Agenda do Trabalho Digno tem efeitos perversos para os profissionais

“A desvalorização das profissões liberais é sinónimo de menos pujança económica. Veja-se o caso português” – refere Orlando Monteiro da Silva.
A lei da “Agenda do Trabalho Digno” vem interferir na liberdade de contratação e prestação de serviços – afirma Orlando Monteiro da Silva. Em entrevista a “Vida Económica”, o presidente da Associação Nacional dos Profissionais Liberais lamenta que a nova Lei não vá de encontro à necessidade de adaptação ao nível da fiscalidade e da segurança social.
Segundo refere, a Agenda do Trabalho Digno tem efeitos perversos e está a afetar as relações de confiança entre as partes, no que respeita à prestação de serviços por parte dos profissionais liberais às empresas e organizações.
Para Orlando Monteiro da Silva, o número de profissionais liberais deve aumentar e não diminuir porque essa é uma característica dos países mais prósperos e desenvolvidos.
Segundo refere, a Agenda do Trabalho Digno tem efeitos perversos e está a afetar as relações de confiança entre as partes, no que respeita à prestação de serviços por parte dos profissionais liberais às empresas e organizações.
Para Orlando Monteiro da Silva, o número de profissionais liberais deve aumentar e não diminuir porque essa é uma característica dos países mais prósperos e desenvolvidos.
Vida Económica: Quais são as principais vertentes da atividade dos profissionais liberais?
Orlando Monteiro da Silva: São muito variadas. Temos quem trabalhe a solo. Um profissional liberal, um freelancer como se designa nalguns países. Ou seja, só para dar alguns exemplos, um advogado, um contabilista um designer, um consultor um instrutor, um coacher, um agente ou corretor de seguros, um mediador imobiliário. Temos profissionais liberais que lideram ou integram equipas, num consultório de saúde oral, por exemplo, um médico dentista, um higienista oral, um assistente dentário, um rececionista. Temos um perfil mais empreendedor de profissionais em sociedades unipessoais, por quotas ou com outros profissionais que exercem com equipas de maior dimensão e muitas vezes empregam dezenas de profissionais liberais. Temos profissionais liberais com perfil empreendedor, empresários se preferir. Há ainda quem trabalhe por conta de outros, até com contratos clássicos, não deixando de deter as responsabilidades e autonomia que nos são inerentes. E temos até quem seja profissional liberal e tenha também atividades cumulativas que não estão relacionadas.... Portanto, o mundo das profissões liberais é fragmentado, heterogéneo, complexo e necessita de ser decomposto, estudado e analisado.
Trabalho em rápida transformação
VE - Os profissionais liberais têm um peso crescente na criação de emprego?
OMS - Sim. Cada vez há mais profissionais liberais e trabalhadores qualificados por conta própria. Nos últimos cinco anos, o número de trabalhadores independentes em Portugal, com habilitações superiores, cresceu cerca de 40%. O trabalho está em mudança acelerada.
VE - Qual a diferença entre profissionais liberais e trabalhadores independentes?
OMS - Diria que é no fundamental a qualificação, a autonomia, a independência, a confidencialidade, a manifestação do conflito de interesses, de entre outros valores fundamentais, que distinguem e projetam o profissional liberal. Qualificação e capacidade de risco balizados por princípios éticos e deontológicos, capazes de se estruturarem e autorregularem .
Há uma tradição de autonomia, de independência de autorregulação na organização das profissões liberais que, de forma evolutiva naturalmente nos acompanha até aos dias de hoje. Valores só possíveis de serem assegurados e regulados em sociedades livres e democráticas. Nas sociedades totalitárias não existem profissões liberais, pois são controladas pelo Estado, pelo poder político. Logo, são sociedades menos competitivas e pobres. A desvalorização das profissões liberais é sinónimo de menos pujança económica veja-se o caso português. Não temos uma ditadura é claro, mas a desvalorização contínua das profissões liberais, é uma marca penalizadora.
Repare-se que por via de muita secundarização do conceito de profissões liberais e dos profissionais liberais nos últimos anos, em detrimento de chavões políticos com “recibos verdes”, e falsos recibos verdes” e “precariedade”, foi-se deixando para trás uma designação muito aceite e com tradições em Portugal e na UE, de “profissionais liberais”. Há até quem confunda profissional liberal com o conceito político de “liberal”. Como é óbvio, um conceito nada tem a ver com o outro
VE - A nova Agenda do Trabalho Digno está a condicionar a atividade dos profissionais liberais?
