Impacto das alterações
Decorridos mais de dois meses sobre a entrada em vigor da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro (entrou em vigor no dia 10 de abril), que alterou o regime da propriedade horizontal, interessa refletir sobre o impacto que esta teve na atividade da administração de condomínios, no setor imobiliário e na sociedade.
Destas alterações destaca-se uma maior facilidade de modificação do título constitutivo (desde que não seja sobre as condições de uso, valor relativo ou o fim a que as frações de destinam); a possibilidade de realização das assembleias, a título excecional, no primeiro trimestre do ano (a lei impõe a sua realização na primeira quinzena de janeiro); a possibilidade de utilização de correio eletrónico nas comunicações entre administrador do condomínio e condóminos; a possibilidade de realização da assembleias de condóminos meia hora depois da hora agendada, desde que, nessa altura, os presentes representem, no mínimo, um quarto do valor total do prédio; a atribuição de novas funções e responsabilidade ao administrador do condomínio; a obrigatoriedade de apresentação, no ato de celebração da escritura de compra e venda ou documento particular autenticado, de declaração de encargos de condomínio da fração a alienar, com informação sobre eventuais dívidas ao condomínio, embora a sua apresentação possa ser dispensada pelo comprador que, neste caso, assumirá todos os encargos e dívidas dessa fração; as dívidas que se vençam em data posterior à transmissão da fração e que constituam encargos de condomínio, independentemente da sua natureza, passam a ser da responsabilidade do adquirente; passa a ser obrigatório identificar os condóminos ausentes na ata da respetiva assembleia; os condóminos estão obrigados a transmitir ao administrador os seus dados pessoais, como o NIF e morada, bem como a comunicar a transmissão da sua fração; o dinheiro do fundo comum de reserva poderá ser utilizado para outro fim que não seja a realização de obras de conservação, devendo ser reposto no prazo de 12 meses; o título executivo passa a abranger também os juros de mora, bem como as sanções pecuniárias; as assembleias de condóminos poderão ser realizadas por meios de comunicação à distância.
Há muito que se aguardava a alteração ao regime da propriedade horizontal, que tem quase 60 anos e estava absolutamente desajustado da realidade, mas o que tivemos foi uma lei que deu apenas uns pequenos, embora importantes, passos, mas que deixa abertura para que dela se retirem diferentes interpretações, com as consequências negativas que daí advêm, como a insegurança jurídica. A título de exemplo, assinalo algumas das fragilidades/incongruências:
Já no que respeita ao impacto no mercado imobiliário, apesar de desconhecer os dados do setor, não me parece credível que o possa influenciar negativa ou positivamente; isto porque são poucas as medidas que, direta ou indiretamente, estão relacionadas com este mercado. Podemos considerar que há duas medidas de maior impacto: a primeira é a que impõe a apresentação de declaração dos encargos do condomínio e das dívidas, no ato da escritura de compra e venda de fração ou da celebração de documento particular autenticado; a segunda, é a responsabilidade que o novo proprietário passa a ter pelo pagamento das prestações ao condomínio, que se vençam após a aquisição, independentemente da data da sua aprovação. Estas medidas irão impor aos potenciais compradores um maior conhecimento sobre a realidade dos encargos de condomínio, o que até aqui não acontecia, bem como uma maior transparência sobre a situação da fração perante o condomínio, por parte do vendedor. De qualquer forma, não creio que este aspeto constitua um fator desmobilizador dos negócios.
Para o consumidor/condómino estas alterações têm sido recebidas de forma muito positiva, porque se desmaterializa a comunicação entre administrador e condóminos, porque possibilita a realização das assembleias por meios de comunicação à distância, mas especialmente por causa da obrigatoriedade de o condómino vendedor ter de apresentar a já referida declaração no ato da escritura de compra e venda, que tem gerado, de forma significativa, a entrada de mais receita nos condomínios, e que reduzirá as dívidas incobráveis, embora a medida não se aplique às vendas judiciais.
Sobre esta declaração têm surgido diversas dúvidas, quer quanto ao seu conteúdo, que me parece bem explícito na lei, quer quanto à cobrança de honorários pela sua emissão.
