DEVER DE VIGILÂNCIA - Atividades perigosas
Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.09.2012
Fonte: site do STJ - www.dgsi.pt
Fonte: site do STJ - www.dgsi.pt
A decisão do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 11 de setembro de 2012, foi sumariada do seguinte modo:
I - Provado que, no decurso de um treino de hóquei em patins realizado a 07-04-1998 nas instalações do clube 2.º réu, no qual participavam, entre outros, o autor, de 9 anos de idade, e o 1.º réu, de 8 anos, inscrito por este clube como atleta federado, o 1.º réu levantou o seu stick acima da sua cintura e da do autor e embateu com o mesmo no lado esquerdo da cara do autor, no olho esquerdo e respetiva arcada do globo ocular, causando-lhe ferida córneo escleral, com expulsão do conteúdo intraocular, não permite tal factualidade a qualificação como culposa da conduta do 1.º réu, pelo que não poderá este ser responsabilizado pelos danos sofridos pelo autor, embora seja passível de imputabilidade para efeitos de responsabilização civil, uma vez que tinha mais de 7 anos de idade (art. 488.º, n.º 2, do CC).
II - Os pais do 1.º réu, atenta a sua qualidade de pais de um menor, estavam obrigados ao dever da respetiva vigilância, decorrente da sua incapacidade natural para certos atos e não necessariamente da sua menoridade (arts. 122.º, 1877.º, 1878.º, n.º 1, 1881.º, n.º 1, e 1885.º, n.º 1, do CC).
III - A culpa in vigilando prevista no art. 491.º do CC consiste em responsabilidade por facto próprio, decorrente da presunção legal de omissão da vigilância adequada por parte de quem a ela está obrigado, e não de responsabilidade por facto de outrem.
IV - Tal responsabilidade só pode ser excluída por uma de duas formas: ou ilidindo a presunção legal de culpa, ou provando que os danos teriam, igualmente, ocorrido ainda que tivesse sido cumprido o dever de vigilância por quem a tal estava obrigado por lei ou negócio jurídico.
V - O dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso e tendo em conta as conceções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas com dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações; assim, não poderá considerar-se culpado a tal título quem, de acordo com tais conceções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe.
VI - Tidas em conta aquelas conceções e costumes e fazendo uso dum recomendável juízo de valor pouco severo, tem de considerar-se que os pais do 1.º réu, não só não incorreram em violação do questionado dever, como também assumiram uma conduta idónea à não verificação dos ocorridos danos, já que haviam como que delegado no clube 2.º réu a incumbência da vigilância do menor enquanto sob a sua dependência, para além de, simultaneamente e em segurança, investirem, correta e adequadamente, na futura valorização do menor, encontrando-se ilidida a presunção de culpa in vigilando sobre si, à partida, impendente e, como tal, excluída a respetiva responsabilização cível relativamente ao ato ilícito praticado pelo menor.
VII - A atividade de prática de patinagem, no circunstancialismo emergente dos autos - tendo em consideração o tamanho desproporcionado dos sticks face à idade infantil dos praticantes, bola pesadíssima e com previsível e eventual impacto mortal, ausência de proteção adequada dos sticks e de uso obrigatório de máscara e/ou capacete protetor dos jogadores de campo, tudo em conjugação com a fogosidade, imprudência e emulação típicas daquela idade -, constitui atividade perigosa, nos termos previstos no art. 493.º, n.º 2, do CC.
VIII - Tem o clube 2.º réu de ser considerado responsável, a título subjetivo-culposo ou de responsabilidade delitual/aquiliana, pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo autor em consequência do evento em causa (arts. 483.º e segs. do CC), uma vez que não provou ter empregue as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir tais danos.
