Burocracia;

Burocracia
Tive acesso recentemente a uma informação, através de uma empresa espanhola de consultoria, sobre uma convocatória no âmbito dos apoios “Next Generation” naquele país (aqui em Portugal corresponde ao famigerado PRR) para a digitalização de PMEs, neste caso microempresas (ou seja empresas entre 3 a 9 nove trabalhadores).
Além de a “call” ser dirigida a empresas, a pequenas e médias empresas, melhor a microempresas, os seus termos eram de uma simplicidade e clareza desconcertantes, pois apresentam-se através de vales e em investimentos concretos, como websites, comércio eletrónico, gestão de redes sociais, gestão de clientes, gestão de processos, cibersegurança, etc., havendo limites para cada rubrica e um limite geral máximo que não pode ultrapassar os 6 mil euros. Isto provém de um país governado por um partido socialista, semelhante ao que temos aqui, que está obrigado a compartilhar o poder com a esquerda radical, cuja agenda a maior parte das vezes parece o resultado de um delírio alucinogénio, e permanentemente confrontado com os jogos de poder e influência das suas autonomias regionais, que mais privilegiam os interesses táticos de certos protagonistas ou partidos do que o interesse geral do país. Contudo, mesmo assim, a Espanha conseguiu apresentar um programa “Next Generation” simples, fácil de compreender e que já está no terreno, satisfazendo sobretudo as pequenas e médias empresas do país, injetando dinheiro na economia e menorizando os efeitos das crises sucessivas, algo que outros países, como a Grécia, fizeram ainda melhor e cujos resultados estarão à vista dentro de meses, algo que, desconfio, aqui nunca sucederá.
E o que fazemos em Portugal? Depois da ridícula exibição de sobranceria de António Costa, que fez gala de apresentar o primeiro programa “Next Generation” a Bruxelas, como um aluno bem comportado, adulador e obediente à disciplina do mestre, aliás secundado neste triste espetáculo pelo Presidente da República, que lhe deu respaldo em vez de ser voz das críticas legítimas que, desde cedo, a sociedade civil, especialmente a mais bem informada, lhe colocou, o país está a experimentar a verdadeira realidade do que é o “PRR – Programa de Resiliência e Recuperação”, que não passa de um “saco de vento”, uma “mão cheia de nada”, particularmente para aqueles que mais necessitam: as famílias mais vulneráveis e as empresas com menos dimensão e recursos, uma vez que está integralmente destinado a “desorçamentar” despesas do Estado ou a beneficiar grandes empresas, que beneficiam da simpatia do Executivo pelas mais variadas razões.
Basta comparar o que são os programas de apoio à digitalização das empresas, no âmbito do nosso PRR, cujas convocatórias mais parecem documentos para interpretação cabalística de iniciados, certamente feito por “pequenos génios” recrutados pelos gabinetes ministeriais nas grandes consultoras ou escritórios de advogados da capital (como sempre), que sabem tudo que vem nos livros e nada sobre a vida real, para perceber o mundo de distância que vai de países como Portugal e Espanha, assim como a explicação porque os nossos vizinhos crescem mais, têm maior poder de compra, são mais desenvolvidos em todos os aspetos e vertentes que queiramos analisar e porque são mais fiáveis, apesar dos enormes problemas que também enfrentam e atrás referi, para acolher o investimento, garantindo que se multiplica.
Há uma maldição nacional que é a burocracia, que se alojou no DNA nacional como uma doença hereditária, que se vai transmitindo de geração em geração, por mais que se proclame a vontade de ser erradicada. Não adianta a aparente vontade de certos Executivos ao criar secretarias de Estado da Reforma da Administração, da Desburocratização, da Simplificação Administrativa ou qualquer outro epíteto, em que a nomenclatura não oferece limites à imaginação, nem sequer a proliferação de programas como o Simplex, supostamente para retirar burocracia a meia dúzia de procedimentos, que são suplantados, logo de seguida, como o crescendo de complexidade burocrático em mais 600, sem que ninguém fale ou importe.
Na verdade, importa ter presente que a burocracia é uma inestimável arma de controlo que utiliza o Estado para se perpetuar no poder, pois não há nada mais sinistro e perigoso do que um funcionário público, com os seus pequenos poderes, com o seu carimbo de despacho, para fazer agilizar um processo ou para atribuir uma autorização, ou, pelo contrário, fazer perder para sempre no limbo dos tortuosos caminhos da decisão pública, um requerimento, um formulário, uma reclamação ou qualquer outro incidente. A burocracia é a grande teia protetora de um vasto mole de gente que vive do Estado e da Administração Pública. Sem a burocracia muita dessa gente ficaria desempregada, pois torna-se fácil perceber que uma boa parte dos procedimentos a que está encarregue são completamente desnecessários tal como os seus postos de trabalho. Manter a burocracia é manter emprego público, fazer crescer a burocracia é aumentar o emprego público, fazer expandir o Estado, até o tornar totalitário, razão pela qual, apesar da retórica política, sempre a soar a falso, este Governo, que se desvela pelo Estado, está pouco interessado em digitalizar a Administração Pública se isto representar reduzir os seus efetivos, até porque são eleitores, no momento próprio agradecidos e com memória, tal como estará pouco empenhado em aplicar programas que realmente desburocratizem os serviços públicos ou simplifiquem a vida aos cidadãos. Manter a burocracia é garantir um Estado grande e indispensável, mesmo que obsoleto e ineficaz. Manter a burocracia é assegurar uma sociedade civil especialmente dependente da Administração Pública, do Estado e de governos que privilegiam estas opções de política pública, estatistas e centralistas, como vamos tendo e, infelizmente, viabilizando com o nosso voto incauto.
Como seria simples sermos desenvolvidos e prósperos, desde que os Governos escolhessem com consciência as políticas públicas que fossem consequentes com o propósito do bem coletivo, bastaria que todos nós, assertivamente, escolhêssemos quem nos governa com esses propósitos generosos. Enquanto não o fizermos, não temos qualquer moral para nos queixarmos.
Paulo Vaz Jurista e Gestor, 11/08/2022
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