Em relação a esta cobrança, entendemos que o administrador está obrigado à emissão da declaração, por força do disposto no artº 1436º do C.C., que determina as suas funções. É verdade que, no início do contrato de prestação do serviço de administração, não impendia sobre o administrador a obrigação de emitir a declaração, que poderá originar algum trabalho extraordinário, como a verificação, caso a caso, da conta bancária do condomínio, para certificação de pagamento que, alegadamente, tenha sido efetuado apenas no dia ou dias antes da emissão da declaração. Também é verdade que o administrador do condomínio tem 10 dias para emitir a declaração e que grande parte dos pedidos são feitos para que a declaração seja emitida no próprio dia ou dia seguinte. Assim, é meu entendimento que o serviço só deverá ser cobrado ao condómino que, diga-se, não tem outra alternativa nem forma de obter a declaração, quando previamente acordado entre as partes; ou seja, se o administrador, ao celebrar com o condomínio o contrato de prestação de serviço de administração, informar que o valor dos seus honorários não inclui a emissão da declaração, até porque esta é emitida a pedido do condómino e deverá ser por este paga, e informar qual o valor desse serviço e este seja aprovado pelos condóminos, passa a valer esse acordo. Não havendo acordo, na minha modesta opinião, que deixo como mera sugestão, o administrador, que tem 10 dias para emitir a declaração, não deverá cobrar honorários pela sua emissão, excluindo despesas que daí possam advir como. por exemplo, o reconhecimento da assinatura que, não estando previsto na lei, tem sido exigida por algumas entidades.
Vitor Amaral
Presidente da direção da APEGAC – Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Administração de Condomínios
Destas alterações destaca-se uma maior facilidade de modificação do título constitutivo (desde que não seja sobre as condições de uso, valor relativo ou o fim a que as frações de destinam); a possibilidade de realização das assembleias, a título excecional, no primeiro trimestre do ano (a lei impõe a sua realização na primeira quinzena de janeiro); a possibilidade de utilização de correio eletrónico nas comunicações entre administrador do condomínio e condóminos; a possibilidade de realização da assembleias de condóminos meia hora depois da hora agendada, desde que, nessa altura, os presentes representem, no mínimo, um quarto do valor total do prédio; a atribuição de novas funções e responsabilidade ao administrador do condomínio; a obrigatoriedade de apresentação, no ato de celebração da escritura de compra e venda ou documento particular autenticado, de declaração de encargos de condomínio da fração a alienar, com informação sobre eventuais dívidas ao condomínio, embora a sua apresentação possa ser dispensada pelo comprador que, neste caso, assumirá todos os encargos e dívidas dessa fração; as dívidas que se vençam em data posterior à transmissão da fração e que constituam encargos de condomínio, independentemente da sua natureza, passam a ser da responsabilidade do adquirente; passa a ser obrigatório identificar os condóminos ausentes na ata da respetiva assembleia; os condóminos estão obrigados a transmitir ao administrador os seus dados pessoais, como o NIF e morada, bem como a comunicar a transmissão da sua fração; o dinheiro do fundo comum de reserva poderá ser utilizado para outro fim que não seja a realização de obras de conservação, devendo ser reposto no prazo de 12 meses; o título executivo passa a abranger também os juros de mora, bem como as sanções pecuniárias; as assembleias de condóminos poderão ser realizadas por meios de comunicação à distância.
Há muito que se aguardava a alteração ao regime da propriedade horizontal, que tem quase 60 anos e estava absolutamente desajustado da realidade, mas o que tivemos foi uma lei que deu apenas uns pequenos, embora importantes, passos, mas que deixa abertura para que dela se retirem diferentes interpretações, com as consequências negativas que daí advêm, como a insegurança jurídica. A título de exemplo, assinalo algumas das fragilidades/incongruências:
- No artigo 1424º do Código Civil (CC) diz-se que as despesas do condomínio são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações e noutro artigo (1424º-A do CC) diz-se que a responsabilidade pelas dívidas é aferida em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada e que os encargos de condomínio que se vençam posteriormente à transmissão, são da responsabilidade do novo proprietário. Parece-me uma clara incoerência entre as duas normas, embora se possa dizer que a última se refere aos casos de alienação.
