Valor das pensões atingirá 40% do salário até 2050;

Miguel Teixeira Coelho, autor do livro “Segurança Social – Passado, Presente e Futuro”, considera
Valor das pensões atingirá 40% do salário até 2050
Portugal apresenta-se como um dos países da OCDE com a distribuição mais desigual do rendimento, assegura Miguel Teixeira Coelho.
“Um sistema de segurança social moderno tem de ser flexível, eficiente, sustentável e adequado para cumprir a sua função. O modelo que temos hoje não responde a estas questões”, afirma o economista Miguel Teixeira Coelho, autor do livro “Segurança Social – Passado, Presente e Futuro”, editado pela Vida Económica.
Colocando em dúvida a sustentabilidade do sistema de segurança social português, Miguel Teixeira Coelho considera que, “mais do que saber se temos de reformar a Segurança Social, importa saber como a podemos reformar de forma a que sejam assegurados níveis de proteção adequados”, acrescenta.
‘Segurança Social – Passado, Presente e Futuro’ é o mais recente livro editado pela Vida Económica. Miguel Teixeira Coelho, autor do livro, começa por referir que acredita “no futuro da Segurança Social (SS) e que “o Estado tem que ter um papel importante no sistema da SS”. “Não admito que possamos regredir para uma sociedade em que a SS e a proteção social, no geral, não existam”, afirma.
Porém, salienta o autor, “é difícil escrever um livro destes quando não há dados. É de ficar pasmado com um país que em setembro de 2019 tinha as contas da SS de 2017 ainda por publicar e nada se passa”.
Lembrando que Portugal se apresenta como “um dos países da OCDE com a distribuição mais desigual do rendimento” e onde “persistem níveis de pobreza, inclusive daqueles que estão inseridos no mercado de trabalho, não compagináveis com os padrões europeus”, Miguel Teixeira Coelho sublinha que “a questão que se coloca não é a de saber se temos de reformar a SS, mas sim a de saber como a podemos reformar de forma a que sejam assegurados níveis de proteção adequados e, simultaneamente, que seja possível promover uma demografia ‘saudável’ e um crescimento económico sustentável”.
 
Prestações sociais atingem 17% do PIB
 
De acordo com o economista, atualmente a despesa do Sistema de Segurança Social com prestações sociais atingiu os 22 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 12% do Produto Interno Bruto (PIB). Ora, em 1977 esta representava somente 5% do PIB. “Se juntarmos a despesa da SS com a despesa com a Caixa Geral de Aposentações, este valor sobe para os 32 mil milhões de euros anuais, o que significa 17% do PIB”. 
Por outro lado, cerca de 81% da despesa social prende-se com pensões e complementos. Contudo, em contrapartida, “as contribuições e quotizações cobrem apenas 73% desta despesa”. No entanto, apesar deste esforço, a verdade é que “não conseguimos reduzir substancialmente os níveis de pobreza. Continuamos a ter um em cada cinco pessoas a viver em risco de pobreza”. Defendendo que um sistema moderno “tem de ser flexível, eficiente, sustentável e adequado para cumprir a sua função”, Miguel Teixeira Coelho alerta que “o modelo que temos hoje não responde a estas questões”. 
Outro dos problemas identificados pelo autor está relacionado com a equidade na atribuição de pensões. Em determinadas situações muito próximas ou iguais a prestação atribuída é diferente, não existindo qualquer controlo. Na verdade, acrescenta, “o controlo é arbitrário, notificam-se massivamente milhares de trabalhadores simplesmente porque é preciso cumprir números e depois quem deve não paga e quem paga não deve. Algo de estranho se passa no funcionamento ao nível do controlo”. “Esta é uma questão óbvia, pois basta olhar para as contas da SS e vê-se mais de 12 mil milhões de euros de dívidas e lá não está explicado o que prescreveu, porque esse volume seria gigantesco”.
 
“Existe uma situação financeira oculta na Segurança Social”
 
Acusando o sistema de possuir uma arquitetura financeira inadequada, Miguel Teixeira Coelho recorda que o Orçamento de Estado (OE) de 2019 apontava para a falência do sistema, tal como o conhecemos, por volta do ano 2050. 
Todavia, segundo o economista, “existe uma situação financeira oculta na SS”, pois “parte da despesa com pensões que deveria estar refletido no chamado Regime Contributivo está na conta do Regime Não Contributivo, no antigo Sistema de Proteção Social de Cidadania (SPSC)”. Por esse motivo, “hoje em dia, pagam-se 700 milhões de euros de pensões antecipadas do Sistema Previdencial (SP) através do SPSC. O que significa que entre 2010 e 2016 foram liquidados através do Orçamento de Estado (OE) cerca de sete mil milhões de euros de despesa com pensões que deviam ter sido pagas pelo SP”. 
Em paralelo, existem também transferências entre o SPSC e o SP, dado que o saldo do primeiro transita para o segundo. “E quem é que alimenta o Sistema de Proteção Social de Cidadania? O Orçamento de Estado. Portanto, quando há um excesso de transferências do OE, ele transita para o SP”. Tudo somado, as transferências atingiram os 1300 milhões de euros entre 2010-2016, “o que significa que houve uma despesa não refletida do SP e uma receita adicional que somou 8200 milhões de euros nesse período. Nada de ilegal com isto, é apenas um truque legal para reduzir a despesa do SP e aumentar a sua receita”, salienta.
Assinalando que o valor das transferências do OE para o SP é de 5100 milhões de euros, o autor salienta que, somando as transferências para a Caixa Geral de Aposentações, este valor ascende a “32 600 milhões de euros em seis anos”. “E se a este valor juntarmos os tais 8200 milhões que referi anteriormente, estamos a falar de transferências do Estado de 41 mil milhões de euros entre 2010 e 2016. Ou seja, as verdadeiras transferências do OE não são aquelas que nos dizem, são sim 41 mil milhões de euros, mais de quatro anos de despesa com o Serviço Nacional de Saúde (SNS)”. 
 
