“Estudantes internacionais representam 20% dos alunos” ;

Clara Raposo, presidente do ISEG, afirma
“Estudantes internacionais representam 20% dos alunos”
“É muito importante na vertente da internacionalização o aspeto das acreditações internacionais das escolas”, afirma Clara Raposo, a primeira mulher assumir funções de Presidente do ISEG.
“Queremos promover a formação muito completa do ISEG do quantitativo ao qualitativo, com uma contextualização social importante, em resposta aos desafios societais, e que isso se perceba lá fora”, afirma Clara Raposo, presidente do ISEG. “Outros dois grandes desafios, que tenho, e estão relacionados, são a internacionalização do ISEG e a renovação do nosso corpo docente.” 
O ISEG acaba de conseguir a acreditação AACSB, que permitirá reforçar a comunicação internacional e atrair mais alunos estrangeiros para Portugal. As parcerias com universidades e escolas estrangeiras de prestígio, como a Universidade de Kominsky, por exemplo, também serão uma aposta da nova presidente do ISEG, Clara Raposo, assim como mais “sangue novo” entre os docentes. Clara Raposo é a primeira mulher a assumir os destinos do ISEG e salienta que a inteligência emocional das mulheres na liderança pode fazer a diferença junto dos alunos.
Vida Económica - Ao assumir o cargo de presidente do ISEG, quais os principais desafios que se colocam e que assume para si?
Clara Raposo - Há que assumir que é a primeira vez que uma mulher está nestas funções e há uma barreira inicial, quer queiramos quer não, que se sente um pouco, até no contacto com as empresas e com algumas entidades. Quando aparece uma mulher à frente de uma organização deste género, nota-se uma certa diferença. Logo aí temos um primeiro desafio, que é garantir que sou bem recebida num mercado tipicamente tutelado por homens. É um primeiro aspeto, que é muito importante, e que, simultaneamente, aproveito para integrar num dos pontos principais deste meu mandato, que é tentar demonstrar a forma como, no ISEG, quer os nossos professores e investigadores, quer na forma como vamos conduzir a nossa gestão, quer depois a formação que damos aos nossos alunos, reflete estes novos desafios societais que tanto se falam agora e os tais objetivos de desenvolvimento sustentável[Refere-se aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável determinados pela ONU]. É essa recolha que estou a fazer neste momento. Uma das vertentes da minha ação é tentar perceber exatamente de que forma é que todos nós aqui estamos a contribuir para todos os 17 desafios e mostrar ao exterior que, há muito tempo, no ISEG, andamos a trabalhar em alguns dos temas que agora consensualmente são discutidos como essenciais, como o futuro, como aquilo que deve preocupar todos. Esse é um dos aspetos, o de tentar comunicar um pouco melhor para o exterior a riqueza do conhecimento que aqui é gerado no ISEG e a forma como o comunicamos às novas gerações que estamos a formar, uma vez que existe uma formação muito abrangente do nosso corpo docente, temos professores, ao contrário do que acontece em “business schools”, que vão desde um departamento de matemática em que temos uma área muito quantitativa muito forte, muito detalhada – as “hard skills”, o puro de duro, a matemática a computação – até uma área totalmente de ciências sociais. Tal como temos os economistas e os gestores também temos pessoas numa área mais de sociologia, análise de aspetos de desenvolvimento sustentável, e é no encaixar dos dois tipos de conhecimento que geramos aquilo que achamos que é uma formação pessoal muito especial e muito completa.
Queremos promover a formação muito completa do ISEG do quantitativo ao qualitativo, com uma contextualização social importante, em resposta aos desafios societais, e que isso se perceba lá fora. E uma das formas de o demonstrar é através da qualidade dos nossos graduados, que atualmente estão a ter muito boa colocação no mercado de trabalho, em que lhes é reconhecida a boa capacidade de integração em equipas, que estão despertos para a atualidade, por exemplo.  Estes são os grandes desafios, os societais, entre os quais também constam a afirmação das mulheres, por exemplo.
Outros dois grandes desafios, que tenho, e estão relacionados, são a internacionalização do ISEG e a renovação do nosso corpo docente. 
O ISEG é uma escola que já conta com uma percentagem significativa de estudantes estrangeiros e grande parte dos nossos professores, não sendo internacionais, têm formação internacional e publicam em revistas internacionais muito reputadas. Há, portanto, um perfil internacional na escola. A nossa abordagem não é meramente exclusiva a problemas que tenham a ver com Portugal, cobre problemas mundiais, sem dúvida. Queremos expandir mais, queremos que os nossos alunos sejam mais internacionais, aumentar cada mais esta percentagem de estudantes que vêm das várias partes do mundo, quer de países lusófonos, nas formações que oferecemos em português, quer de todas a nacionalidades. E vamos reforçar a componente de oferta de cursos em inglês. Vamos ter, pela primeira vez, o curso que é “double degree”, licenciatura de finanças, em que os alunos que fazem a licenciatura em Portugal em Finanças ficam com uma licenciatura em Finance and Accounting, na Universidade de Kominsky, a universidade polaca mais reputada, detentora de “triple crown”.  É altamente prestigiante ter esta possibilidade. Estamos a desenvolver parcerias internacionais com escolas importantes em diferentes partes do mundo, para dar este perfil mais rodado aos nossos estudantes, para dar mais oportunidades de andarem por várias partes do mundo e também para atrair estudantes de outros locais. É muito importante na vertente da internacionalização o aspeto das acreditações internacionais das escolas, principalmente uma pela qual andámos a batalhar recentemente, a AACSB, um reconhecimento, que obtivemos recentemente, uma acreditação que só 5% das “business schools” internacionais têm, e que nos permite entrar em rankings internacionais, sendo um selo de qualidade que nos possibilita sermos mais reconhecidos na comunicação internacional. 
 
