“SNS não tem capacidade para reter médicos”;

Rui Nunes, candidato a Bastonário da Ordem dos Médicos, afirma
“SNS não tem capacidade para reter médicos”
Portugal não tem falta de médicos. Estão mal distribuídos e, em muitos casos, o SNS não tem capacidade para os reter, levando a uma fuga para o setor privado ou mesmo para o estrangeiro” – afirma Rui Nunes.
“Por outro lado, é necessário alterar o modelo de gestão do SNS, mais aberto, menos centralizado e mais competitivo”, acrescenta o candidato a Bastonário da Ordem dos Médicos.
Relativamente ao novo ministro da Saúde, a quem deseja “as maiores felicidade”, lança o desafio: “Seria importante proceder às reformas de fundo do sistema de saúde, que, por vários motivos, tardam em ser implementadas”.
Vida Económica – Porque se candidata a Bastonário da Ordem dos Médicos e que mudanças e melhoramentos propõe?
Rui Nunes -
A Ordem dos Médicos vai entrar num novo ciclo em janeiro próximo e é fundamental que seja um fator de unidade da classe médica e de afirmação da medicina como profissão que tem o dever de prestar cuidados de excelência aos cidadãos. Para isso, é necessário valorizar a profissão médica e sensibilizar tanto os poderes públicos como a sociedade em geral sobre a importância de ter médicos motivados e respeitados para que o sistema de saúde possa alcançar os patamares que todos desejamos.

VE – Face aos últimos acontecimentos, a demissão de Marta Temido tornou-se inevitável? O que falhou no seu mandato?
RN -
Falhou estratégia e visão para um novo Serviço Nacional de Saúde. Um SNS que seja sustentável a médio e longo prazo, e onde se implementem reformas estruturais há muito desejadas. Não se entende como é que a ministra da Saúde sugeriu que existem falhas no SNS desde os anos oitenta do século passado, tendo sido a titular da pasta da saúde mais tempo em exercício de funções. A pergunta que se deve colocar é: porque é que a ministra não encetou as reformas estruturais necessárias para corrigir as falhas que apontou?

VE – Qual a sua opinião sobre a nomeação de Manuel Pizarro para novo ministro da Saúde? Quais vão ser os seus principais desafios?
RN -
Desejo as maiores felicidades ao novo ministro da Saúde, tendo plena consciência do enorme desafio que tem pela frente. Nomeadamente, seria importante proceder às reformas de fundo do sistema de saúde, que, por vários motivos, tardam em ser implementadas.

VE – Que questões deveriam ter sido mais bem dialogadas com os médicos e outros profissionais do SNS?
RN -
A Ordem dos Médicos deve ser um parceiro dos diferentes poderes públicos, tal como o Governo ou a Assembleia da República, para a resolução de problemas referentes à qualidade técnica do exercício da medicina. Pelo que faz todo o sentido que o responsável pela pasta da Saúde galvanize e motive os profissionais de saúde, incluindo os médicos, para melhorar a qualidade assistencial do SNS e do sistema de saúde em geral. Uma atitude beligerante deve ser substituída por uma postura de diálogo construtivo com os profissionais de saúde. Nenhuma reforma da saúde pode ser efetuada contra os médicos.

VE – O que provocou a falta de pessoal médico dos serviços de urgência?
RN -
Falta de planeamento estratégico e de capacidade de gestão. Aliás, como consta dos relatórios internacionais, Portugal não tem falta de médicos. Estão mal distribuídos e, em muitos casos, o SNS não tem capacidade para os reter, levando a uma fuga para o setor privado ou mesmo para o estrangeiro. Por outro lado, é necessário alterar o modelo de gestão do SNS, mais aberto, menos centralizado e mais competitivo. Por exemplo, a Medicina Geral e Familiar deve ser o pilar do sistema de saúde. Se assim fosse, os serviços de urgência estariam seguramente menos congestionados. É também necessário reorganizar as urgências de um modo programado, para que não existam falhas nas escalas médicas. É urgente um choque de gestão na saúde.

Médicos afastados das urgências aos 50 anos de idade
VE - A redução do tempo de trabalho das 40 para as 35 horas teve algum impacto na redução de pessoal? Quando esta medida foi criada, o que deveria ter sido feito?
RN -
Deve ter-se em atenção que a medicina é uma profissão altamente especializada, com custos de formação elevadíssimos, e com níveis de responsabilidade civil incomparáveis com qualquer outra profissão. Pelo que os níveis salariais e as condições de trabalho devem ser adequados a esta realidade se pretendemos uma medicina de excelência. Pelo que a questão não é se o horário deve ser de 35 ou 40 horas, mas saber qual o projeto que os hospitais têm para oferecer aos médicos. Recorde-se que um jovem médico inicia a sua carreira com cerca de mil euros de vencimento.

VE – O princípio de que os médicos com idade superior a 50 anos não são obrigados a trabalhar nos serviços de urgência justifica-se?
RN -
A profissão médica é de desgaste rápido e tem particularidades no âmbito da responsabilidade civil por danos que exigem condições adequadas para um desempenho profissional diligente e de excelência. Pelo que é óbvio que os médicos com mais idade devem desempenhar outras tarefas que não o serviço de urgência. Mas deve realçar-se que uma boa gestão do sistema de saúde faria com que esta questão não fosse sequer suscitada. É preciso dar condições aos médicos para não saírem do SNS.

Descentralizar o SNS
VE – Defende uma maior descentralização e autonomia financeira dos hospitais e serviços de saúde? Em que aspetos?
RN -
Todos os países civilizados optaram por descentralizar administrativamente a saúde. Só Portugal denota tendência inversa, nomeadamente com a criação do diretor executivo do SNS. É possível integrar o sistema de uma forma descentralizada e, simultaneamente, aprofundar a autonomia de gestão dos hospitais e outras unidades de saúde. Sem autonomia não se pode responsabilizar os administradores hospitalares pelo desempenho e pelos resultados obtidos.

VE – É a favor da flexibilidade laboral no SNS? Em que aspetos?
RN -
Uma nova gestão da saúde implica maior autonomia de gestão e a possibilidade de utilizar ferramentas que incentivem os médicos e outros profissionais a uma prática clínica mais eficaz e efetiva. Pelo que flexibilidade laboral, estímulos ao desempenho, financeiros e não financeiros, entre outros, devem ser utilizados para que os médicos se sintam motivados e, assim, a qualidade assistencial seja potenciada. Motivar os recursos humanos é a responsabilidade de qualquer gestor.

VE – É um defensor da igualdade do género na Saúde, em que medida?
RN -
Pelo menos em duas diferentes perspetivas. A primeira é de natureza sociológica. Isto é, a profissão médica é cada vez mais feminina e, apesar de homens e mulheres deverem ter as mesmas oportunidades sociais, e também idênticas responsabilidades, seria importante que existissem condições para um exercício mais adequado da maternidade (e da parentalidade em geral). Por outro, gostaria que as médicas tivessem as mesmas oportunidades de ascensão aos lugares de chefia, o que ainda não acontece, apesar de uma melhoria importante nos últimos anos.
VIRGÍLIO FERREIRA (virgilioferreira@grupovidaeconomica.pt?, 15/09/2022
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