IX - Tendo o clube 2.º réu tal responsabilidade, terá também de responder - dentro dos limites das condições constantes da respetiva apólice de seguro - a ré seguradora, atento o preceituado nos revogados arts. 426.º a 428.º do CCom. e nos arts. 2.º, n.º 1, e 1.º, respetivamente, do Preâmbulo e do DL n.º 72/08, de 16-04, responsabilidade que é solidária, dentro dos sobreditos limites, atento o disposto no art. 497.º, n.º 1, do CC.
X - Resultando da matéria de facto provada que o autor, nascido a 13-05-1988, tem 24 anos de idade, encontrando-se apto para ingressar no mercado de trabalho, onde, em termos de previsível normalidade e não obstante as correspondentes dificuldades atuais - mas que se espera sejam, no curto ou médio prazo, removidas -, poderia vir a auferir um salário médio não inferior a ¤ 800 mensais, considerando um período de vida ativa de mais 40 anos, tendo em conta o mencionado salário, duração previsível de vida ativa e o grau de IPP de 35% de que ficou a padecer em consequência do ato em causa, entende-se, em prudente juízo de equidade formulado nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do CC, quantificar os danos patrimoniais futuros em ¤ 150 000.
Neste recurso interposto junto do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça discute-se a seguinte matéria:
- Saber se os RR.-recorridos são, perante si (autor), civilmente responsáveis e, na afirmativa, se o são na medida por si impetrada.
O A. imputa responsabilidade civil extracontratual (rectius, extraobrigacional) - delitual, aquiliana ou a título subjetivo-culposo aos dois primeiros grupos de RR., qualificando de origem ou fonte contratual a responsabilidade dos demais RR.
Com efeito, nos termos preceituados pelo art. 483º , nº1, do CC, "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação". Sendo que, nos termos do art. 487º, nº1, do mesmo Cod., "É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa" E esta "é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso" (nº2 do mesmo art.).
Mas, por outro lado, prescreve o nº 2 do citado art. 483º que "Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei".
Ora, no caso em análise, não ocorre esta última hipótese, sendo, por outro lado, certo que também se não verifica qualquer situação donde possa emergir a sobredita presunção de culpa associada à conduta do mesmo menor.
Assim, o pressuposto da culpa cumulativamente exigido para a integração da falada responsabilidade civil teria de marcar a sua presença a título de dolo ou de culpa stricto sensu, esta numa das duas modalidades em que pode bifurcar-se, ou seja, de negligência consciente ou inconsciente, nos termos, adequadamente, abordados na sentença da 1ª instância.
Só que a factualidade provada que, aqui e a propósito, pode e deve ser convocada não consente que a questionada conduta do menor possa ser qualificada como culposa, nos termos latos que ficaram enunciados: tão só se provou, na perspetiva que, ora, releva que "No decurso do referido treino ocorrido em 7 de abril de 1998, o R. FF levantou o seu stick acima da sua cintura e da do A. e embateu com tal stick no lado esquerdo da cara do autor, no olho esquerdo e respetiva arcada do globo ocular do mesmo" e, bem assim, que "Não consta que, até 7 de abril de 1998, o FF tenha alguma vez sido repreendido por agressões a colegas nos treinos, ou que tenha sido alvo de censura por comportamentos antidesportivos".
Nada, com efeito, na factualidade provada, nos pode encaminhar para a admissão de dolo (em qualquer das suas modalidades: direto, necessário e/ou eventual) que tenha presidido à mencionada atuação do menor, o qual, não fora a idade deste, constituiria um dos elementos integrantes do correspondente tipo legal de crime. Bem ao contrário, no circunstancialismo ocorrente e considerando a "verdura" da idade do mesmo menor - ainda não tinha completado 9 anos de idade -, tudo conduz a que se considere que aquele não representou mentalmente, nem, tão pouco, quis - ou admitiu como necessário ou eventual resultado da sua ação - atingir o CC na respetiva integridade física, antes visando, tão somente, no vigor e irreflexão propiciados por aquela idade, impedi-lo, adentro das regras do jogo, de prosseguir a respetiva jogada. Não tendo, pois, chegado a prever o maléfico resultado dessa sua conduta, nem sendo, em tal circunstancialismo e com recurso ao mencionado critério da diligência que seria usada por um «bonus pater familias», de exigir-lhe que o tivesse previsto. Ou seja, tal conduta do menor FF está desacompanhada do "condimento" da culpa "lato sensu", quer na modalidade de dolo, quer na de culpa stricto sensu, nas suas variantes de negligência consciente e de negligência inconsciente, não podendo, pois, ser fonte da questionada responsabilidade civil.
