PME portuguesas podem ser capitalizadas pelo InvestEU;

Eurodeputado José Manuel Fernandes afirma
PME portuguesas podem ser capitalizadas pelo InvestEU
“É inaceitável que o Governo português não tenha avançado já para a criação de um instrumento de apoio à solvma José Manuel Fernandes.
“Só não teremos um instrumento nacional de solvabilidade das PME se o Governo não quiser”, afirma José Manuel Fernandes. Em entrevista à “Vida Económica” o eurodeputado destaca a importância do novo instrumento InvestEU que deverá mobilizar mais de 400 mil milhões de euros de investimentos na União Europeia.
Para fazer chegar os financiamentos às empresas viáveis é indispensável alargar a ação e o papel do Banco de Fomento.
O InvestEU resulta da fusão de 14 instrumentos financeiros e dá continuidade ao Plano Juncker, que apoiou mais de um milhão de PME e criou cerca de 1,8 milhões de novos empregos. No Plano Junker 60% dos recursos disponíveis foram aplicados no setor privado, ao contrário do que acontece no PRR, onde a maior fatia do orçamento é destinada à Administração Pública.
Vida Económica – Quais são as regras de financiamento do InvestEU?
José Manuel Fernandes -
O InvestEUé um instrumento financeiro que tem por base uma garantia do orçamento da UE e que funcionará no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual 2021/2027. Resulta da fusão dos 14 instrumentos financeiros atualmente existentes na União Europeia, incluindo o atual Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE) e que é também conhecido como ‘Plano Juncker’, bem como o Mecanismo Interligar a Europa, COSME, Programa de Emprego e Inovação Social, ente outros.
Apoia investimentos públicos e privados através de empréstimos, podendo ainda capitalizar as PME. Os empréstimos podem atingir a duração de 30 anos e as taxas de juro permitem a viabilidade do projeto, dependendo do respetivo risco.
O InvestEU tem a adicionalidade como princípio fundamental. Significa que não apoiará projetos que sejam integralmente financiados por fundos europeus ou pela banca tradicional. No entanto, podemos ter uma “mescla”, ou seja, um projeto pode ter uma parte financiada pelo InvestEU e a restante por fundos europeus ou banca tradicional. Aliás, este “blending” é encorajado.
Os intermediários financeiros nacionais são fundamentais para o financiamento de pequenos projetos. As plataformas nacionais, regionais, temáticas, transfronteiriças são um bom meio para se juntarem pequenos projetos e para o ‘blending’.
A garantia europeia é de 26,2 mil milhões de euros. O BEI gere 75% desta garantia, sendo os restantes 25% destinados aos bancos de fomento nacionais e demais instituições financeiras de desenvolvimento. O sistema é concorrencial, ainda que se defenda um equilíbrio geográfico e temático. O InvestEU tem como uma das novidades a constituição de compartimento nacional onde um Estado-Membro pode colocar recursos financeiros para constituir um garantia e assegurar o financiamento dos projetos pretendidos.
É um programa que assenta no modelo de sucesso que foi o “Plano Juncker” – responsável por, em cinco anos, ter mobilizado mais de 535 mil milhões de euros em investimentos públicos e privados na União Europeia, sendo que mais de 60% deste valor é do setor privado. Mais de um milhão de pequenas e médias empresas (PME) e também “startups” beneficiaram deste programa de apoio no acesso ao financiamento. Foram criados mais de 1,4 milhões de empregos. Estima-se que, até 2022, o investimento ao abrigo do ‘Plano Juncker’ contribuirá ainda para um aumento do PIB europeu em 1,9% e a criação de 1,8 milhões de empregos, em comparação com o arranque do programa.

PME, turismo e saúde são áreas prioritárias

VE – Que tipo de investimentos podem ser financiados ao abrigo deste programa?
JMF -
O InvestEU é aberto. Pretende aumentar a competitividade e a coesão da UE. Apenas exclui os projetos que contrariem as prioridades políticas da UE. Os projetos de investimento serão analisados para garantir que não causem danos significativos ao ambiente. Acresce que pelo menos 30% dos investimentos ao abrigo do InvestEU devem ser canalizados para o cumprimento dos objetivos climáticos da UE, dando-se especial atenção ao apoio à transição justa em direção à neutralidade climática na UE.
As janelas de investimento são: infraestruturas sustentáveis; investigação, inovação e digitalização; pequenas e médias empresas; investimento social e competências.
O programa é flexível e pretende colmatar falhas de mercado. As áreas como a das PME, turismo, saúde, infraestruturas críticas e estratégicas são, neste momento, claramente prioritárias.

