necessidade de qualquer interpelação prévia, poderão os contraentes executar o presente contrato, pelo que todos os outorgantes lhe conferem força executiva nos termos da lei, o que vale por dizer que o mesmo é um título executivo independente do mútuo, correndo todas as despesas, quer as da execução quer as da escritura, por conta dos 2ºs outorgantes." 5. Em tal documento foram apostas oito assinaturas, sendo as duas primeiras com os dizeres correspondentes ao nome de cada um dos réus, e as demais com os seguintes nomes legíveis: L..., I..., G..., M..., J..., N.... 6. O prédio referido no documento transcrito em 2. (em B.) tem a sua propriedade registada a favor dos réus pela inscrição G-1. 7. Os réus assinaram o documento descrito em 1. e 3. (em A. e C.) quando este estava já redigido nos termos ali constantes. 8. As demais assinaturas apostas nesse documento correspondem às dos irmãos do autor e respetivos cônjuges. 3. O direito Da reapreciação da matéria de facto Nas conclusões de recurso sob os pontos A) a Z), EE) a LL) vieram os recorrentes impugnar a decisão da matéria de facto, quanto aos pontos 1, 2 e 3 da base instrutória, com fundamento em erro na apreciação da prova. Nos termos do art. 712º/1 a) CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: "Se do processo constarem todos os elementos de prova, que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 685º-B b), a decisão com base neles proferida." O art. 685º-B CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: "1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2. No caso referido na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do nº2 do art. 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição. 3. Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição. (...) O art. 522º-C/2 CPC (na redação do DL 303/2007 de 24/08) determina: "Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na ata o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos." No caso concreto realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a recorrente indicou os pontos de facto impugnados, bem como, os depoimentos das testemunhas em que fundamenta a sua oposição. Verifica-se, assim, nos termos do art. 712º/1 CPC e do art. 685º-B do mesmo diploma, na redação do DL 303/2007, de 24/08, que estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da matéria de facto. A respeito da gravação da prova e sua reapreciação, cumpre considerar, como refere Abrantes Geraldes, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto: "deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo com o preceituado no art. 653º/2, especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador." (Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, pag.270). Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação, nos termos do art. 712º/2 CPC: "reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados." Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais." (Abrantes Geraldes, ob. cit., pag. 272). É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância (Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www. dgsi.pt). Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido (Abrantes Geraldes "Recursos em Processo Civil - Novo Regime, pág. 299, e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 - Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 - Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 - ambos em www.dgsi.pt). Justifica-se, assim, proceder a uma análise critica das provas com audição dos registos gravados, em confronto com os documentos juntos aos autos. Ponderando estes aspetos, cumpre reapreciar a prova - testemunhal, documental -, face aos argumentos apresentados pelo recorrente, tendo presente o despacho que se pronunciou sobre as respostas à matéria de facto. Procedeu-se à audição do CD que contém a prova gravada nas várias sessões de julgamento e analisados os depoimentos prestados, bem como os documentos juntos aos autos, conclui-se que a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos concretos pontos objeto de impugnação, não merece censura, pelos motivos que a seguir se expõem. Na base instrutória incluíram-se os seguintes factos: - Ponto 1°: Os réus assinaram o documento descrito em A. a C. quando este estava já redigido nos termos ali constantes? Resposta: Provado. - Ponto 2°: Os réus assinaram o documento descrito em A. a C. quando ele se encontrava completamente em branco? Resposta: Não provado. - Ponto 3º: Os autores nunca entregaram aos réus a quantia de 10.000,00 referida no documento descrito em A. a C.? Resposta: Não provado. No despacho que se pronunciou sobre a matéria de facto, o Juiz do tribunal "a quo" pronunciou-se nos seguintes termos: "O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida em audiência. No que respeita à resposta dada aos quesitos 1° e 2°, a convicção para a resposta afirmativa ao quesito 1° baseou-se (apenas ou essencialmente) na análise do documento em causa e outros elementos circunstanciais. A prova testemunhal direta foi aqui inconclusiva, já que temos testemunhas com igual grau conhecimento dos factos a deporem em sentido oposto: a testemunha G..., filho dos réus e irmão do autor, afirmou que o documento lhe foi apresentado por seu pai já preenchido para que fosse por si e sua esposa assinado; por outro lado, a testemunha I..., também filho dos réus e irmão do autor, e a mulher deste J..., afirmaram que o documento que lhe foi apresentado em branco para que fosse assinado. Estas testemunhas estavam ambas de más relações ou com os pais (no caso da testemunha G...) ou com o irmão (no caso das testemunhas I... e mulher) e nenhuma mereceu mais credibilidade do que a outra. No entanto, do conjunto da prova produzida ficou a certeza de que outros empréstimos o autor tinha feito aos réus e que o autor chegou a exibir o documento integralmente preenchido a um gerente bancário para eventual empréstimo. Acresce ainda que da análise do documento em causa, e com recurso às regras de experiência comum quanto à formação e redação de documentos de idêntica natureza, nada faz presumir que o mesmo tenha sido preenchido após a aposição das assinaturas. Trata-se de um documento aparentemente datilografado em máquina de escrever com quase duas páginas completas, o seu conteúdo não diz mais nem menos do que é normal e essencial ao seu objeto e as assinaturas surgem imediatamente após o fim do texto, logo na primeira linha. Por último, é ainda de referir a ausência de quaisquer rasura ou entrelinhas. Por tudo isto, não podia este Tribunal deixar de considerar como provado que o mesmo foi assinado após seu preenchimento. A resposta ao quesito 4° teve por base o conjunto de toda a prova produzida, já que todas as testemunhas reconhecerem que o documento foi assinado pelos irmãos e cunhadas do autor. De resto, não se provou o facto constante do quesito 3°, por dele não ter sido feita suficiente prova. A prova testemunhal foi contraditória e inconclusiva: as testemunhas I... e J..., já referidas, afirmaram que os réus sempre se queixaram que o autor não lhes havia entregue o dinheiro acordado (que seriam apenas ¤9.000,00), a testemunha K... afirmou ter emprestado aos réus a quantia de ¤9.000,00, tendo o réu lhe referido que tinha pedido ao filho mas este não lhe tinha entregue o dinheiro; a testemunha G... afirmou estar convencido de que essa entrega ocorreu e a testemunha H... afirmou que quando informou o autor de que o banco não lhe emprestaria o dinheiro este levantou uma aplicação de ¤8.000,00, afirmando que seria para desbloquear a situação. Dos movimentos bancários do autor (juntos a fls. 227) verifica-se que em 20/1/2006 (data coincidente com a assinatura do documento em causa nos autos) este procedeu, efetivamente, ao levantamento daquela quantia. Deste modo, é de concluir não terem os réus logrado convencer este Tribunal de a entrega de dinheiro não ocorreu já que a (débil) prova por si apresentada foi contraditada com a prova apresentada pelos autores. " O recorrente considera que o depoimento prestado pelas testemunhas por si indicadas não foi