- O já referido artigo 1424º define que as reparações de conservação nas partes comuns de uso exclusivo de uma fração são da responsabilidade do condomínio, mas também diz que essa regra se aplica quando afete as partes comuns, o que não faz sentido, porque pode afetar uma fração autónoma, como acontece, por exemplo, no caso de infiltrações por falta de estanquicidade dos terraços de cobertura, que afeta em primeiro lugar as frações imediatamente por baixo, o que parece, numa interpretação à letra, que, nestes casos, a reparação não será suportada pelo condomínio.
- A norma (artº 1431º do CC) que impõe a realização, na primeira quinzena de janeiro, das designadas assembleias ordinárias, manteve-se, sendo criado apenas um regime excecional para a sua realização no primeiro trimestre do ano. No entanto, sabe-se que é humana e materialmente impossível uma empresa de administração de condomínios realizar toda as assembleias da sua carteira de clientes num período tão curto (primeira quinzena de janeiro). Além disso, hoje há condomínios com orçamentos de despesas correntes de centenas de milhares de euros e, tendo o administrador que convocar a assembleia com dez dias de antecedência com o envio das contas, teria de encerrar o exercício económico ainda antes do final do ano. Por último, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que aquela norma não é imperativa, por não salvaguardar o interesse de terceiros, pelo que nada impede que os condóminos aprovem um exercício do condomínio não coincidente com o ano civil. Por isso, o legislador poderia e deveria ter alterado esta norma de formar a permitir a realização das assembleias no prazo de 60 ou 90 dias, após terminar o respetivo exercício.
- No que respeita à introdução da possibilidade de utilização de correio eletrónico, apesar de se saudar, pode considerar-se que se trata de uma deficiente construção normativa, porque impõe que os condóminos manifestem em assembleia a vontade de receber correspondência do condomínio por email, ficando a constar da ata o respetivo endereço de correio eletrónico, que é um dado pessoal e, como tal, poderá vir a ser considerada uma violação do Regulamento Geral da Proteção de Dados. Além disso, pela letra da lei, um condómino que habitualmente não compareça na assembleia, está impedido de receber a correspondência do condomínio por correio eletrónico, por que só na assembleia poderá manifestar a sua vontade. Teria sido muito mais simples, objetivo e inatacável, que os condóminos emitissem declarações individuais a manifestar essa vontade e a identificar o endereço de correio eletrónico. Ainda sobre o correio eletrónico, a lei prevê que os condóminos emitam recibo de receção dos emails que recebam. Porém, a lei não determina qualquer prazo, nem cominação, deixando azo a interpretações distintas, por tanto se poder considerar que o condómino está convocado/notificado, como se pode considerar que o administrador deverá proceder à sua convocação/notificação por correio registado ou registado com aviso de receção, conforme o caso… embora sem saber qual o tempo que deva aguardar pelo recibo.
- Está prevista a subscrição da ata por correio eletrónico, mas não se prevê também qualquer prazo para essa subscrição ou qualquer cominação, o que levanta o mesmo problema ao administrador, por não saber quanto tempo deverá aguardar e o que fazer caso não receba a subscrição.
- No caso das assembleias através de meios de comunicação à distância, o regime provisório previa que, na impossibilidade da sua realização por aqueles meios, poderiam ser realizadas no modelo misto ou presencial. Com esta alteração, eliminou-se a possibilidade de realizar a assembleia no modelo misto, o que é um absurdo, por ser a forma de realização mais utilizada, dado que, em quase todos os condomínios, há sempre alguns condóminos que, por motivos vários, não aderem aos meios virtuais e, desta forma, o legislador retira a possibilidade aos restantes condóminos de participarem na assembleia sem estar fisicamente presentes, impondo a sua presença física.
- O fundo comum de reserva serve para custear despesas de conservação e visa evitar a degradação do edificado. Ao ser permitida a sua utilização para outro fim, embora se imponha, sem qualquer cominação, que a verba utilizada seja restituída no prazo máximo de um ano, vulgariza-se o fundo de reserva, que já por si é difícil de constituir, por falta de cominação para o incumprimento ou incentivo para a sua constituição.