Não podendo, pois, o menor FF ser responsabilizado civilmente, como pretendido se mostra pelo A.
o A. filiou a demanda dos RR. DD e EE na responsabilidade civil em que estes, na qualidade de pais do menor FF, se constituíram perante si, por lhes dever ser assacada "culpa in vigilando" do mesmo menor, nos termos previstos no art. 491º do CC. Esta pretensão carece de apoio legal.
Certo que, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 122º, 1877º, 1878º, nº1, 1881º, nº1 e 1885º, nº1, todos do CC na redação dada pelo DL nº 496/77, de 25.11, os sobreditos RR. estavam, na indicada qualidade de pais do menor FF, obrigados ao dever da respetiva vigilância decorrente da sua incapacidade natural para certos atos e não necessariamente da sua menoridade.
E o citado art. 491º estatui que "As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido".
Trata-se de responsabilidade por facto próprio decorrente da presunção legal de omissão da vigilância adequada por parte de quem a ela está obrigado e não de responsabilidade por facto de outrem ("in casu", do menor FF).
E, nos termos legais, tal responsabilidade só pode ser excluída por uma de duas formas: ou ilidindo a presunção legal de culpa, ou provando que os danos teriam, igualmente, ocorrido ainda que tivesse sido cumprido o dever de vigilância por quem a tal estava obrigado por lei ou negócio jurídico.
No entanto, quer a doutrina, quer a jurisprudência chamam a atenção para que o dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso e tendo em conta as conceções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas que têm o dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações. Assim, não poderá considerar-se culpado a tal título quem, de acordo com tais conceções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe
Em consonância, decidiu-se, no Ac. deste Supremo, de 23.01.07 - COL/STJ - 1º/30 - que "Não é exigível a nenhum obrigado à vigilância que acompanhe o vigilando para todo o lado, num policiamento impossível e castrante". E, no Ac. deste Supremo, de 06.05.08 - Proc. 08A1042.dgsi.Net -, que "O dever de vigilância, cuja violação implica responsabilidade presumida, culpa in vigilando, não deve ser entendido como uma obrigação quase policial dos obrigados (sejam pais ou tutores), em relação aos vigilandos porque, doutro modo, o não deixar, sobretudo no que ao poder paternal respeita, alguma margem de liberdade e crescimento do menor, seria contraproducente para a aquisição de regras de comportamento e vivências compatíveis com uma sã formação do caráter e contenderia com a desejável inserção social".
No caso dos autos, parece óbvio que os pais do FF não podem ser considerados como tendo incorrido em correspondente culpa in vigilando relativamente ao ato ilícito praticado pelo menor.
Na realidade, no quadro fáctico emergente dos autos, tem de assentar-se em que, ponderadas as sobreditas conceções e costumes dominantes, com focagem no caso em apreço, tais RR. ilidiram a presunção de culpa in vigilando sobre si, e à partida, impendente. É que, no caso em apreço e tidas em conta aquelas conceções e costumes, fazendo uso dum recomendável juízo de valor pouco severo, tem de considerar-se que os pais do FF não só não incorreram em violação do questionado dever, como também assumiram uma conduta idónea à não verificação dos ocorridos danos, já que haviam como que delegado no "GG" a incumbência da vigilância do menor enquanto sob a sua dependência, para além de, simultaneamente e em segurança, investirem, correta e adequadamente, na futura valorização do menor.
Excluída, pois, a pretensa responsabilização cível dos pais do menor FF, improcedem as correspondentes conclusões formuladas pelo recorrente.