corretamente apreciado pelo juiz do tribunal " a quo " e por outro lado, a apreciação critica do documento, tal como resulta da fundamentação da decisão não tem suporte legal e nessa conformidade sugere a alteração da decisão da matéria de facto no sentido de responder-se: - ponto 1: Não provado; - ponto 2: Provado; - ponto 3: Provado. Os recorridos defendem que a decisão não merece censura. Analisando. A reapreciação da matéria de facto incide de modo particular sobre duas questões: - saber se o documento referenciado nas alíneas A) a C) estava redigido ou em branco, quando foi assinado pelos Réus; e - se o Autor entregou ao Réu a quantia de ¤ 10 000,00, objeto do mútuo. O documento a que se reportam as alíneas A) a C): - Do documento intitulado "Contrato de Dação em Pagamento", datado de 20 de janeiro de 2006, e junto aos autos a fls. 18 e 19, consta como primeiros outorgantes os aqui autores, como segundos outorgantes os aqui réus e como intervenientes os outros filhos dos segundos contraentes e respetivas noras "que desde já autorizam a disposição (venda ou dação) do prédio ao outro filho" ( alínea A) dos Factos Assentes ). - O documento supra referido tem o seguinte conteúdo: "Considerando que, nesta data, foi celebrado um contrato de mútuo, nos termos do qual o primeiro contraente emprestou aos segundos contraentes a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), assumindo os mesmos a responsabilidade de restituir a quantia mutuada até 20-01-2008 sob pena de incumprimento definitivo do seguinte clausulado: 1º O presente contrato tem como objeto a dação em pagamento feita pelos devedores aos credores da dívida decorrente do contrato de mútuo supra aludido; 2º Os segundo contraentes oferecem aos primeiros contraentes, que aceitam, em dação em pagamento, o prédio rústico sito no ..., terreno destinado a ramada, com a área de 600 m2, a confrontar do norte, sul e nascente com caminho e do poente com F..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00286 de ... e inscrito na matriz rústica no artigo 296. 3º Ao prédio rústico referido na cláusula anterior atribuem as partes um valor igual ao do mútuo celebrado, ou seja, de 10.000,00 (dez mil euros), o que corresponde ao crédito que os primeiros contraentes detêm sobre os segundos contraentes sendo, por isso, o prédio garantia plena do mútuo. 4º A propriedade do prédio rústico melhor identificado na cláusula 2ª será transmitida em caso de não ser atempadamente pago o valor mutuado num prazo máximo de 30 dias, a partir do incumprimento, ou seja, a partir de 20-01-2008, pelo que depois de tal data, e sem necessidade de qualquer interpelação prévia, poderão os contraentes executar o presente contrato, pelo que todos os outorgantes lhe conferem força executiva nos termos da lei, o que vale por dizer que o mesmo é um título executivo independente do mútuo, correndo todas as despesas, quer as da execução quer as da escritura, por conta dos 2ºs outorgantes." (alínea B) dos Factos Assentes). - Em tal documento foram apostas oito assinaturas, sendo as duas primeiras com os dizeres correspondentes ao nome de cada um dos réus, e as demais com os seguintes nomes legíveis: L..., I..., G..., M..., J..., N... (alínea C) dos Factos Assentes). A questão que se coloca consiste em saber se o documento transcrito na alínea B) da matéria assente foi assinado pelos réus com o conteúdo que contém ou em branco, para efeitos de estabelecer o seu valor probatório (art. 378º, 374º, 376º CC). Resulta do disposto no art. 490º/3 CPC: "Se o Réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário." Por sua vez o art. 374º/1CC, determina: "A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras." São particulares os documentos escritos que não reúnam os requisitos de origem respeitantes aos documentos autênticos (art. 363º/2 CC, in fine). A apresentação do documento contém em si, expressa ou implicitamente, a afirmação de que provém da pessoa a quem é imputado. Contudo, como refere Antunes Varela: "Ao invés dos documentos autênticos que fazem prova por si mesmos da proveniência que ostentam, os documentos particulares não provam, só por si, a sua procedência da pessoa que aparentemente assume a sua autoria ou paternidade. Mesmo que o documento se mostre escrito e assinado pela pessoa a quem seja imputado, há necessidade de provar a sua autoria (autenticidade, hoc sensu)" (Manual de Processo Civil, pag, 512). Decorre deste regime que não sendo provada pelo próprio documento particular, a autenticidade dele só pode ser aceite mediante reconhecimento tácito ou expresso da parte ou através de reconhecimento judicial. Comentando o regime previsto no art. 374º/1 CC, refere Lebre de Freitas: "A autoria do documento, isto é, a sua feitura pela pessoa a quem o apresentante o atribua, ou a sua exatidão, isto é, a correspondência da representação nele contida à realidade representada, fica assente: se a parte contrária expressamente reconhecer ou não impugnar a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de documento particular assinado, bem como se declarar que não sabe se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas." (Código de Processo Civil Anotado - vol.II, pag. 449) Antunes Varela reforça a mesma ideia ao considerar que a autenticidade do documento considera-se provada, nos termos do art. 374º/1 CC, quando a parte contra a qual o documento é oferecido e à qual é imputada a sua autoria, nada disser ou reconhecer expressamente a autoria do documento. Mas acrescenta, ainda, que: "à mesma conclusão se chega, em face desse texto, no caso de a parte declarar que não sabe se a letra e a assinatura lhe pertencem, quando uma e outra lhe sejam pessoalmente atribuídas (cfr. art. 490º/2 CPC) (ob. cit., pag. 514) Transpondo as considerações tecidas para a apreciação da matéria do art. 48º da contestação, tem que se dar como assente que as assinaturas apostas no documento são da autoria dos réus. Com efeito, no art. 48º da contestação alegaram, os réus, que: "Não sabem os réus, em consequência, se as assinaturas apostas no contrato de dação em pagamento foram efetivamente apostas por si ou por qualquer outra pessoa, pois o papel que assinaram e que ficou em posse dos Autores estava completamente em branco, pelo que expressamente impugnam as assinaturas constantes do contrato de dação em pagamento nos termos do art. 374º e 378º CC". Os Autores imputam aos Réus a autoria da assinatura do contrato. Por se tratar de um facto pessoal, os réus estavam obrigados a tomar posição sobre a autenticidade da assinatura e o facto de alegarem que não sabem se as assinaturas apostas foram efetivamente apostas por si, equivale a considerar que não sabem se lhes pertencem. A tal alegação a lei atribui o efeito de confissão, o que determina considerar provado que as assinaturas apostas no documento são da autoria dos réus. Daqui decorre que uma vez provada a autoria da assinatura do documento tem-se de igual modo por reconhecido o contexto do documento, quando não foi redigido pelo subscritor. Como refere Antunes Varela: "Aplicar-se-á ao corpo do documento, depois de provada a autenticidade da assinatura de quem o subscrever, a velha presunção "qui subscripsit videtur scripsisse." Quem subscreve o documento quer significar que aprova o seu conteúdo e assume a paternidade deste." (ob. cit., pag. 516) Acrescenta, ainda, o mesmo autor: " Note-se que a presunção legal relativa à subscrição do documento vale também para o documento assinado em branco. Quem assina ou subscreve o documento em branco quer fazer seu o conteúdo que nele vai ser aposto, confiando em quem o vai preencher." (ob. cit., pag. 516 - nota 2). Voltando ao caso concreto, alegam os Réus na contestação que o documento foi assinado em branco. Esta demonstrado que os Réus assinaram o documento e por isso, presume-se que os Réus fizeram seu o conteúdo que nele foi aposto, confiando em quem o preencheu.  