OMS - A Lei nº 13/2023 determina de forma arbitrária que os trabalhadores independentes que emitam recibos em mais de 50% da sua atividade por ano civil, para uma mesma entidade contratante dos seus serviços, sejam considerados “economicamente dependentes”. Assim, ser-lhes-á aplicável o disposto em IRCT, Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho.
Significa uma intromissão do Estado no direito de um profissional liberal contratar os seus serviços com quem o entender; um desincentivo despudorado às organizações que contratam os serviços de profissionais liberais de deixarem de o fazer atingidos os tais 50%. Na prática, afetando relações de prestação de serviços, por via da cegueira ideológica de querer fazer de todos os profissionais liberais, assalariados à força.
Esta disposição, que poderia ser compreensível relativamente a alguns trabalhadores por conta própria, não tem razão de aplicação a profissionais liberais, com autonomia, independência e qualificados. Aqueles que querem ser profissionais liberais e não trabalhadores por conta de outrem; até porque as tendências laborais atuais abrem campos interessantes para quem opta livremente por esta via, sobretudo nas economias com maior dinamismo e crescimento nas quais Portugal ainda terá a ambição de se incluir.
VE - Transformar os profissionais em trabalhadores dependentes será o caminho errado?
OMS - Sim. Há quem queira acabar com esta forma de estar no mundo do trabalho, mas nós queremos ser profissionais liberais. Queremos assumir os riscos do autoemprego, do empreendedorismo, da incerteza e até da autonomia dentro das organizações. Para tal temos que ser convenientemente levados em conta, com a construção de um Estatuto Legal que enquadre e confira equidade à especificidade desta forma de trabalho face às outras profissões.
O intuito da ANPL é o de interagir com os profissionais liberais, com a sociedade civil e colocar de uma forma integrada, em cima da mesa, algumas das grandes questões que serão absolutamente determinantes para que esta forma de trabalho seja encarada pelos poderes públicos, pelo poder político, reguladores e sociedade civil de forma diferente, pois de facto é diferente o exercício liberal das profissões.
Afastando corporativismos serôdios ou elitismos prosaicos, as profissões liberais querem mostrar-se suficientemente abrangentes para se assumirem com um conjunto de valores comuns que lhes são transversais, e a partir dessa matriz, identificada que está em Portugal a inaceitável realidade de profissionais liberais sem representação e defesa plena dos seus interesses nas vertentes económica, fiscal e proteção social.
CES deve favorecer um quadro legal equilibrado
VE - O Comité Económico e Social pode contribuir para ser criado um enquadramento legal adequado ao interesse dos profissionais liberais e das organizações?
OMS - Francisco Assis tem uma visão integradora e abrangente sobre os profissionais liberais. Já estivemos com ele por várias vezes. Parece-me que tem consciência do que refere o Fórum Económico e Mundial, que a proteção social proveniente da relação tradicional empregador-trabalhador será colocada em causa devido ao número crescente de trabalhadores independentes e à maior frequência das transições entre empregos, “sendo necessário requalificar a proteção social, expandindo a cobertura da segurança social e pensões, deixando estas de estar ligadas ao estatuto formal do individuo no mercado de trabalho.
Temos tido do CES e até do Governo e Oposições, principalmente do PSD, alguma abertura para ensaiar um modelo de fiscalidade e proteção social distinto para os profissionais liberais, o que poderá inspirar uma reforma de fundo nestes sistemas. Precisamos de proteção contra consequências financeiras de riscos sociais, doença, velhice e pobreza. No caso dos profissionais liberais, as contas a fazer são diferentes relativamente aos trabalhadores por conta de outrem. Por exemplo, o que existe nas profissões liberais não é desemprego, mas sim subemprego.... Ou seja, um profissional liberal que declare 300 ou 400 euros por mês, e acredite que em muitas áreas existe este tipo de situação, tecnicamente está empregado. Portanto a cobertura do risco desemprego não lhe interessa.
VE - Que mudanças são necessárias?
OMS - É necessário alterar o sistema corporativo sindical e prever a representação de quem trabalha por conta própria, profissionais liberais, freelancers e os autênticos trabalhadores independentes em sede de concertação social. Queremos defender os nossos interesses. Todos os trabalhadores têm direito à representação e à defesa dos seus interesses económicos. É a OIT, Organização Internacional do Trabalho e a Carta dos trabalhadores da EU que o diz. Não podemos continuar a ver um profissional liberal exatamente da mesma forma como vemos uma empresa de pequena dimensão. Não podemos continuar a aplicar cegamente a legislação concorrencial aos profissionais liberais.
Isso teve efeitos desastrosos na afetação dos pequenos consultórios, gabinetes e escritórios de proximidade. Desapareceram em grande parte, com graves consequências sociais. A acessibilidade diminuiu e os preços e honorários aumentaram. E, já agora os profissionais liberais perdem rendimentos, proletarizam-se.