O A.-recorrente filia a responsabilidade civil do R. "GG" no facto de, contra o regulamentado, não haver fornecido aos atletas o capacete protetor com viseira, tendo ainda permitido que o FF usasse um stick lascado que raspou na cara e no olho do A., o que consubstancia atuação com negligência, uma vez que não assegurou o respeito das regras do jogo (quer pelo R. FF, quer pelo seu treinador, JJ) e não forneceu os equipamentos adequados, nem as condições de segurança para o seu desenrolar, permitindo a utilização de material deteriorado.
Ora, é certo que "Os RR. "GG" e "HH" não forneceram ao A. nem ao R. FF capacete protetor com viseira" .
No entanto, como, correta e adequadamente, ponderado na sentença, "No que concerne ao fornecimento do equipamento necessário, preceitua o art. 12º das «Regras do Jogo do Hóquei em Patins», sob a epígrafe «Instrumentos de Proteção dos Jogadores» (regras estas que são aplicáveis, em nosso entender...também aos treinos e não apenas aos jogos) que as proteções metálicas estão proibidas para todos os jogadores, ressalvando-se a situação dos guarda-redes, que poderão usar capacete e máscara, desde que as partes metálicas sejam revestidas de outro material, tal como plástico, couro, borracha ou tela; e ainda a situação dos demais jogadores, os quais, querendo, poderão usar, se o desejarem, um capacete ligeiro de proteção, em couro ou plástico (...) Daqui resulta, pois, a não obrigatoriedade do uso de capacete de proteção e, logo, a não obrigatoriedade do seu fornecimento pelo clube e, bem assim, a circunstância de, querendo usar essa mesma proteção, terem de ser os jogadores, maxime os seus progenitores, no caso de menores, a providenciar pela sua compra (sendo certo que até relativamente ao demais equipamento, da matéria de facto dada como provada resulta que a sua aquisição e manutenção era igualmente da responsabilidade dos atletas e respetivos encarregados de educação - vide a resposta aos quesitos 5º, 6º, 65º e 66º -, fornecendo o R. «GG» as bolas - vide a resposta ao quesito 7º) (...) No que diz respeito ao uso do stick lascado, de referir não ter resultado provado que o R. tivesse permitido tal uso (e ainda, acrescentamos nós, que o próprio stick estivesse lascado, porquanto tal não resulta igualmente da mesma matéria de facto) (...) Por fim, também no que se refere à violação das regras do jogo pelo treinador JJ, o qual superintendia nos treinos, temos de concluir que a mesma, face ao anteriormente exposto, não resultou demonstrada, atenta a factualidade provada em sede de audiência de julgamento, para além de que, contrariamente ao alegado, ficou apenas provado não constar que, até 7 de abril de 1998, o FF tenha alguma vez sido repreendido por agressões a colegas nos treinos, ou que tenha sido alvo de censura por comportamentos antidesportivos (resposta aos quesitos 73º e 74º), afigurando-se ainda absolutamente irrelevante que o R. FF tenha continuado a jogar no «GG» após a referida data".
Assim, temos de concluir, que indemonstrada ficou a responsabilidade contratual imputada ao R. "GG", mesmo que, com o A., se admitisse como aplicável ao caso o preceituado no art. 800º, nº1, do CC.
Daí que, entende-se no STJ não se configurar a responsabilidade civil aquiliana ou delitual do mesmo R., improcedendo as correspondentes conclusões formuladas pelo recorrente.
O recorrente insiste na responsabilidade civil, de natureza contratual, da R. "HH", dada a deficiente vigilância por si exercida da ação de formação levada a cabo, no dia 7 de abril de 1998, e, bem assim, por via dos atos praticados pelo menor FF que, no momento, se encontrava a jogar em representação da mesma Federação, enquanto atleta federado.