Só assim não será se, em conformidade com o disposto no art. 378º CC, o subscritor provar que foi subtraído ou contém declarações divergentes do acordado, circunstâncias que os Réus não alegaram. Daqui decorre, ao abrigo do disposto no art. 376º CC, que o documento faz prova plena das declarações que contém e que são imputadas aos Réus. Com efeito, nos art. 42º e 43º da contestação, alegam os Réus que estavam "convictos" ao assinar em branco, que o documento em causa visava o reconhecimento de uma divida. Contudo, não alegam que a forma como foi preenchido não corresponde ao acordo de preenchimento. A convicção constitui um mero estado subjetivo, individual, que se deduz de factos concretos, que não foram alegados e, por isso, não merece qualquer relevo para aferir se o conteúdo do documento não corresponde ao acordo celebrado para o seu preenchimento. Afirmam, ainda, no art. 46º da contestação que: "as assinaturas serviriam para elaborar um documento de reconhecimento de dívida e de que a quantia mutuada estaria a breve trecho na sua disponibilidade. " Analisado o teor do documento, constata-se que contém um reconhecimento de divida: "Considerando que, nesta data, foi celebrado um contrato de mútuo, nos termos do qual o primeiro contraente emprestou aos segundos contraentes a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), assumindo os mesmos a responsabilidade de restituir a quantia mutuada até 20-01-2008 sob pena de incumprimento definitivo do seguinte clausulado." Conclui-se, assim, que o documento contém um reconhecimento de dívida e por isso, a declaração nele contida não é divergente do convencionado. Por outro lado, em momento algum referem que não ficou convencionado a dação em pagamento de um imóvel. A impugnação dos termos do acordo assenta apenas no facto de ter assinado o papel sem receber a quantia de ¤ 10.000,00 (dez mil euro). Daqui resulta que não alegam os Réus que o contexto do documento não corresponde as declarações previamente convencionadas e, por isso, mesmo que se admitisse que foi assinado em branco, forçoso seria concluir que os Réus fizeram suas as declarações contidas no documento. Neste contexto, conclui-se que os Réus não ilidiram o valor probatório do documento e de acordo com o art. 376º CC, faz prova plena dos factos desfavoráveis ao declarante. A análise conjugada destes aspetos aliada ao facto dos Réus na contestação, no art. 40º, admitirem que ficou convencionado que os Autores emprestavam aos Réus a quantia de ¤ 10.000,00, permitem desde logo concluir que o documento foi subscrito pelos Réus quando este já estava redigido com o conteúdo dele constante. A prova testemunhal produzida, considerada na fundamentação da decisão da matéria de facto, pelo juiz do tribunal "a quo", conduz-nos à mesma conclusão e por isso, a decisão da matéria de facto não merece censura. Com efeito, os depoentes e as testemunhas, em síntese, referiram o seguinte: - Depoimento de parte do Réu: B... O depoente veio depor a toda a matéria. Referiu o Réu que no início de janeiro, junto do seu filho mais novo, G..., solicitou que lhe "arranjasse" a quantia de ¤ 9.000,00, porque tinha que pagar dividas da sociedade, em que era sócio "O...", algumas das quais às Finanças. O filho informou-o que não tinha disponibilidade, mas diligenciou junto de um dos irmãos, também filho do Réu, o Autor, no sentido de arranjar o dinheiro. Mais referiu que o Autor estabeleceu como condição que os irmãos subscrevessem um documento na qualidade de fiadores. O Réu reuniu os seus filhos, na sua casa, e redigiu um documento, no qual a sociedade reconhecia a dívida e assumia proceder ao seu pagamento. Exibido o documento junto a fls. 169, admitiu que corresponde ao documento que redigiu. Questionado sobre o motivo pelo qual não consta do documento a assinatura do filho G..., não conseguiu explicar. O depoente referiu, ainda, que apresentou o documento ao Autor, mas o Autor exigiu que os cônjuges dos irmãos também assinassem. O Autor entregou um papel com linhas, em branco, para o Réu recolher a assinatura dos filhos e noras e o Réu assim, fez. Depois de assinado, em branco, o que foi aceite pelos filhos e noras por confiarem no Réu, entregou o papel ao Autor. Contudo, o Autor não entregou os ¤ 9000,00 ao Réu, nem qualquer outra quantia, ficou com o papel e preencheu-o como consta do documento que consta dos autos. Exibido o documento junto com a petição e que consta de fls. 18 e 19, a testemunha reconheceu a sua assinatura, assim como as demais que atribuiu aos filhos e noras. Disse que o documento em branco foi assinado em sua casa. Não aceita o conteúdo do documento, porque nada ficou acordado nesse sentido. Esclareceu que o Autor devolveu o documento que continha a declaração de reconhecimento de divida e que consta de fls. 169. Por fim, referiu que acabou por pedir o empréstimo a outra pessoa, K..., testemunha, mas ainda não pagou. Disse também que numa outra ocasião o Autor emprestou-lhe dinheiro, mas essa diívida já se mostra liquidada. - Depoimento de parte da Ré: E... A Ré declarou que o seu marido, através do filho mais novo, pediu dinheiro ao Autor - ¤ 9.000,00 -, mas o Autor nunca lhe entregou o dinheiro. Referiu que o marido apareceu com um papel em branco para assinar. As noras assinaram, mas inicialmente recusaram. Depois de assinarem, devolveram o papel ao Autor, mas o Autor não devolveu o papel, nem entregou o dinheiro. Exibido o documento junto com a petição a fls. 18 e 19, a testemunha reconheceu como sua a assinatura aposta no documento e, bem assim, identificou as demais assinaturas, como pertencentes aos filhos e noras. Declarou desconhecer o conteúdo do documento. Disse, ainda, que o marido pediu o dinheiro para "empréstimo à firma", mas desconhece para que efeito. Referiu ter conhecimento do documento de fls. 169, mas não assistiu à sua elaboração. Por fim, referiu que o seu marido acabou por pedir o dinheiro a um amigo, K..., a quem os Réus doaram um terreno para construir uma casa, quando regressou de África. K... exerce a atividade de madeireiro e tem dinheiro para emprestar. - H... - A testemunha referiu exercer as funções de gerente no P..., na agência da Trofa e por esse motivo, conhece os Autores e o Réu. No início do ano de 2006 exerceu funções de gerente no balcão na Póvoa de Varzim. A testemunha veio depor à matéria dos pontos 1 e 3 da base instrutória. A testemunha referiu que no início do ano de 2006, no balcão da Póvoa de Varzim, foi contactado pelo Autor e mulher no sentido de saber se era possível obter um financiamento para o pai e a testemunha informou-o que só em poder do contrato e com os bilhetes de identidade podia tomar uma decisão. Esses documentos foram entregues no balcão da agência pelo "Sr C...", mas não foi a testemunha que os rececionou. Referiu que depois de apreciar os documentos entrou em contacto com o Autor e informou-o que o Banco não podia financiar a transação. Esclareceu que o contrato em causa constava de um documento particular, sem garantia, pois o prédio referenciado no documento não pertencia ao Autor. Afirmou não ter presente o valor da transação, mas ficou convencido que o financiamento tinha como beneficiário o Autor. Mais referiu que o Autor fez uma liquidação a prazo e levantou em numerário o valor de ¤ 8 000,00. Exibidos os documentos juntos aos autos a fls. 182 a 189 - fotocópias dos bilhetes de identidade - e o contrato de fls. 18 e 19, junto com a petição - designado por "contrato de dação em pagamento", confirmou que foram os documentos que analisou e declarou, ainda, que o documento que analisou estava preenchido e que lhe foi exibido o original e fotocópia do bilhete de identidade. Esclareceu, por fim, que não pode precisar se o Autor pretendia obter o financiamento para si ou se queria o financiamento para o pai. - G... - Filho dos Réus e irmão/ cunhado dos Autores. Disse que o pai não lhe dirige a palavra. Depôs à matéria dos pontos 1, 3, 4 da base instrutória. A testemunha referiu que no início do ano 2006 o Réu, seu pai, procurou-o com o propósito de lhe pedir um empréstimo em dinheiro, porque tinha que pagar umas dívidas, "senão matava-se". A testemunha sugeriu que se encontrassem com o Autor e assim fez, promovendo uma reunião entre o pai, o autor e o I... (seu irmão). O irmão L... não