VE - A liderança no feminino é um tema recorrente. Para si, é uma realidade? Em que medida se diferencia? 
CR - É perigoso generalizar-se porque nem todas as mulheres ou homens são iguais, mas haverá genericamente mais semelhanças entre mulheres e entre homens. Há exceções e pode haver tendência para as mulheres se masculinizarem, de certa forma, adotar postura de maior dureza, para se firmarem em cargos de gestão. Um aspeto em que fará diferença o termos mulheres na gestão terá a ver com um dos elementos da liderança, de acordo com um estudo mais recente, que é a inteligência emocional. As mulheres com o tipo de educação que têm e a carga genética que carregam há milhares de anos, terão mais facilidade em percecionar um determinado ambiente numa sala de reuniões ou uma maior sensibilidade para algum tipo de questões, na forma como comunicam. No meu caso, que diz respeito ao ensino universitário, pode ser mais fácil comunicar com pessoas mais novas do que eu do que para muitos homens, mantenho-me mais próxima da juventude com mais facilidade, mais desperta para os problemas deles. Talvez seja verdade que as mulheres possam ter uma forma de se levar menos a sério em alguns aspetos. Sou normalmente bem disposta. Gosto de utilizar o meu humor nas minhas aulas, o facto de a pessoa se conseguir rir de si próprio, do ridículo, de assumir com boa disposição em determinado tipo de situação mais difícil pode ser motivador. As mulheres podem assumir uma postura mais descontraída, em vez de ter a postura de “o senhor tem de estar composto”, podendo haver uma diferença de estilo nessa matéria. 
Mas também há imensas dificuldades para as mulheres enquanto líderes e que começam logo de manhã com o que vestir para um determinado evento ou reunião, por não terem a mesma farda estipulada. Por um lado, é muito bonito e gera muitas possibilidades e a pessoa pode andar muito feminina e com roupas muito bonitas e de que gosta muito. Por outro lado, quando entro nos eventos sociais e estão todos de iguais e o ambiente é muito formal, ainda há uma barreira que deve ser ultrapassada. As mulheres ainda são uma minoria em cargos de gestão de liderança, quando forem mais talvez se consiga beneficiar mais desse ambiente em conjunto com os homens. No ISEG não sinto dificuldade em me ambientar. Não fui eleita por quotas. Mas há ainda um pouco essa resistência.
 
