“Não há um sinal claro de apostar no futuro de Portugal através do ensino superior”
O reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e agora presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) está preocupado com as assimetrias regionais, a coesão do território e os efeitos negativos decorrentes do sub-financiamento crónico das universidades.
Em entrevista à “Vida Económica” à margem das jornadas da Economia Social, que decorreram na UTAD, na última semana, António Fontainhas Fernandes lamentou os “atrasos nalgumas áreas” do Portugal 2020 e mostrou-se cético quanto ao Orçamento do Estado para 2018. “Eu gostaria que existisse um sinal claro de apostar no futuro de Portugal através do ensino superior, mas, neste momento, ainda não temos dados que apontem nesse sentido”, diz.
Em entrevista à “Vida Económica” à margem das jornadas da Economia Social, que decorreram na UTAD, na última semana, António Fontainhas Fernandes lamentou os “atrasos nalgumas áreas” do Portugal 2020 e mostrou-se cético quanto ao Orçamento do Estado para 2018. “Eu gostaria que existisse um sinal claro de apostar no futuro de Portugal através do ensino superior, mas, neste momento, ainda não temos dados que apontem nesse sentido”, diz.
Vida Económica - Foi eleito em outubro presidente do CRUP e definiu pelo menos duas prioridades para o seu mandato: o fortalecimento do interior do país e o rejuvenescimento dos recursos humanos e a captação e retenção dos talentos. Porquê o seu interesse nestes desígnios?
António Fontainhas Fernandes – Na verdade, assumi três prioridades. A primeira é a autonomia das universidades, naturalmente auditadas e num quadro de grande responsabilidade, e o combate ao sub-financiamento crónico, elevando o financiamento para níveis europeus. Isto, se quisermos desenvolver o país do ponto de vista da investigação.
VE – O que é que quer dizer exatamente com financiamento a níveis europeus?
AFF - O financiamento das instituições relativamente ao PIB em Portugal é mais baixo do que nos níveis europeus. A minha segunda prioridade tinha a ver com a valorização e rejuvenescimento, não só do corpo docente mas, também, dos técnicos e da componente administrativa. A média etária é muito elevada e é preciso injetar massa crítica nas instituições e também num quadro de emprego qualificado. A terceira questão tem a ver com a atual rede de ensino superior. Eu não considero que a rede seja excessiva, quer no subsistema politécnico, quer no sistema universitário. Temos é que reforçar. E, para isso, nas instituições que estejam situadas não só nas regiões a que tenho chamado do arco do interior mas, também, nas periféricas – não podemos esquecer as ilhas – é necessário mecanismos compensatórios para uma quarta dimensão que é a coesão social.
VE – No entanto, como sabe, estabelecer prioridades não é suficiente. É preciso meios, nomeadamente financeiros, para as pôr em prática. Conta ter esses meios para levar por diante esses objetivos?
AFF - Primeiro é preciso ter uma forte comunicação com a opinião pública sobre o papel das instituições para o desenvolvimento do país. Em segundo lugar é preciso ver quais são os mecanismos compensatórios que poderemos criar para essas universidades que estão situadas em zonas com dificuldades de atração de estudantes e com custos de formação superiores. Aqui, evidentemente os fundos estruturais podem ser uma solução, até porque, como sabe, estas instituições funcionam como âncora de esperança para estes territórios que estão a ficar crescentemente desertificados.
VE – Na sua intervenção aqui nas jornadas da Economia Social falou em repensar a organização administrativa, desconcentrando e, se possível, deslocalizando alguns serviços para a província. Aliás, numa entrevista recente defendeu que alguma da investigação em áreas como o agroalimentar, a vinha ou a floresta pudesse ser deslocalizada para regiões do interior. Como é que isso se consegue?
AFF - Eu referi nestas jornadas quatro pilares que era importante termos em conta se quisermos ter uma política proativa de maior coesão. Primeiro, um novo quadro político e institucional, onde se enquadra a questão que tem a ver com o facto de sermos dos países mais centralizados da Europa, a par da Grécia. E é necessário descentralizar e um novo quadro político. Isto tem de ser repensado pelo atual arco da governação e por todos os partidos com assento parlamentar, mas poderia passar por medidas como descentralizar alguns serviços.
Outra questão é que são precisas políticas públicas se quisermos aumentar a coesão do país. É preciso uma economia mais comprometida com o território e, para isso, temos de apostar nos recursos endógenos destas regiões do interior. E falei em alguns, como o setor agroalimentar. É preciso aumentar o valor acrescentado e ganhar competitividade para podermos exportar, seja no setor do vinho, seja no das frutas ou no das carnes. Existem variadíssimos setores onde se pode apostar, mas, para isso, é preciso chamar às instituições – e aqui as universidades podem ter um papel – massa crítica, jovens, qualificados, que trabalhem nos recursos endógenos destes territórios ditos de baixa densidade.
VE – Chamar novos recursos humanos será o suficiente ou isto passará por criar novos cursos ou pela reformatação de cursos já existentes?
AFF - Passará por várias situações. Primeiro, se quisermos trabalhar a investigação e aumentar o valor acrescentado destes produtos e ganhar dinâmica – como no caso dos vinhos –, é necessário apostar numa geração com formação. Existe uma nova geração de enólogos com formação, com capacidade de internacionalização, que conhecem perfeitamente os mercados e que trabalham respeitando as normais ambientais.