esteve presente, por motivos familiares. Nessa reunião o Réu pediu ao Autor um empréstimo de ¤ 10.000,00 ou ¤ 9.000,00 e o Autor pediu a indicação de um " bem a penhorar ", para garantir o dinheiro que era pedido. Referiu que o Réu ficou de indicar o bem e até apresentou o documento no Banco para obter o financiamento. Disse, ainda, que na reunião não se redigiu o acordo, apenas acertaram os pormenores do acordo. Ficou convencido que seria o pai a redigir o acordo. Exibido o documento de fls. 18 e 19, que foi lido pela testemunha, a testemunha referiu que se trata do documento que assinou e, ainda, que foi o último a assinar, bem como a sua mulher. O documento foi-lhe apresentado integralmente preenchido. Reconheceu a sua assinatura e as assinaturas dos irmãos e declarou desconhecer as assinaturas das cunhadas. Pediram-lhe o bilhete de identidade para ficarem com fotocópia. Disse, ainda, que foi o pai quem recolheu a assinatura nas casas dos irmãos e na sua casa. Desconhece se quando os irmãos assinaram o documento estava integralmente preenchido, porque não assistiu ao ato de assinatura pelos irmãos. A testemunha referiu, ainda, que, no acordo celebrado na presença de todos, ficou convencionado que, no caso de não pagar em dois anos, o terreno ficava para o Autor. O Réu dava um terreno de garantia e a testemunha tem conhecimento do prédio em causa. Declarou, ainda, que não assistiu à entrega do dinheiro pelo Autor ao pai. Ficou convencido que entregou, porque o pai nunca mais voltou a falar no dinheiro. A sua cunhada J... assistiu à entrega do dinheiro. Exibido o doc. de fls. 169, referiu que não tem conhecimento do documento e apenas reconhece a letra do pai. Disse, ainda, face ao teor deste documento, que nunca ninguém referiu que passaria a figurar como fiador e nunca foi interveniente no acordo a que se reporta o documento. O L... não esteve presente na reunião e por isso, não se pode referir que o irmão tinha conhecimento. A testemunha referiu que não acreditava que o K... emprestasse dinheiro ao pai e não tem conhecimento da doação de um terreno efetuada pelos pais ao K.... A testemunha referiu, ainda, que este não foi o único empréstimo que o Autor fez ao Réus, pois em data anterior e sem o conhecimento dos filhos, o Autor emprestou ao Réu a quantia de ¤ 90.000,00. Este empréstimo está liquidado, pois o Autor ficou com a casa e com o produto da venda, a testemunha acompanhado da mãe efetuou muitos pagamentos na freguesia. Por fim, referiu que o Autor comentou que o pai não lhe pagou a quantia que emprestou. - I... - A testemunha identificou-se como filho dos Réus e irmão /cunhado dos Autores. Disse estar zangado com o Autor desde 2007. Veio depor à matéria dos pontos 1 e 3 da base instrutória. A testemunha referiu que a pedido do pai e relacionado com um empréstimo de dinheiro - ¤ 9.000,00 -, que o Autor se propunha conceder ao pai, assinou um papel em branco, para dar de garantia no caso do pai não pagar, pois nessas circunstâncias pagava a testemunha. O empréstimo seria concedido para pagar dividas da sociedade. Para acertar os pormenores do acordo, o seu irmão G... agendou uma reunião. O documento foi elaborado na hora da reunião, mas o G... não assinou. Na reunião participaram o Autor, o Réu, o G... e um sócio do Réu e gerente da sociedade, "Sr Q...". Mais refere, que o documento foi redigido na reunião, mas não foi assinado nessa ocasião. Essa reunião ocorreu num café em .... Exibido o documento de fls. 169, confirmou tratar-se do documento redigido pelo pai, o Réu na ação. Referiu que o Autor não aceitou, porque pretendia que os cônjuges também subscrevessem o documento. Posteriormente, a pedido do Réu, assinou um papel em branco. Exibido o doc. de fls. 18 e 19, confirmou a sua assinatura e reconheceu as assinaturas dos irmãos e cunhadas. Disse, ainda, que entregou o bilhete de identidade, para fazer uma fotocópia e assinou o documento em casa do pai, com quem vivia. Nessa altura o pai referiu que se tratava de um documento igual ao outro. Declarou, ainda, que o terreno em causa tem um valor entre "10.000 e 15.000 contos". Referiu que o pai disse-lhe que o Autor nunca entregou o dinheiro e foi um amigo, K..., que acabou por lhe emprestar o dinheiro. - J... - A testemunha é a mulher da testemunha I... e nora dos Réus e cunhada dos Autores. Veio depor à matéria dos pontos 3 e 4 da base instrutória. A testemunha referiu que assinou um papel em branco, a pedido do marido, para o Autor emprestar ¤ 9.000,00 ao sogro. Disse que nunca falou com o Réu sobre o assunto, nem nunca mais viu o papel que assinou. Na ocasião explicaram-lhe que se tratava de uma garantia para o Autor emprestar dinheiro ao pai. Não assistiu a qualquer entrega de dinheiro e referiram-lhe que foi um vizinho que emprestou o dinheiro ao Réu. Referiu, também que apenas ouviu falar em ¤ 9.000,00. - K... - Vizinho e amigo dos Réus, porque conhece os réus desde a sua infância, porque a mãe era a jornaleira dos Réus. Veio depor à matéria do ponto 3. A testemunha referiu que no início de janeiro de 2006 emprestou ao Réu e a seu pedido, a quantia de ¤ 9.000,00. O dinheiro destinava-se a pagar uma divida da sociedade. O Réu ainda não restituiu o dinheiro. A testemunha referiu que emprestou o dinheiro em notas, pois dispunha de dinheiro para o fazer, já que exerce a atividade de madeireiro, para uma empresa. A testemunha referiu que em 1973 os Réus doaram-lhe uma parcela de terreno para construir a casa e emprestaram-lhe dinheiro para iniciar a construção, que a testemunha posteriormente restituiu. Quando confrontado com um documento junto pelos Autores, em sede de julgamento - cópia de escritura pública de "dação em pagamento" -, a testemunha admitiu que a partir de 2006 começou a acumular dividas ao Fisco e para liquidar a divida, em 2008 celebrou um contrato de dação em pagamento com a filha, a quem entregou a casa onde residia contra o recebimento do correspondente valor. Os depoimentos dos Réus a respeito da matéria constante dos concretos pontos objeto de impugnação em nada relevaram, pois para além de não confessarem os factos, não se pronunciaram sobre factos desfavoráveis à respetiva pretensão (art. 358º/3 /4 CC) Analisados os depoimentos das testemunhas temos como certo que todas as testemunhas revelaram ter conhecimento que o Réu solicitou ao Autor uma determinada quantia em dinheiro. De forma unânime todas as testemunhas vieram referir que no início de 2006 o Réu solicitou junto de um filho - testemunha G... -, o empréstimo de uma determinada quantia em dinheiro e este filho sugeriu que fosse o Autor a emprestar o dinheiro. De igual forma, as testemunhas G... e I... admitiram que se realizou uma reunião entre o Autor e o Réu, na qual participaram as testemunhas, o Réu e o Autor, para se acertar os pormenores do acordo relacionado com o empréstimo e a necessidade do Autor obter uma garantia. Neste contexto, o depoimento da testemunha G... merece particular relevo, porque mediou, se assim se pode referir, as negociações entre Autor e Réu, com vista à concessão do empréstimo e também foi o último a assinar o documento, que formaliza o acordo, sendo certo que o seu depoimento, aproxima-se da versão dos Autores e Réus, já que os Réus na contestação admitem que pediram ao Autor um empréstimo de ¤ 10.000,00 e que assinaram um documento para formalizar o acordo. Portanto, quando a testemunha refere que o documento que lhe foi apresentado pelo Réu para assinar estava preenchido e assinado pelos demais, merece inteira credibilidade e reforça, assim, o convencimento do tribunal no sentido do documento se encontrar preenchido quando foi assinado. Por outro lado, o depoimento das testemunhas I... e J... mostra-se incoerente e contraditório. Desde logo, relatam factos que os Réus não alegaram, como seja o facto de o montante mutuado ascender a ¤ 9.000,00 e, bem assim, que o Autor exigiu a intervenção dos irmãos como fiadores no contrato. Juntaram os Réus em sede de julgamento um documento - fls. 169 -, manuscrito pelo réu, do qual não consta a assinatura da testemunha G..., que foi quem de acordo com o