VE - Referiu as competências, hard e soft, como se equilibram? Como fazem, no ISEG, a adaptação em relação à procura por parte do mercado laboral que hoje está em constante mudança? Que competências considera essenciais para alguém vencer no mercado de trabalho nas áreas da gestão, economia e finanças?
CR - Ao longo dos tempos, as coisas acontecem um pouco por modas. Há fases em que se valorizam determinados aspetos do currículo ou da pessoa. É sempre essencial o conhecimento que a pessoa tem. É importante ter “soft skills”, ter uma boa capacidade de comunicação, por exemplo, mas dependendo da função, de gestão ou como economista, que se vá exercer, ter uma base muito sólida de conhecimentos, uma boa base teórica, uma boa aplicação dos conhecimentos em diferentes situações práticas, o cérebro a funcionar devidamente, é essencial. Todas as outras competências que desenvolvemos a outros níveis, como falar muito bem línguas, saber comportar-se, ser simpático, ter um bom discurso oral ou escrito pode ser um vazio em si mesmo. Tem de haver a substância e não pode ser minimizado ou secundarizado face à forma, é preciso ter as duas componentes a funcionarem. Para se vingar em funções, que não sejam meramente de “backoffice”, as pessoas que têm de interagir diretamente com outros, a exigência em termos de “soft skills” é enorme e é uma preocupação, que vamos tendo na formação que damos aos nossos estudantes.  Vêm fazer matemática aplicada, economia, gestão, finanças, marketing e, para além de aprenderem os conteúdos da área e da disciplina, têm de desenvolver o à-vontade para estar em reuniões, entrevistas, dinâmicas de grupo.
 
A importância de ter um gabinete de carreiras 
 
VE - Para criar uma determinada oferta formativa, é preciso tempo. Mas uma formação pensada num determinado momento do mercado pode rapidamente ficar ultrapassada. Como funciona esta preparação no ISEG?
CR - Temos sempre de antecipar um pouco. Atualmente, faz-se muito, recorrendo à inteligência artificial. Mas, no ISEG, queremos, cada vez mais, salientar o que nos diferencia destas máquinas enquanto seres humanos. Como fazemos? Para alem de viajar, circular e discutir os assuntos e estando atentos às novas tendências, tentamos acompanhar os nossos estudantes desde o primeiro dia em que aqui chegam até ao momento em que saem, e ao longo da vida vamos mantendo essa ligação com os nossos antigos alunos, também com os empregadores, que muitas vezes acabam por coincidir. Existe uma interceção em muitos aspetos. Por exemplo, o nosso gabinete de carreiras faz um trabalho aprofundado, quer quando organiza a feira “Career Forum”, quer com eventos com empregadores habituais, dos quais vamos tendo o feedback acerca das novas tendências, qual é a procura e que nos indicam os pontos fortes dos nossos estudantes e as áreas em que acham que devemos reforçar a formação. Vamos ajustando o nosso plano curricular e o tipo de intervenção para os quais os despertamos. Por exemplo, os nossos estudantes têm boas capacidades de trabalho em equipa, mas como estão numa escola com pensamento muito plural, em que os professores têm o cuidado de apresentar o problema de vários pontos de vista – até porque é uma escola relativamente politizada, em que encontramos pessoas de extrema esquerda e direita, que não deixam de ser académicos, ter o trabalho científico e convergir na análise do que é racional e discordar em termos de pressupostos ou pontos de vista – ficam com uma formação muito abrangente, mas numa situação de dinâmica de grupo com outros estudantes podem aparentar ser mais passivos porque estão habituados a dar primeiro espaço aos outros para apresentar as suas ideias, não pretendem mudar as opiniões dos outros. Fazemos um trabalho que é chamar a atenção para o facto de aqui estarem despertos para a diferença e para saber ouvir os outros e defender um ponto de vista, mas, num contexto em que estão a escolher entre um e outro, têm de ser mais agressivos na apresentação de ideias. São ótimos para trabalhar em equipa em qualquer área e estão habituados a procurar o consenso. As posições no mundo estão a ficar muito extremadas. O individualismo tem muito perigos e estão agora muito pujantes. É preciso percebermos qual o nosso papel individual no mundo e do papel da sociedade. 
 