Futuras pensões serão, “no máximo, de 38% a 40% do salário”
 
Questionado pela ‘Vida Económica’ se o crescente envelhecimento da população portuguesa representa um sério problema da sustentabilidade para o sistema de pensões, Miguel Teixeira Coelho admite que este “tem uma componente positiva”, pois significa que hoje as pessoas vivem mais, mas aponta para significativos efeitos a dois níveis. Primeiro, ao nível da receita, pela redução da população que contribui para o sistema, e, depois, do lado da despesa, dado que o prolongar da vida resulta numa extensão do pagamento das pensões e dos custos de saúde associados à população mais idosa. “O Estado poderá não ter capacidade de responder a essas questões de saúde, pelo que recairá nas famílias esse esforço adicional”. 
Nesse sentido, a existência de uma componente de poupança obrigatória em regime de capitalização será “um elemento positivo na sustentabilidade do sistema”, uma vez que a poupança é um elemento central na proteção dos mais idosos. “A constituição de uma poupança a partir de um momento precoce da vida permitirá acumular uma componente importante daquilo que será uma poupança necessária para fazer face às necessidades das pessoas, dado que o sistema público não terá capacidade de responder integralmente àquilo que são as verdadeiras necessidades da população mais velha”. 
Voltando à questão da falência do sistema, prevista a partir de 2050, o economista destaca que isso significa que “será o OE a suportar o pagamento das pensões, ou seja, através dos impostos de todos. Nesse sentido, há uma data antecipada para o fim do sistema”. Contudo, se por um lado o Governo “repousa numa reforma feita em 2007 e assume que esta é suficiente para garantir a sustentabilidade do sistema, por outro, diz que o sistema colapsa em 2050”. Ora, a verdade é que “a sustentabilidade do sistema irá ser feita só de uma forma: o valor das pensões a pagar nessa altura será reduzido. Nessa altura, prevê-se que em média uma pensão representará, no máximo, entre 38% e 40% do salário, independentemente de quanto ganhemos e descontemos atualmente”. 
Quanto à componente de aumento da idade da reforma, para Miguel Teixeira Coelho, tal é algo que “faz sentido”, tendo em consideração a esperança média de vida, mas a solução para o sistema “não passa apenas” por esta componente paramétrica”. “Há um conjunto de alterações que vamos ter de fazer e que envolvem desde a arquitetura de funcionamento do sistema à problemática da equidade, passando pela questão do controlo das prestações atribuídas, porque continua a haver fraude e pagamentos indevidamente feitos”. 
A terminar, o autor deixa uma mensagem de conciliação. “Há aqui um conjunto de matérias que têm de ser discutidas numa base alargada, sem preconceitos ideológicos ou partidários, no sentido de encontrarmos uma solução de proteção social alargada, que não envolve só a Segurança Social, mas também a educação, a saúde, estilos de vida saudáveis e a cultura, porque tudo isto vai contribuir para uma maior qualidade de vida dos cidadãos”. 


Apresentação do livro “Segurança Social - Passado, Presente e Futuro” que decorreu na Fnac do Norteshopping.

Economista e gestor com vasta experiência acumulada

Miguel Teixeira Coelho é doutorado em Economia e mestre em Economia Internacional pelo ISEG/ULisboa. Foi professor auxiliar da Universidade Lusíada desde 1994 e professor Convidado do IDEFE/ ISEG/ULisboa desde 2005.
É autor do livro “Segurança Social – Situação Atual e Perspetivas de Reforma” (2013) e coautor dos livros “Mercados – São Mesmo os Grandes Culpados da Crise?” (2015) e “Cálculo Financeiro – Manual para Entender os Princípios do Cálculo Financeiro” – Vols. I e II, (2016 e 2017).
Diretor do Departamento de Estudos do Banco de Empresas Montepio, foi administrador do Montepio Geral Associação Mutualista e presidente do Conselho de Administração da Montepio Gestão de Ativos, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento
(SGFI) entre 2016 e 2018.
Administrador da Montepio Valor, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento (SGFI) entre 2013 e 2016, exerceu igualmente funções de direção no Montepio Geral Associação Mutualista (MGAM) e de administração em algumas das empresas do Grupo Montepio entre 2009 e 2011, tendo exercido ainda funções de direção na Direção Financeira e Internacional, Departamento de Estudos e Departamento de Risco da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) entre 2004 e 2008.
Foi vice-presidente do Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, IP) entre 2011 e 2013.
Economista do Gabinete de Estudos da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) entre Julho de 2001 e agosto de 2004 e do Departamento de Research em Macroeconomia e Mercados Financeiros do BANIF – Banco de Investimento entre Setembro de 2000 e Junho de 2001, colaborou ainda, como consultor externo, com o Conselho Económico e Social (CES) entre 1997 e 2000.

FERNANDA SILVA TEIXEIRA fernandateixeira@vidaeconomica.pt, 03/01/2020
Partilhar
Comentários 0