Corporativismo prejudica a valorização das profissões
VE - As ordens profissionais não estão a cumprir o seu papel de promoção e defesa das profissões?
OMS - Devo dizer que venho da área das ordens profissionais...
Fui bastonário da minha ordem durante 20 anos e presidi ao Conselho Nacional das Ordens Profissionais, eleito pelos bastonários de então por quase doze anos.
Tenho um enorme apreço pelo papel das ordens e associações profissionais. Queremos até estreitar laços e constituir-nos numa voz que tem um ângulo diferente de olhar para as questões em cima da mesa. Uma voz que soma e não subtrai. Que complementa e não reduz.
Sei do que falo quando digo que mesmo aqueles profissionais que se enquadram nas ordens profissionais, não se sentem hoje devidamente valorizados e defendidos nas suas atividades económicas, na fiscalidade e na proteção social aplicáveis. Recorde-se que as ordens profissionais, que por delegação do Estado português regulam alguns importantes aspetos relativos a cada uma das profissões nelas representadas, deparam-se com limitações impostas por legislação diversa, nacional e europeia no que respeita à abordagem de importantes vertentes que afetam os seus profissionais: em particular o impedimento de exercerem ou participarem em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros. Por outro lado, na sua essência, os sindicatos que poderiam cobrir algumas áreas indicadas não incorporam o conceito de profissão liberal, e, essa omissão contribui também para deixar sem voz variadas centenas de milhares de profissionais liberais.
Ora uma parte importante dos desafios e problemas que afetam os profissionais liberais são precisamente relacionados com atividades de natureza laboral e com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros, por exemplo, modalidades de contratação, questões salariais ou de honorários.
Assim como o são também questões essenciais como a garantia de equidade na fiscalidade aplicada, em particular aos profissionais liberais que exercem a sua atividade de forma independente; na proteção social, no desemprego e subemprego, no apoio à parental idade, ao nível da reforma e de outras pensões e no acesso à formação contínua.
Como disse, reduzir a discussão a corporativismos, é pouco sério. Não ajuda ninguém e não se compreende que algumas personalidades com responsabilidades alinhem nessas estratégias “poluentes”.
Apostar na literacia e identificar boas práticas
“Os dados sobre profissões e profissionais têm sido convenientemente escondidos da sociedade portuguesa e ignorados por parceiros socias e pelo próprio poder político. Queremos destapar o véu...” – afirma Orlando Monteiro da Silva.Com esse objetivo, está a ser criado o DataHub das profissões liberais, pretende ser uma ferramenta interativa, em atualização contínua. Segundo o CESE, Comité Económico e Social Europeu, cerca de 22% dos trabalhadores da Europa estão ligados às áreas das profissões liberais. Em Portugal, o número de profissionais liberais tem vindo a crescer mas está abaixo da média europeia, representando 16,5% do emprego direto , 26,3% do tecido empresarial e 28,7% do investimento empresarial em I&D, Investigação e Desenvolvimento. Em Espanha, onde as profissões e os profissionais liberais estão muito mais protegidos nos seus direitos e valorizados nos seus deveres, o número de profissionais representa 14,4% do emprego direto e 19,1% do tecido empresarial. |
Com participação de representantes de Espanha e Brasil
Forum Profissional Liberal debate nova tendências
A Representatividade dos Profissionais Liberais, o Estatuto do Profissional Liberal, o Exercício das Profissões Liberais em Portugal, na Europa e no Mundo e o Futuro das Profissões Liberais, são alguns dos temas em debate no primeiro Forum Profissional Liberal, que decorre no dia 23 de setembro, na Biblioteca Almeida Garret, no Porto.Forum Profissional Liberal debate nova tendências
A presença de Pedro Abrunhosa, probono, um dos mais reconhecidos homens de palco em Portugal também ele profissional liberal, no campo das artes e da cultura, ajudará a evidenciar os profissionais liberais das artes e cultura, com as suas especificidades ainda mais vincadas que noutras profissões de reconhecimento dos direitos de autor e da propriedade intelectual.
A iniciativa da ANPL conta com a participação de representantes internacionais do CEPLIS. Conselho Europeu das Profissões Liberais e da Unión Profesional de Espanha, que agrupa cerca de 1,5 milhões de profissionais abrangendo os subsetores jurídico, da saúde, económico, social, científico, arquitetura, engenharia e docência,
O Brasil está representado através da Confederação Nacional das Profissões Liberais, uma estrutura sindical que abrange 31 federações filiadas, mais de 500 sindicatos representantes de 55 profissões e de cerca de 15 milhões de profissionais.
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