VE - Em que se consubstancia a interação do aluno com o empregador?
CR - Existe muita ligação do ISEG às empresas, mas não há nenhuma posição de subalternização de um face ao outro. As universidades produzem conhecimento científico e nós, as escolas públicas, temos a obrigação de garantir que somos livres na forma como desenvolvemos os cursos. Tanto as empresas como nós temos a vontade de formar pessoas capazes de estar despertas e dar resposta aos desafios no futuro e nesse sentido temos reuniões regulares a vários níveis. Nos vários mestrados há reuniões entre coordenadores dos cursos, empresas, antigos alunos, em que há uma troca de impressões, fazem sugestões para melhorias curriculares ou métodos de ensino. Organizamos “business breakfasts”. As empresas têm muita curiosidade de saber o que andamos a fazer para perceber quais as competências que serão essenciais no futuro, quais novas tendências, porque o mercado das empresas é muito concorrencial. A empregabilidade dos nossos estudantes é muito boa e algumas empresas têm, no ISEG, os respetivos programas de recrutamento. 
 
VE - Precisamente, fala-se muito nesta questão de os bons alunos irem para fora por uma questão de remuneração sobretudo. É possível fazer retenção de talentos em Portugal?
CR - Com o tipo de salários, que se pagam em Portugal, é difícil garantir que as pessoas nas quais o Estado investe, através do nosso sistema de ensino, com escolas de economia e gestão muito bem cotadas internacionalmente – sabemos que existe aqui um muito bom cluster que começam a ser conhecidas – ficam. Geram-se algumas propinas, mas é um pouco uma barriga de aluguer, há uma analogia que quase se pode fazer. Mas muitas pessoas preferem ficar em Portugal, ou pelo menos voltar para Portugal. Não é tanto na universidade, mas nas famílias, que se desenvolve nos nossos jovens o objetivo de ter uma carreira internacional. Começa-se por uma experiência Erasmus e depois encontram um emprego e passam uns anos fora. O problema principal que temos é os salários, na fase inicial das carreiras, que não permitem que alguém que acaba um mestrado consiga ser independente e viver em Lisboa, uma cidade que é tão cara hoje em dia, recebendo o salário que tipicamente se paga em Portugal. 

Propinas aumentaram 20% no último ano letivo 
 
“Nas licenciaturas, as propinas têm um valor reduzido, mas é a tendência  em termos de propinas, nos mestrados, nas escolas de economia e gestão, para que sejam competitivos internacionalmente, para que se possam recrutar professores com muita qualidade, dar incentivos e ter staff de apoio para dar resposta a tanta exigência administrativa também, nem sempre é fácil conseguir propinas com um valor reduzido. Nos últimos tempos têm-se aumentado essas propinas porque de outra forma não se conseguem financiar esses cursos. Nos mestrados no ano letivo de 2017/2018 tivemos um aumento de 20% em propinas. Temos muitos professores convidados que participam nos nossos cursos, muitos dos nossos alunos que fazem uma parte substancial da formação fora, em escolas parceiras em acordo de Exchange, troca, para criar esse ambiente internacional e para captar mais estudantes internacionais, que neste momento representam 20% dos alunos. Já podemos considerar Lisboa como um hub de educação. É primeiro mundo, é uma cidade desenvolvida, é o clima”, explica Clara Raposo 
Em relação à medida da redução de propinas nas licenciaturas e de um caminho para um ensino tendencialmente gratuito ao nível das licenciaturas, “não sou uma pessoa preconceituosa para dizer à partida que sou totalmente contra que haja esta descida nas propinas. Diria que não consigo ter a escola a funcionar se não receber o mesmo valor total para os alunos que vão estar a estudar no próximo ano, mas se o Governo tiver uma outra forma de fazer chegar esse valor, à partida, não há nada contra. Se acho que podia discriminar entre uns estudantes e outros e que haveria uma outra forma de dar apoio, é sempre questionável. Não influencia a minha gestão que sejam os estudantes, as famílias dos estudantes ou outras formas de financiamento. Precisamos desse orçamento, o ensino superior precisa de reforço e é difícil de gerir”, conclui a presidente do ISEG..

 


Texto: Dora Troncão , 01/03/2019
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