depoimento de todas as testemunhas mediou o acordo. O próprio recusou ter qualquer intervenção na elaboração do documento e na reunião referenciada pela testemunha I.... De igual forma, mostra-se relevante considerar que todas as testemunhas admitiram que para o Autor conceder o empréstimo seria necessário conceder uma garantia. A divergência dos depoimentos apenas surge a respeito da natureza da garantia: - a entrega de um imóvel em dação; ou - a constituição de fiança pelos filhos dos Réus. Apenas as testemunhas I... e J... referiram que o Autor exigia como garantia a vinculação dos filhos dos Réus, facto que nem os próprios Réus alegaram e por isso retira credibilidade ao depoimento das testemunhas. Os recorrentes insurgem-se, nomeadamente, quanto às considerações tecidas pelo juiz do tribunal "a quo" a respeito da forma como se mostra redigido o documento - conclusão K - , mas os argumentos que apresentam não têm fundamento legal. De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, cumpre ao juiz de forma fundamentada apreciar os meios de prova indicados pelas partes. Este juízo de valor exige que o juiz fundamente a decisão, ou seja, explique o processo lógico que lhe permitiu chegar a uma determinada conclusão. A análise do documento, a respeito do qual se questiona quando e em que circunstâncias foi preenchido, está plenamente justificada, atendendo ás circunstâncias em que o documento foi assinado e, por isso, não merece censura a apreciação critica que o juiz tece a respeito da forma como o documento se mostra redigido. Conclui-se, assim, que a decisão da matéria de facto, a respeito dos pontos 1 e 2 da base instrutória, não merece censura. No que concerne ao ponto 3 da base instrutória, cumpre desde logo considerar o documento junto a fls. 18 e 19 - original consta de fls. 225 -, o qual contém um reconhecimento de divida e por isso, recaía sobre os Réus o ónus da prova inexistência da relação causal, bem como de qualquer vício que determine a sua invalidade (art. 458º CC). Com efeito, no documento em apreço as partes fizeram constar: "Considerando que, nesta data, foi celebrado um contrato de mútuo, nos termos do qual o primeiro contraente emprestou aos segundos contraentes a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), assumindo os mesmos a responsabilidade de restituir a quantia mutuada até 20-01-2008 sob pena de incumprimento definitivo do seguinte clausulado." O documento de fls. 18 e 19 constitui um documento particular, pelo que a força probatória do documento está subordinada ao regime do art. 376º CC. Decorre do disposto no art. 376º/1 CC que, provada a assinatura, tem-se por plenamente provado que o signatário emitiu as declarações constantes do documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste. Contudo, nos termos do art. 376º/2 CC, consideram-se provados apenas os factos que forem desfavoráveis ao declarante, pois quanto aos restantes o documento é livremente apreciado pelo tribunal. Resulta plenamente provado do teor do documento que os Réus receberam do Autor a quantia de ¤ 10.000,00 (dez mil euro), por constituir um facto desfavorável aos Réus. As declarações prestadas não foram impugnadas por via de exceção. Daqui decorre, atento o regime do art. 393º/2 CC, que não é permitida a impugnação de factos cobertos pela força probatória plena do documento, mediante prova testemunhal, o que desde logo impede atribuir relevância ao depoimento das testemunhas. Contudo, ainda que assim se não entenda, sempre será de considerar que o depoimento das testemunhas indicadas pelos Réus não merece qualquer relevo para efeitos de fundamentar a decisão. Resulta do depoimento da testemunha G... que, concluído o acordo, o Réu não voltou a abordar o assunto. Acresce que resulta do depoimento da testemunha H... que na mesma ocasião o Autor diligenciou junto do Banco por obter um financiamento e acabou por liquidar uma aplicação financeira, o que tudo releva para concluir que os Autores entregaram aos Réus a quantia de ¤ 10.000,00 (dez mil euro). Apesar do relevo que os recorrentes pretendem atribuir ao depoimento das testemunhas I... e J..., constata-se que as testemunhas não revelaram ter conhecimento da matéria de facto em causa, limitando-se a transmitir o que "ouviram dizer" ao Réu ou a terceiros, que não souberam identificar. Trata-se, assim, de depoimentos indiretos e tal aspeto é determinante para avaliar do seu valor probatório. A testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve perceção. Os depoimentos indiretos ou de ouvir dizer por não corresponderem a relatos de factos diretamente percecionados pelo depoente, ainda que não sejam expressamente proibidos ou condicionados no seu valor probatório, como ocorre no domínio do processo penal, constituem um meio de prova frágil, porque existe um desfasamento entre a fonte probatória e o meio de prova apresentado. Por isso, quando não são acompanhados de qualquer outro meio de prova não merecem qualquer relevo para a prova dos factos. No caso concreto, nenhuma das testemunhas assistiu ou esteve presente no ato de entrega do dinheiro, limitando-se as testemunhas a reproduzir o que o Réu contou. Os depoimentos mostram-se particularmente desvalorizados porque a fonte de informação é o próprio Réu e as testemunhas são filho e nora do Réu que vêm trazer ao processo a versão que o Réu apresentou dos factos. Acresce o facto da testemunha I... não dirigir a palavra ao Autor, porque existe um conflito entre ambos, o que desvaloriza o seu depoimento. Por sua vez, o depoimento da testemunha K..., que referiu ter emprestado aos Réus a quantia de ¤ 9.000,00 (nove mil euro), não se mostra idóneo para abalar a força probatória do documento e fundamentar a resposta ao ponto 3 da base instrutória. A testemunha afirmou que emprestou a quantia de ¤ 9.000,00, apesar de os Réus na contestação admitirem que pediram emprestada a quantia de ¤ 10.000,00. Não revelou ter conhecimento das diligências que o Réu efetuou junto dos Autores e por outro lado, também afirmou que os Réus não restituíram a quantia mutuada, quando decorreram mais de três anos, sem adiantar qualquer justificação para esse facto. Aliado a este facto, não se pode ignorar que a testemunha fez referência à sua situação económica, admitindo que seria responsável por dívidas às Finanças, passivo que se vinha a acumular, aspetos estes que retiram credibilidade ao depoimento da testemunha. Conclui-se, assim, que a decisão que julgou " não provada "a matéria do ponto 3º não merece censura, porque não se aponta qualquer erro na apreciação da prova. Em face do exposto, conclui-se que a decisão da matéria de facto não merece censura e, desta forma, improcedem as conclusões de recurso sob os pontos A) a Z e EE) a LL). Na apreciação das restantes questões, cumpre ter presente os seguintes factos provados: 1. Do documento intitulado "Contrato de Dação em Pagamento", datado de 20 de janeiro de 2006, e junto aos autos a fls. 18 e 19, consta como primeiros outorgantes os aqui autores, como segundos outorgantes os aqui réus e como intervenientes os outros filhos dos segundos contraentes e respetivas noras "que desde já autorizam a disposição (venda ou dação) do prédio ao outro filho" (alínea A) da matéria assente) 2. O documento supra referido tem o seguinte conteúdo: "Considerando que, nesta data, foi celebrado um contrato de mútuo, nos termos do qual o primeiro contraente emprestou aos segundos contraentes a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), assumindo os mesmos a responsabilidade de restituir a quantia mutuada até 20-01-2008, sob pena de incumprimento definitivo do seguinte clausulado: 1º O presente contrato tem como objeto a dação em pagamento feita pelos devedores aos credores da dívida decorrente do contrato de mútuo supra aludido; 2º Os segundo contraentes oferecem aos primeiros contraentes, que aceitam, em dação em pagamento, o prédio rústico sito no ..., terreno destinado a ramada, com a área de 600 m2, a confrontar do norte, sul e nascente com caminho e do poente com F..