No entanto, tal pretensão do recorrente está desprovida de qualquer consistência jurídica, atendendo ao seguinte conjunto de razões:
- A sobredita R. é, nos termos dos estatutos em vigor, uma associação de direito privado sem fins lucrativos, constituída para a organização e desenvolvimento dos desportos da patinagem (art. 2º);
- Enquanto a prática direta de atividades desportivas incumbe aos clubes desportivos, às federações desportivas - englobando praticantes, clubes e agrupamentos de clubes - cumpre, por seu turno, promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva, representando perante a Administração Pública os interesses dos seus associados, representando, ainda, a respetiva modalidade desportiva perante organizações paralelas estrangeiras e internacionais - arts. 20º e 21º da Lei nº 1/90, de 13.01 - "Lei de Bases do Sistema Desportivo";
- Tendo-lhe sido concedido o estatuto de utilidade pública desportiva, exerce a mesma, nos termos do disposto nos arts. 7º e 8º do DL nº 144/93, de 26.04, poderes no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas que se desenvolvam no quadro das várias disciplinas de patinagem;
- Não pode, pois, ser confundido o plano da organização e desenvolvimento da prática direta da modalidade, levada a cabo através da atividade própria dos clubes existentes, com o plano da atividade regulamentar ou organizativa das competições de âmbito nacional, estas diretamente dependentes da própria federação;
- A estrutura territorial da R. é de âmbito nacional, organizando-se através das associações de patinagem nela filiadas, constituindo agrupamentos de clubes com a categoria de sócios coletivos da Federação e sendo dotadas de poderes administrativos e financeiros, bem como de organização, regulamentação e disciplina nas provas de seu âmbito territorial;
- A "HH" é, pois, estranha a qualquer treino promovido por clubes seus associados, incluindo o mencionado nos autos, não lhe cabendo organizar nem dirigir quaisquer treinos próprios da atividade regular da prática desportiva levada a efeito pelos diversos clubes, o que, além do mais, seria inexequível;
- Tal atividade é da direta esfera e âmbito de competência do clube em causa, porquanto se apresentam os treinos como manifestação da própria prática desportiva, sendo indispensáveis à preparação e qualificação dos próprios praticantes desportivos;
- Por outro lado, não cumpre à Federação fornecer equipamento para a prática desportiva desenvolvida pelos clubes, sendo certo que, não sendo aquela a entidade organizadora do treino em questão e não havendo o mesmo decorrido sob a sua responsabilidade ou direção, nenhuma intervenção teve - nem poderia ter - no desenvolvimento do mesmo;
- No treino mencionado nos autos, nem o CC nem o FF atuavam em nome ou representação da Federação, já que não de tratava de participação em seleção nacional nem de qualquer competição por si organizada;
- Ainda porque o desenvolvimento e organização interna dos treinos ou da aprendizagem da modalidade obedecem aos critérios técnicos do formador/treinador.
Prescreve, no entanto, o art. 493º, nº2, do CC que "Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir".
Como ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, "Não se diz, no nº2" - do art. 493º do CC - "o que deve entender-se por uma atividade perigosa" - e bem, diz-se no Ac. deste Supremo, de 13.10.09 (COL/STJ - 3º/94), uma vez que essa é tarefa da doutrina e da jurisprudência. "Apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da atividade...ou da natureza dos meios utilizados (tratamentos médicos com raios x, ondas curtas, etc). É matéria, pois, a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias".
Na lição do Prof. Almeida Costa, deve tratar-se de atividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, "tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral".
Ainda o Prof. Antunes Varela sustenta, igualmente - desta vez, a solo - que "o caráter perigoso da atividade (causadora dos danos) pode resultar...ou da própria natureza da atividade (fabrico de explosivos, confeção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou com raios x, corte de papel com guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, etc.)" ou até da natureza inflamável dos materiais guardados e que exigem certos cuidados.