- Apesar da obrigatoriedade de os condóminos informarem o administrador sobre os seus dados pessoais, como o número fiscal, morada e contactos, não se prevê qualquer prazo nem cominação, o que torna a norma inócua, quando existe um grande número de execuções por instaurar pelo facto do administrador desconhecer o número fiscal dos condóminos, nem ter forma de o obter, por não lhe ser reconhecida essa legitimidade, quando faria todo o sentido esse reconhecimento.
- Não se compreende o objetivo da obrigatoriedade de constar da ata da assembleia a identificação dos condóminos ausentes, quando, obrigatoriamente, se identificam os presentes, que são os únicos que podem efetivamente deliberar sobre os diversos assuntos da ordem de trabalhos.
Já no que respeita ao impacto no mercado imobiliário, apesar de desconhecer os dados do setor, não me parece credível que o possa influenciar negativa ou positivamente; isto porque são poucas as medidas que, direta ou indiretamente, estão relacionadas com este mercado. Podemos considerar que há duas medidas de maior impacto: a primeira é a que impõe a apresentação de declaração dos encargos do condomínio e das dívidas, no ato da escritura de compra e venda de fração ou da celebração de documento particular autenticado; a segunda, é a responsabilidade que o novo proprietário passa a ter pelo pagamento das prestações ao condomínio, que se vençam após a aquisição, independentemente da data da sua aprovação. Estas medidas irão impor aos potenciais compradores um maior conhecimento sobre a realidade dos encargos de condomínio, o que até aqui não acontecia, bem como uma maior transparência sobre a situação da fração perante o condomínio, por parte do vendedor. De qualquer forma, não creio que este aspeto constitua um fator desmobilizador dos negócios.
Para o consumidor/condómino estas alterações têm sido recebidas de forma muito positiva, porque se desmaterializa a comunicação entre administrador e condóminos, porque possibilita a realização das assembleias por meios de comunicação à distância, mas especialmente por causa da obrigatoriedade de o condómino vendedor ter de apresentar a já referida declaração no ato da escritura de compra e venda, que tem gerado, de forma significativa, a entrada de mais receita nos condomínios, e que reduzirá as dívidas incobráveis, embora a medida não se aplique às vendas judiciais.
Sobre esta declaração têm surgido diversas dúvidas, quer quanto ao seu conteúdo, que me parece bem explícito na lei, quer quanto à cobrança de honorários pela sua emissão.
Em relação a esta cobrança, entendemos que o administrador está obrigado à emissão da declaração, por força do disposto no artº 1436º do C.C., que determina as suas funções. É verdade que, no início do contrato de prestação do serviço de administração, não impendia sobre o administrador a obrigação de emitir a declaração, que poderá originar algum trabalho extraordinário, como a verificação, caso a caso, da conta bancária do condomínio, para certificação de pagamento que, alegadamente, tenha sido efetuado apenas no dia ou dias antes da emissão da declaração. Também é verdade que o administrador do condomínio tem 10 dias para emitir a declaração e que grande parte dos pedidos são feitos para que a declaração seja emitida no próprio dia ou dia seguinte. Assim, é meu entendimento que o serviço só deverá ser cobrado ao condómino que, diga-se, não tem outra alternativa nem forma de obter a declaração, quando previamente acordado entre as partes; ou seja, se o administrador, ao celebrar com o condomínio o contrato de prestação de serviço de administração, informar que o valor dos seus honorários não inclui a emissão da declaração, até porque esta é emitida a pedido do condómino e deverá ser por este paga, e informar qual o valor desse serviço e este seja aprovado pelos condóminos, passa a valer esse acordo. Não havendo acordo, na minha modesta opinião, que deixo como mera sugestão, o administrador, que tem 10 dias para emitir a declaração, não deverá cobrar honorários pela sua emissão, excluindo despesas que daí possam advir como. por exemplo, o reconhecimento da assinatura que, não estando previsto na lei, tem sido exigida por algumas entidades.
Vitor Amaral
Presidente da direção da APEGAC – Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Administração de Condomínios