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00286 de ... e inscrito na matriz rústica no artigo 296. 3º Ao prédio rústico referido na cláusula anterior atribuem as partes um valor igual ao do mútuo celebrado, ou seja, de 10.000,00 (dez mil euros), o que corresponde ao crédito que os primeiros contraentes detêm sobre os segundos contraentes sendo, por isso, o prédio garantia plena do mútuo. 4º A propriedade do prédio rústico melhor identificado na cláusula 2ª será transmitida em caso de não ser atempadamente pago o valor mutuado num prazo máximo de 30 dias, a partir do incumprimento, ou seja, a partir de 20-01-2008, pelo que depois de tal data, e sem necessidade de qualquer interpelação prévia, poderão os contraentes executar o presente contrato, pelo que todos os outorgantes lhe conferem força executiva nos termos da lei, o que vale por dizer que o mesmo é um título executivo independente do mútuo, correndo todas as despesas, quer as da execução quer as da escritura, por conta dos 2ºs outorgantes." (alínea B) da matéria assente) 5. Em tal documento foram apostas oito assinaturas, sendo as duas primeiras com os dizeres correspondentes ao nome de cada um dos réus, e as demais com os seguintes nomes legíveis: L..., I..., G..., M..., J..., N.... (alínea C) da matéria assente) 6. O prédio referido no documento transcrito em 2. (em B.) tem a sua propriedade registada a favor dos réus pela inscrição G-1. (alínea D) da matéria assente) 7. Os réus assinaram o documento descrito em 1. e 3. (em A. e C.) quando este estava já redigido nos termos ali constantes (ponto 1 da base instrutória). 8. As demais assinaturas apostas nesse documento correspondem às dos irmãos do autor e respetivos cônjuges (ponto 3 da base instrutória). - Da celebração do contrato de mútuo - Na sentença em recurso, o juiz do tribunal "a quo" considerou, atenta a matéria de facto apurada, que Autores e Réus celebraram um contrato de mútuo. Nas conclusões de recurso sob os pontos AA) a DD) considera o recorrente que, não se logrando provar a entrega efetiva do dinheiro, não estão reunidos os elementos que caracterizam o contrato de mútuo. Analisando. O contrato de mútuo constitui o contrato mediante o qual uma das partes empresta dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade - art. 1142º CC. O contrato de mútuo constitui um contrato típico (art. 1142º CC - mútuo civil e art. 394º C Comercial - mútuo comercial), que a doutrina tradicional classifica como contrato real "quoad constitutionem" (Pires de Lima e Antunes Varela "Código Civil Anotado" vol. II, 4ªed.- Wolters Kluber-Coimbra Editora, pag. 762; Menezes Leitão "Direito das Obrigações" vol. III - Contratos em Especial, 2010-7ª edição-Almedina pag. 389-394 ). No contrato de mútuo a tradição da coisa corresponde a um elemento essencial para a constituição do contrato, pois é dessa forma que a convenção celebrada passa a ser juridicamente tutelada. A propriedade da coisa transfere-se com o ato de entrega (art. 1144º CC). Defendendo esta característica do contrato, consagrada na lei, afirma Menezes Leitão: "o mútuo é assim claramente entre nós um contrato real "quoad constitutionem" exigindo a tradição das coisas mutuadas para a sua constituição. Essa tradição não tem, no entanto, que corresponder a uma entrega material das coisas mutuadas, podendo considerar-se suficiente que o mutuante atribua ao mutuário a disponibilidade jurídica das coisas mutuadas, como sucederá, por exemplo, se a soma for creditada na conta-corrente do mutuário." (ob.cit., pag. 394) No caso presente resulta dos factos provados - ponto 2 dos factos provados - que estão reunidos os elementos típicos do contrato de mútuo. Os Autores entregaram aos Réus a quantia de ¤ 10.000,00 (dez mil euro), com a obrigação dos Réus restituírem essa importância. Com efeito, como já se referiu a respeito da impugnação da matéria de facto, o documento no qual ficou consignado o acordo celebrado faz prova plena da efetiva entrega pelos Autores aos Réus da quantia de ¤ 10.000,00 (dez mil euro) e bem, assim, da obrigação dos Réus restituírem esse valor aos Autores (art. 376º/2 CC). Acresce que os Réus não lograram provar que essa quantia não foi entregue, como resulta da resposta ao ponto 3 da base instrutória. Conclui-se, assim, que ficou demonstrada a celebração de um contrato de mútuo entre os Autores e os Réus. Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso. - Nulidade do contrato de mútuo, por vício de forma - Na sentença o juiz do tribunal "a quo" julgou validamente celebrado o contrato de mútuo, porque o mesmo consta de documento particular assinado pelo devedor. Nas conclusões de recurso sob os pontos MM) a MMM) os recorrentes consideram que o documento a que se reporta o juiz do tribunal " a quo " não formaliza o contrato de mútuo e por esse motivo, o contrato é nulo por vício de forma. Analisando. O mútuo civil, que nos ocupa no caso presente, encontra-se sujeito a forma, conforme decorre do disposto no art. 1143º CC. Este preceito tem sido objeto de sucessivas alterações que atualizaram os valores dos contratos de mútuo, sendo que a última alteração foi introduzida pelo DL 116/2008 de 04/07, de acordo com a qual "... sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a ¤ 25.000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a ¤ 2.500,00, se o for por documento assinado pelo mutuário." Daqui decorre que apenas o contrato de mútuo de valor inferior a ¤ 2.500,00 pode ser celebrado verbalmente, conquanto não se estipulem juros diferentes da taxa legal, pois, a ser assim, a convenção só é válida se reduzida a escrito (art. 559º/2 CC) Contudo, o contrato em análise nos autos foi celebrado em janeiro de 2006 e, por aplicação do disposto no art. 12º do CC, cumpre ter presente a redação do preceito, à luz do DL 343/98 de 06/11. Na data em que foi celebrado o contrato, a validade dos contratos de mútuo de valor superior a ¤ 20.000,00 dependia da celebração de escritura pública e nos contratos de valor superior a ¤ 2.000,00, de documento assinado pelo mutuário. A inobservância da forma legal determina a nulidade do negócio por vicio de forma - art. 220º CC e art. 286º CC -, devendo as partes restituir tudo que tiver sido prestado - art. 289º CC. Conforme decisão proferida no Assento 4/95 de 17.05.95 "quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no nº 1 do art. 289º CC." (DR I série - A, 17.05.95, pag. 2939). No caso concreto, no acordo celebrado entre Autores e Réus e reduzido a escrito ficou consignado: "Considerando que, nesta data, foi celebrado um contrato de mútuo, nos termos do qual o primeiro contraente emprestou aos segundos contraentes a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), assumindo os mesmos a responsabilidade de restituir a quantia mutuada até 20-01-2008 sob pena de incumprimento definitivo do seguinte clausulado:" (Ponto 2 dos factos provados) O documento que contém esta declaração mostra-se assinado pelos recorrentes - devedores/mutuários (ponto 7 dos factos provados). Constata-se, assim, que estão reunidos os requisitos formais do contrato, pois trata-se de contrato em que o valor da quantia mutuada não é superior a ¤ 20 000,00 e foi reduzido a escrito em documento assinado pelo devedor. Este é o único sentido interpretativo a extrair da declaração consignada no contrato, sendo certo que não alegaram os Réus factos ou circunstâncias que justificassem diferente interpretação. O contrato celebrado reúne os requisitos de validade formal. Nesta parte a sentença também não merece censura. Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos MM) a MMM). - Nulidade do contrato de dação em pagamento, por vício de forma - Na sentença em recurso considerou-se que o contrato designado por "Dação em pagamento" configurava um contrato promessa de compra e venda, formalmente válido, porque o contrato foi reduzido a escrito, cuja celebração está contida no regime da "datio pro solvendo". Nas conclusões de recurso sob os pontos NNN) a XXX) defendem os recorrentes que o acordo celebrado configura uma verdadeira dação em pagamento, nulo, por vício de forma, pois devia ser celebrado por escritura pública. Analisando. A dação em pagamento prevista no art. 837º CC constitui uma das formas de extinção das obrigações. Constituem elementos essenciais: - que haja uma prestação diferente da que é devida; - que essa prestação (diferente da devida) tenha por fim extinguir imediatamente a prestação. (Antunes Varela "Das Obrigações em Geral", 3ª ed. Almedina, pag.136). Distingue-se deste instituto a "datio pro solvendo" que a lei prevê no art. 840º CC. A "datio pro solvendo" ou "dação em função do pagamento" tem por objeto a realização de uma prestação diferente da que é devida, sendo certo que o seu fim não é o de extinguir imediatamente a obrigação, mas o de facilitar o seu cumprimento.  Como observa o Professor Antunes Varela: "Quando esta seja a intenção das partes, a obrigação não se extingue imediatamente. Mantém-se, e só se extinguirá se e à medida que o respetivo crédito for sendo satisfeito, à custa do novo meio ou instrumento jurídico para o efeito proporcionado ao credor." (ob. cit., pag. 140) Menezes Cordeiro observa a este respeito que: "... podemos considerar a dação pro solvendo como uma dação em cumprimento condicional, há uma efetiva substituição da prestação no cumprimento, mas a extinção da obrigação só opera caso o credor realize o valor correspondente ao montante da prestação a que tinha direito." (Direito das Obrigações, II vol., AAFDL-1994, 211) A distinção entre as duas figuras, na prática, passa pela interpretação das declarações dos outorgantes. Tratando-se de negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso - art. 238º CC. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade - art. 238º/2 CC. No caso em análise provou-se: "1º O presente contrato tem como objeto a dação em pagamento feita pelos devedores aos credores da dívida decorrente do contrato de mútuo supra aludido; 2º Os segundo contraentes oferecem aos primeiros contraentes, que aceitam, em dação em pagamento, o prédio rústico sito no ..., terreno destinado a ramada, com a área de 600 m2, a confrontar do norte, sul e nascente com caminho e do poente com F..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00286 de ... e inscrito na matriz rústica no artigo 296. 3º Ao prédio rústico referido na cláusula anterior atribuem as partes um valor igual ao do mútuo celebrado, ou seja, de 10.000,00 (dez mil euros), o que corresponde ao crédito que os primeiros contraentes detêm sobre os segundos contraentes sendo, por isso, o prédio garantia plena do mútuo. 4º A propriedade do prédio rústico melhor identificado na cláusula 2ª será transmitida em caso de não ser atempadamente pago o valor mutuado num prazo máximo de 30 dias, a partir do incumprimento, ou seja, a partir de 20-01-2008, pelo que depois de tal data, e sem necessidade de qualquer interpelação prévia, poderão os contraentes executar o presente contrato, pelo que todos os outorgantes lhe conferem força executiva nos termos da lei, o que vale por dizer que o mesmo é um título executivo independente do mútuo, correndo todas as despesas, quer as da execução quer as da escritura, por conta dos 2ºs outorgantes." (alínea B) da matéria assente)" O acordo celebrado reveste a natureza de um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, sendo esse, no contexto do acordo redigido, o único sentido a extrair das declarações, por ser essa a interpretação a que chegaria um normal declaratário. O contrato-promessa de compra e venda foi celebrado para acautelar a satisfação do crédito do credor - Autores -, sendo certo que a sua celebração não extingue a obrigação do devedor. Com efeito, como resulta dos termos do acordo, a propriedade do prédio só seria transmitida se não fosse atempadamente pago o valor mutuado, no prazo convencionado. O acordo celebrado não extingue de imediato a obrigação e por isso, o mesmo não reúne as características de uma dação em pagamento. Desta forma, o acordo celebrado não estava sujeito a escritura pública e não se pode considerar o contrato nulo por vício de forma, O contrato-promessa de compra e venda, como se refere na sentença em recurso, reúne os requisitos formais, previsto no art. 410º/2 CC, pois foi reduzido a escrito e o documento mostra-se assinado pelos contraentes - promitente-comprador e promitente-vendedor. Os Réus, como era seu ónus - art. 342º/2 CC -, não lograram provar que procederam ao cumprimento da obrigação resultante do mútuo - restituir a quantia mutuada no prazo convencionado. Desta forma, considera-se verificada a condição para exigir o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, como forma de cumprimento da obrigação. Conclui-se, assim, que a sentença não merece censura no que concerne à qualificação do contrato e efeitos que o mesmo produz nas obrigações assumidas no contrato de mútuo celebrado entre Autores e Réus e por isso, assiste aos Autores o direito à execução especifica do contrato, ao abrigo do art. 830º/1 CC. Em face do exposto, improcedem as conclusões de recurso sob os pontos NNN) a XXX). - Nulidade do contrato-promessa, por falta de reconhecimento das assinaturas dos subscritores - Nas conclusões de recurso sob os pontos YYY) a ZZZ) defendem que o contrato-promessa de dação seria nulo porque não estão preenchidas todas as formalidades previstas no art. 410ºCC, uma vez que não consta do contrato o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes. Analisando O recurso, como refere Professor Castro Mendes, consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer (Direito Processual Civil - Recursos, pag. 5). O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida. O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância (ob. cit,, pag. 24-25 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil ", vol V, pag. 382, 383). A respeito do objeto do recurso têm surgido na doutrina duas posições: - o objeto do recurso é a questão sobre que incidiu a decisão recorrida; e - o objeto do recurso é a decisão recorrida, que se vai ver se foi aquela que "ex lege" devia ter sido proferida. O Professor Castro Mendes escreve a este respeito que: "o nosso sistema de recursos inclina-se para a segunda solução - o objeto do recurso é a decisão. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova. (...) o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida. Em regra deve aplicar a lei vigente ao tempo da decisão e cingir-se aos factos sobre que esta incidiu. Mas esta regra sofre pelo menos duas atenuações: - a parte pode apresentar ao tribunal de segunda instância e de revisão documentos supervenientes (art. 712º/1/c), 749º, 771º/c)); - as partes podem alterar, ainda em segunda instância, o pedido, de comum acordo (art. 272º CPC)". (ob cit., pag. 25-26). Na jurisprudência entre outros sobre esta questão, podem ler-se: os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 (www.dgsi.pt), merecendo-nos particular relevo o Ac. STJ 28.05.2009 onde se refere: "E, do específico ponto de vista da instância recursiva, tem-se por certo que, como é jurisprudência uniforme, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respetiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art. 676º CPC)." Ponderando o exposto a respeito do objeto do recurso, verifica-se que os recorrentes vêm introduzir novos fundamentos que não podem ser considerados em sede de recurso. Os recorrentes suscitam em sede de conclusões de recurso a nulidade do contrato-promessa, com fundamento na omissão de uma formalidade prevista no art. 410º/3 CC - reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes. Contudo, a seu tempo, na contestação, os recorrentes não suscitaram tal questão, sendo que é na contestação que o réu deduz toda a defesa, precludindo o direito de o fazer em momento ulterior, exceto se ocorrerem factos supervenientes que justifiquem a apresentação de um articulado superveniente (art. 489º CPC). Acresce que a questão colocada encerra matéria que não é de conhecimento oficioso (Calvão da Silva "Sinal e Contrato - Promessa, 2010, 3ª ed. Almedina, pag. 75; Ana Prata "O Contrato Promessa e o seu Regime Civil",1999, Almedina. pag. 546; entre outros Ac. STJ 29.11.2011 - Proc. 