Falha na implementação da faturação eletrónica vai penalizar empresas portuguesas ;

Miguel Zegre, “Senior Account Executive” da Pagero, considera
Falha na implementação da faturação eletrónica vai penalizar empresas portuguesas
Miguel Zegre alerta para o risco das empresas estrangeiras poderem substituir as empresas nacionais nos negócios com o Estado.
Menos de 1% dos 85 mil fornecedores do Estado participaram no projeto piloto de implementação do sistema de faturação eletrónica que deve ser implementado até abril de 2020. Os fornecedores estrangeiros já preparados podem pôr-se em campo para fazer negócio com o Estado português devido à impreparação dos fornecedores nacionais. Miguel Zegre, responsável pelo mercado nacional da Pagero, empresa de e-invoicing para fornecedores e compradores, fala de “erros” que se cometeram noutros países europeus, nomeadamente o não reaproveitamento do sistema de faturação eletrónica existente em Portugal, evitando investimentos avultados para as empresas.
 
Vida Económica - A implementação do envio da factura electrónica já foi concretizada a 100% em algum país a nível europeu? Quais as maiores dificuldades que encontraram?
Miguel Zegre - Os países nórdicos, nomeadamente a Noruega e a Suécia, estão na linha da frente deste processo. Sendo a Pagero uma empresa sueca, temos acompanhado, desde da primeira hora as implementações com maior sucesso neste modelo em diversos países. E também convivemos com alguns exemplos em que as opções que tomaram não foram as mais indicadas. Como exemplo, podemos falar do que aconteceu em França, em que a escolha de um operador único estrangulou de tal forma o mercado, que existiram poucas empresas que conseguissem enviar faturas para o Estado. Quero recordar que, a partir de 18 de Abril de 2020, a via eletrónica é a única forma de fazer chegar faturas ao Estado. Se a escolha do modelo não for feita corretamente, este cenário pode-se repetir em Portugal, com graves prejuízos para a economia. E isso gerou frustração, gastos desnecessários e atrasos nos projetos nesses países. Por norma, as dificuldades estão relacionadas com a escolha de redes fechadas - quer construídas de raiz pelas Administrações Públicas dos diferentes países, ou contratando um fornecedor único de rede/serviços de faturação eletrónica -, que não permitem “reaproveitar” todo o ecossistema de faturação eletrónica existente no país, como a troca de documentos eletrónicos entre as empresas (B2B). 
 
VE - O reaproveitamento do sistema existente em Portugal pode poupar quanto ao Estado? E em relação à poupança para as empresas, têm uma ideia de grandeza?
MZ - Quando falo de reaproveitamento do sistema, refiro-me ao ecossistema de faturação eletrónica existentes. Hoje existem já milhares de empresas a trocar faturas eletrónicas entre si. O que não faz sentido é obrigar essas empresas a terem que efetuar elevados investimentos para cumprir com a lei, em vez de as ajudar a reaproveitar os investimentos existentes. Quanto à poupança, os principais estudos internacionais falam de uma poupança entre 40 e 60% nos custos de processamento de uma fatura. Se pensarmos que em Portugal o custo de emissão de uma fatura ronda os 5 J, falamos de uma poupança mínima de 2J por cada fatura emitida. Para empresas que emitem muitas faturas é uma poupança muito significativa. Além disso, e como se pode constar noutros países, este processo não se resume à emissão de faturas. Uma empresa que inicia um processo de otimização de fluxos de trabalho, por norma não se restringe apenas a um processo. Uma considerável maioria das empresas irá também melhor os seus processos de receção de faturas de fornecedores, melhoria da troca de encomendas com clientes ou a eliminação do arquivo físico, que desde final do ano passado, já se pode fazer em Portugal.
 
Poupanças entre os 40% e os 80% em todo o processo de faturação
 
VE - Quais as vantagens que traz esta mudança para o Estado e para as empresas?
MZ - As vantagens são inúmeras para todos os intervenientes no processo. Desde logo, uma vantagem ambiental, pela não impressão das faturas. Adicionalmente, e ainda mais importante, toda a poupança que este processo vai trazer quer aos emissores quer os destinatários da fatura, com a simplificação do processo e otimização dos fluxos de trabalho entre as empresas. Diversos estudos internacionais apontam poupanças entre os 40% e os 80% em todo o processo de faturação, quer na emissão, quer na recepção.
 
VE - Como será feita a uniformização do software a utilizar por parte de todas as entidades?
MZ -  Não será necessária uma “uniformização” do software. O que a lei define é um formato, puramente digital, onde não se inclui o PDF. Estamos a falar de fatura em dados estruturados. Todos os organismos da Administração Pública serão obrigados a receber a fatura nesse formato Europeu, adaptado para Portugal pela ESPAP através do CIUS-PT. Os fornecedores devem escolher de que forma vão construir esse formato e qual a rede que vão usar para fazer chegar esses dados aos seus clientes da Administração Pública.
 
VE  Como é feita essa validação de autenticidade das faturas? Por assinatura digital? Esta assinatura já é uma realidade para a maioria das empresas?
MZ - Sim, as faturas eletrónicas devem ser assinadas. Como este processo está bastante interligado com o código dos contratos públicos, todas as empresas já devem ter acesso às assinaturas digitais necessárias para poderem assinar as faturas.
 
VE - As empresas que não tiverem este método implementado a tempo, correm o risco de perder contratos?
MZ - Sim. A partir de 18 de Abril de 2020 para as grandes empresas, e 1 de Janeiro de 2021 para as restantes, este processo passará a ser obrigatório.
 
VE  Quantas empresas em Portugal já implementaram este sistema da faturação eletrónica a 100% ou qual a percentagem de empresas que já implementaram e, ao nível da administração pública, já todas as organizações estão preparadas?
MZ - Ainda é muito baixo. Dos cerca de 85 mil fornecedores do Estado, apenas uma ínfima parte (menos de 1%) participou no projeto piloto. E muitos mais queriam ter participado, mas o modelo escolhido não permitiu que, em três anos, os fornecedores se pudessem preparar. Agora estamos no sprint final, e seguramente nem todos vão estar preparados quando a data chegar. Ou seja, no dia 18 de abril de 2020, vão existir fornecedores que vão deixar de fazer negócios com o Estado Português. E vão existir centenas de fornecedores estrangeiros que estarão preparados para o fazer, e prevejo que uma substituição de fornecedores nacionais, por fornecedores estrangeiros. 
Quando falamos do envio da fatura eletrónica falamos na entrega, em todas os organismos da Administração Publica Portuguesa (AP), da informação da fatura, no formato estruturado definido pela União Europeia e adotado por Portugal (CIUS-PT), de forma obrigatória já a partir de 2020. 
Esta alteração vai ter um impacto importante a nível da relação comercial que as empresas têm com a Administração Pública. As empresas e o próprio Estado vão ter de preparar os sistemas e os colaboradores para esta nova realidade, que é uma “imposição” da União Europeia, através da diretiva 55/2014.
 
Susana Almeida, 16/05/2019
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