Para além desta questão, é necessário continuar a investigar, com mais inovação vocacionada para o lado das empresas. E, neste novo formato, o Ministério da Ciência lançou os laboratórios colaborativos que pretendem envolver o sistema científico com o setor privado. Numa outra área, por exemplo, a floresta, é preciso repensá-la. Isto não reside apenas na problemática dos incêndios, mas é preciso saber como vamos fazer o ordenamento, que espécies vamos plantar e de que forma podemos valorizar o uso múltiplo da floresta, de modo a que deixe de ser um problema e passe a ser uma oportunidade.
VE – As verbas para a investigação são suficientes ou necessitam de ser reforçadas?
AFF - Eu julgo que Portugal deve reforçar. Um dos objetivos do país deve ser o aumento da percentagem de verbas face ao PIB. Temos de aumentar os fundos destinados à investigação. É evidente que terá de haver uma componente pública mas, também, um reforço da componente privada.
VE – O Portugal 2020 está orientado no caminho certo? Vi-o referir aqui que, por exemplo em relação ao PROVERE, ainda se está à espera de saber a dotação.
AFF - Há atrasos nalgumas áreas do quadro comunitário, seja nos PO [Programas Operacionais] regionais, seja nos PO nacionais. Dei o exemplo do PROVERE, que é um programa diferenciador de financiamento para os territórios de baixa densidade, porque estamos em finais de 2017 e ainda não há destino, não está assinado esse programa. Mas o próprio acordo de parceria prevê que, para estas zonas de baixa densidade, possa haver taxas de cofinanciamento maiores, podem existir programas focalizados para essas regiões de baixa densidade, nomeadamente sistemas de incentivos e ações coletivas, nomeadamente rubricas na área do empreendedorismo, da transferência de conhecimento, da formação e qualificação ou da internacionalização. E é preciso reforçar essas verbas, envolvendo as universidades.
VE – Também falou do princípio da adicionalidade e da necessidade de aumentar a convergência entre regiões. O atual quadro comunitário responde a isso?
AFF - O que se verifica nalguns casos é que os fundos comunitários não têm como objetivo a convergência das regiões, mas sim substituir o papel do Estado no Orçamento de Estado. Julgo que, nestas áreas, era preciso cumprir o princípio da adicionalidade, nomeadamente verificar as diferentes velocidades que existem nas diferentes regiões. Como sabe, existem assimetrias intrarregionais que é preciso combater corrigir e estes poderiam ser os tais mecanismos compensatórios de que tenho vindo a falar para as instituições do arco do interior.
Estado ainda deve 5,9 milhões de euros de 2017 às universidades
O ensino superior e as universidades mostraram nos últimos anos que, “num quadro de restrição económica muito forte e de crónico subfinanciamento, não perderam competitividade”, afirma António Fontainhas Fernandes. No entanto, “é necessário investir, porque há um envelhecimento das academias”, diz o reitor da UTAD e presidente do CRUP, defendendo que “é preciso contratar novos jovens e evitar que muitos deles saiam para o estrangeiro, porque, além de perdermos massa crítica de qualidade que sai do país, estamos a contribuir para a degradação das academias”. Por outro lado ainda, “é preciso já preparar o novo quadro comunitário e tentar perceber que o atual parque edificado das instituições de ensino superior está envelhecido, não está adequado aos novos desafios do ensino que se apresentam ao abrigo de Bolonha”, avisa Fontainhas Fernandes. É, pois, preciso “recapacitá-lo”, diz o presidente do CRUP, lembrando que “existem alguns fundos que permitem algumas melhorias, nomeadamente os fundos de eficiência energética, porque vão diminuir custos”, mas que o parque edificado, incluindo o parque científico em termos de equipamentos, “continua a sofrer uma degradação, porque as universidades não têm orçamento para permitir a sua capacitação e requalificação”. Questionado sobre se o Orçamento do Estado para 2018 lhe dá alguma esperança, Fontainhas Fernandes não mostra otimismo. “Nós estamos a 4 de novembro [dia da entrevista] e ainda não temos garantia do reforço orçamental de 2017”, diz o presidente do CRUP, lembrando que “os reitores assinaram um acordo no sentido de que qualquer alteração orçamental decorrente das alterações legislativas o Governo se comprometeria a reforçar os orçamentos”, mas que, até agora, não foi cumprido. Em causa estão “as alterações relacionadas com a remuneração decorrente do grau de agregação, o aumento do salário mínimo e o aumento do subsídio de alimentação”. A verdade é que, garante António Fontainhas Fernandes, “todos estes montantes de 2017, que contabilizamos em cerca de 5,9 milhões de euros, ainda não surgiram”. Por outro lado, diz o reitor da UTAD, “no Orçamento de Estado para 2018 ainda não é claro quais vão ser as políticas do Governo, nomeadamente em relação ao PREVEPAP [Programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública] e à valorização da progressão das carreiras dos funcionários públicos”. É que, diz, “se for essa a vontade do Governo, o Orçamento de Estado terá de ter esse montante claramente expresso e, neste momento, ainda não está”. Questionado sobre o seu ceticismo, novo presidente do CRUP apenas diz: “eu gostaria que existisse um sinal claro de apostar no futuro de Portugal através do ensino superior mas, neste momento, ainda não temos dados que apontem nesse sentido”. |