2632/08.0TVLSB.L1 - www.dgsi.pt ). Conclui-se, assim, nos termos do art. 676º CPC, que nenhuma relevância merece, nesta sede, os novos argumentos e fundamento que os recorrentes apresentaram, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal "a quo" ficando por isso vedado, salvo no caso de matéria de conhecimento oficioso, a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso sob os pontos YYY a ZZZ. Nos termos do art. 446º CPC as custas são suportadas pelos recorrentes. III. Decisão: Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes. Porto, 25.06.2012 (processei e revi - art. 138º/5 CPC) Os Desembargadores, Ana Paula Pereira de Amorim Manuel José Caimoto Jácome Ana Paula Vasques de Carvalho ANOTAÇÃO: Questão decidenda: O Tribunal da Relação do Porto, no dia 25 de junho de 2012, procurou dar solução definitiva às seguintes questões: - nulidade do contrato de mútuo, por vício de forma; - nulidade do contrato de dação em pagamento, por vício de forma e do valor do acordo como promessa de dação em pagamento; Solução jurídica: - Nulidade do contrato de mútuo, por vício de forma: O juiz do tribunal "a quo" julgou validamente celebrado o contrato de mútuo, porque o mesmo consta de documento particular assinado pelo devedor. O mútuo civil encontra-se sujeito a forma, conforme decorre do disposto no art. 1143º C. Civil"... sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a ¤ 25.000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a ¤ 2.500,00, se o for por documento assinado pelo mutuário." Daqui decorre que apenas o contrato de mútuo de valor inferior a ¤ 2.500,00 pode ser celebrado verbalmente, conquanto não se estipulem juros diferentes da taxa legal, pois, a ser assim, a convenção só é válida se reduzida a escrito (art. 559º/2 C.Civil) Contudo, o contrato em análise nos autos foi celebrado em janeiro de 2006 e por aplicação do disposto no art. 12º do CC, cumpre ter presente a redação do preceito, à luz do DL 343/98 de 06/11. Na data em que foi celebrado o contrato, a validade dos contratos de mútuo de valor superior a ¤ 20.000,00 dependia da celebração de escritura pública e nos contratos de valor superior a ¤ 2.000,00, de documento assinado pelo mutuário. A inobservância da forma legal determina a nulidade do negócio por vicio de forma - art. 220º CC e art. 286º CC -, devendo as partes restituir tudo que tiver sido prestado - art. 289º CC. No caso concreto, no acordo celebrado entre Autores e Réus e reduzido a escrito ficou consignado: "Considerando que, nesta data, foi celebrado um contrato de mútuo, nos termos do qual o primeiro contraente emprestou aos segundos contraentes a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), assumindo os mesmos a responsabilidade de restituir a quantia mutuada até 20-01-2008 sob pena de incumprimento definitivo do seguinte clausulado:" O documento que contém esta declaração mostra-se assinado pelos recorrentes -devedores/mutuários. Constata-se, assim, que estão reunidos os requisitos formais do contrato, pois trata-se de contrato em que o valor da quantia mutuada não é superior a ¤ 20 000,00 e foi reduzido a escrito em documento assinado pelo devedor. Este é o único sentido interpretativo a extrair da declaração consignada no contrato, sendo certo que não alegaram os Réus factos ou circunstâncias que justificassem diferente interpretação. O contrato celebrado reúne os requisitos de validade formal. Nesta parte a sentença também não merece censura. - Nulidade do contrato de dação em pagamento, por vício de forma: Na sentença considerou-se que o contrato designado por "Dação em pagamento" configurava um contrato promessa de compra e venda, formalmente válido, porque o contrato foi reduzido a escrito, cuja celebração está contida no regime da "datio pro solvendo". A dação em pagamento prevista no art. 837º C. Civil constitui uma das formas de extinção das obrigações. Constituem elementos essenciais: - que haja uma prestação diferente da que é devida; - que essa prestação (diferente da devida) tenha por fim extinguir imediatamente a prestação. Distingue-se deste instituto a "datio pro solvendo" que a lei prevê no art. 840º CC. A "datio pro solvendo" ou "dação em função do pagamento" tem por objeto a realização de uma prestação diferente da que é devida, sendo certo que o seu fim não é o de extinguir imediatamente a obrigação, mas o de facilitar o seu cumprimento. A distinção entre as duas figuras, na prática, passa pela interpretação das declarações dos outorgantes. Tratando-se de negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso - art. 238º CC. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade - art. 238º/2 CC. O acordo celebrado reveste a natureza de um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, sendo esse, no contexto do acordo redigido, o único sentido a extrair das declarações, por ser essa a interpretação a que chegaria um normal declaratário. O contrato-promessa de compra e venda foi celebrado para acautelar a satisfação do crédito do credor, sendo certo que a sua celebração não extingue a obrigação do devedor. Com efeito, como resulta dos termos do acordo, a propriedade do prédio só seria transmitida se não fosse atempadamente pago o valor mutuado, no prazo convencionado. O acordo celebrado não extingue de imediato a obrigação e por isso, o mesmo não reúne as características de uma dação em pagamento. Desta forma, o acordo celebrado não estava sujeito a escritura pública e não se pode considerar o contrato nulo por vício de forma, O contrato-promessa de compra e venda, como se refere na sentença em recurso, reúne os requisitos formais, previsto no art. 410º/2 CC, pois foi reduzido a escrito e o documento mostra-se assinado pelos contraentes. Os Réus, como era seu ónus - art. 342º/2 CC -, não lograram provar que procederam ao cumprimento da obrigação resultante do mútuo - restituir a quantia mutuada no prazo convencionado. Desta forma, considera-se verificada a condição para exigir o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, como forma de cumprimento da obrigação. Conclui-se, assim, que a sentença não merece censura no que concerne à qualificação do contrato e efeitos que o mesmo produz nas obrigações assumidas no contrato de mútuo celebrado entre Autores e Réus e por isso, assiste aos Autores o direito à execução especifica do contrato, ao abrigo do art. 830º/1 CC. Face ao exposto, a Relação do Porto decidiu em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Decisão do Acórdão: A decisão tomada pelos Juízes Desembargadores acabou por ser sumariada, no Acórdão, do seguinte modo: "I - A "datio pró solvendo" tem como objetivo facilitar o cumprimento da obrigação e não extingui-la. II - A tradição da coisa é elemento essencial do contrato de mútuo marcando o momento inicial da respetiva tutela jurídica." O QUE DIZ A LEI Código Civil Artigo 1143.º - Forma  Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário. Artigo 220.º - Inobservância da forma legal  A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula quando outra naõ seja a sanção especialmente prevista na lei. Artigo 238.º - Negócios formais  1- Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2- Esse sentido pode, todavia valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade. Artigo 286.º - Nulidade  A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. Artigo 289.º - Efeitos da declaração de nulidade e da anulação  1- Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. 2- Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efetiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento. 3- É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, diretamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes. Artigo 837.º - Quando é admitida  A prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento. Artigo 840.º - Dação  1- Se o devedor efetuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respetiva. 2- Se a dação tiver por objeto a cessão de um crédito ou a assunção de uma dívida, presume-se feita nos termos do número anterior.
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