A renúncia de Bento XVI é um exemplo para os líderes de empresas familiares
“Depois de examinar reiteradamente a minha consciência perante Deus, cheguei à certeza de que, pela idade avançada, já não tenho forças para exercer adequadamente o ministério de Pedro (petrino). No mundo atual, sujeito a rápidas transformações e sacudido por questões de grande relevância para a vida da Fé, para governar a barca de S. Pedro e anunciar o Evangelho é necessário também vigor, tanto do corpo como do espírito. Vigor que, nos últimos meses, diminuiu em mim de forma que tenho de reconhecer a minha incapacidade para exercer de boa forma o ministério que me foi encomendado.” Vaticano, 10 de fevereiro de 2013
Estas singelas e humildes palavras do papa Bento XVI levaram-me a uma imediata reflexão e tentativa de estabelecer um paralelo com o que se passa com a liderança das empresas familiares e, sem grande esforço, o seu alargamento a qualquer outro tipo de organização ou de estado soberano.
Foco-me essencialmente em duas constatações:
• A existência de naturais limitações físicas humanas ao exercício de uma função,
• A evolução contínua e acelerada do mundo externo exige cada vez mais de qualquer líder.
Esta visão da realidade e atuação de acordo com o seu pensamento demonstra um conjunto de qualidades ímpares num líder: um total desapego dos cargos ou poder e o reconhecimento de que o importante é a obra e a sua continuidade, em detrimento do seu líder temporal.
Já Gregório XII, em 1415, ao abdicar para terminar com a divisão profunda reinante na Igreja Católica – o Grande Cisma do Ocidente –, na qual a existência de dois papas não era compatível com a desejável união da Igreja, demonstrou um sentido de responsabilidade e elevação a um nível que pouco frequentemente encontra paralelo noutros timoneiros.
Se olharmos em redor, facilmente identificamos exemplos a nível de empresas, organizações e países nos quais um dos mais difíceis, mas mais importantes papéis de um líder, tende a ser esquecido ou eternamente adiado: a preparação de um sucessor e a passagem de testemunho (independentemente dos distintos sistemas de maior ou menor participação dos visados).
Felizmente que, tal como D. José Policarpo, cardeal patriarca de Lisboa, salientou “o importante para o futuro da Igreja Católica é “identificar a pessoa com capacidade de dirigir a Igreja”, também grandes gestores portugueses consideram que a sua obra é muito mais importante que “o artista” e assim, com humildade e grande sabedoria, o demonstram preparando, acompanhando sabiamente a continuidade num novo rosto e, muito importante, depositando o futuro com toda a confiança.
Manifesto assim a minha sincera admiração a empresários como Alexandre Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, José Manuel Fernandes e Luís Portela, cujo exemplo de passagem de testemunho com preparação, identificação, efetiva concretização, pode e deve ser alvo de admirável apreciação.
Relevo também o papel futuro que cada um destes ativos empresários decidiu abraçar após a passagem de testemunho, que encontra também paralelo neste ato do Santo Padre: “Pelo que me diz respeito, também no futuro, quero servir com todo o meu coração à Santa Igreja de Deus com uma vida dedicada à oração”.