O mesmo civilista ensina que um dos indícios do critério legal da qualificação de alguma atividade como perigosa, no âmbito do citado art. 493º, 2, consiste em ter estado no pensamento do legislador a ideia de que o agente de atividades perigosas, para ilidir a presunção de culpa sobre si impendente terá de provar a adoção de providências especiais a tal destinadas, à distância e não em termos de observância contínua.
Por seu turno, o Prof. Menezes Leitão, a propósito do sobredito comando legal, refere que "Esta responsabilização parece ser estabelecida a um nível mais objetivo do que o que resulta das disposições anteriores, uma vez que, além de não se prever a ilisão da responsabilidade com a demonstração da relevância negativa da causa virtual, parece-se exigir ainda a demonstração de um grau de diligência superior à das disposições anteriores, uma vez que, em lugar da simples prova da ausência de culpa (apreciada nos termos do art. 487º, nº2), o legislador exige a demonstração de que o agente «empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir» os danos, o que parece apontar para um critério mais rigoroso de apreciação da culpa, ou seja, para o critério da culpa levíssima.
Ora, nesta matéria e no caso dos autos entende o STJ que a atividade de prática de patinagem, no circunstancialismo emergente dos autos, como aconselha a doutrina e a jurisprudência - tendo em consideração o tamanho desproporcionado dos sticks face à idade infantil dos praticantes, bola pesadíssima e com previsível e eventual impacto mortal, ausência de proteção adequada dos sticks e de uso obrigatório de máscara e/ou capacete protetor dos jogadores de campo, tudo em conjugação com a fogosidade, imprudência e emulação típicas daquela idade - constitui atividade perigosa, nos termos previstos no citado art. 493º, nº2 do CC.
Tendo, pois, o R. "GG" de ser considerado responsável, a título subjetivo-culposo ou de responsabilidade delitual/aquiliana, pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo A.-recorrente em consequência do evento a que se reportam os autos (arts. 483º e segs. do CC), uma vez que não provou, minimamente, ter empregue as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir tais danos.
E tendo este R. tal responsabilidade, terá também de responder - dentro dos limites das condições constantes da respetiva apólice de seguro - a R.-seguradora, atento o preceituado nos revogados arts. 426º a 428º do CCom. e nos arts. 2º, nº1 e 1º, respetivamente, do Preâmbulo e do DL nº 72/08, de 16.04. Responsabilidade que é solidária, dentro dos sobreditos limites, atento o disposto no art. 497º, nº1, do CC.
Em consequência do sinistro versado nos autos, sofreu o A.-recorrente danos de natureza patrimonial e não patrimonial de que, nos termos sobreditos, deve ser ressarcido.
A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria "se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação" (art. 562º, do CC - como os demais que, sem menção da respetiva origem, vierem a ser citados). Sendo que "dano" é a perda, "in natura", que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar" (Prof. Antunes Varela, in "Das Obrigações", 7ª Ed. - 591).
Manda, ainda, a lei - art. 564º, nº2, do CC - atender aos danos futuros, desde que previsíveis, fórmula que contempla a possibilidade de aplicação aos danos emergentes plausíveis. Sendo que, "Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados" (art. 566º, nº3, do CC).
Face ao exposto o STJ acordou em conceder, parcialmente, a revista, em consequência revougou o acórdão recorrido e na parcial procedência da ação decidiu::
- condenar o R. "GG", atento o preceituado no art. 661º, nº1, a pagar ao A.-recorrente a quantia global de ¤ 144 538,00 (cento e quarenta e quatro mil quinhentos e trinta e oito euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e, bem assim, do montante - a liquidar em execução de sentença - das despesas referentes a assistência médica, medicamentosa, intervenções cirúrgicas e custos associados, para tratamento e recuperação da visão do olho esquerdo do A.;
condenar a R. "Companhia de Seguros Europeia, S. A." a pagar ao A., solidariamente com aquele R., a quantia referida na antecedente al. a) e demais acréscimos condenatórios que - aquela e estes - se mostrem abrangidos nos limites e condições constantes da respetiva apólice.