VE – Muitos investimentos não avançam porque não existe solvabilidade financeira nas PME. Como se poderia resolver esta situação?
JMF -
Nas negociações insisti, com sucesso, para que fosse possível apoiar a solvência das PME. Pela primeira vez, consta no regulamento a possibilidade de se capitalizar as PME que, ainda que viáveis do ponto de vista económico, estão em dificuldades por causa da atual pandemia.
Acresce que, através do compartimento nacional do InvestEU, pode ser criado um instrumento nacional de apoio à solvabilidade das PME. É inaceitável que o Governo português não tenha avançado já para a criação de um instrumento que é de extrema importância para salvar empresas e empregos que são reconhecidamente viáveis e sustentáveis, mas que estão em dificuldades precisamente devido ao choque pandémico.
Não há desculpas e não há sequer o argumento de que Portugal não tem dinheiro para constituir a garantia. É que Portugal pode colocar até 4% do envelope do Plano de Recuperação e Resiliência e 5% do envelope da Política de Coesão e do Fundo de Desenvolvimento Rural. Esta possibilidade foi mais uma vitória pela qual me bati nas negociações com o Conselho. A conclusão é simples: só não teremos um instrumento nacional de solvabilidade das PME se o Governo não quiser. Este instrumento é uma urgência óbvia, que deveria contar com um banco de fomento com força e recursos humanos e financeiros suficientes.

Setor cultural elegível e com financiamento ampliado

VE – Há setores, como o turismo e a cultura, que foram fortemente afetados pela pandemia. De que forma o InvestEU pode ajudar a recuperação destes setores?
JMF -
Nas negociações com o Conselho reforçámos a prioridade aos setores mais atingidos pela pandemia.
O InvestEU faz referências específicas à grande relevância do turismo, incluindo a restauração. O setor cultural é igualmente elegível, e com financiamento ampliado, à imagem do que conseguimos garantir para o setor social.

VE – Qual é a dotação do programa e quando poderá chegar às empresas e aos cidadãos?
JMF -
O InvestEU já tem regulamento aprovado desde março.
Dispõe de uma garantia da UE de cerca de 26,2 mil milhões para apoiar projetos que irão atrair muitos mais investidores. Estima-se que, nos próximos sete anos, mobilize mais de 400 mil milhões de euros em investimentos públicos e privados em toda a União Europeia. Acresce ainda o compartimento nacional cuja garantia depende da vontade de cada Estado-Membro.
O programa está dotado de capacidade para colmatar as falhas de mercado, ajudar as economias com mais dificuldades em se financiarem. É um programa que terá um impacto decisivo para ajudar a economia europeia a recuperar e a superar os efeitos da atual crise pandémica.

BEI gere 75% da garantia europeia

VE – O que será preciso fazer para agilizar a sua execução?
JMF -
O Banco Europeu de Investimentos, ao gerir 75% da garantia europeia, irá desempenhar um papel central na operacionalidade do programa, em cooperação com os bancos e instituições de fomento nacionais. No entanto, estes também terão acesso direto a 25% da garantia disponibilizada através do InvestEU, de forma a cobrir os riscos de financiamento e acelerar os apoios aos investimentos.
É, por isso, urgente e de importância vital para Portugal que o denominado e tantas vezes anunciado Banco de Português de Fomento seja devidamente capacitado e entre rapidamente em funcionamento.
No InvestEU está também incluída uma plataforma de aconselhamento ao investidor (AdvisoryHub), para apoiar a estruturação de projetos ou a criação de plataformas nacionais e regionais de investimento. Esta plataforma disponibiliza um serviço gratuito para as entidades públicas e de custos muito reduzidos para apoio às PME. Portugal também deveria ter uma estrutura de aconselhamento que trabalhe de forma articulada com o AdvisoryHub, o que originaria mais e melhor investimento. As próprias Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) deveriam estar providas de recursos humanos para prestar este serviço, o que também reforçaria a coesão territorial, económica e social.

VE – Para o sucesso do InvestEU é essencial cada Estado-membro programar o que pretende executar nos próximos anos?
JMF -
É essencial sabermos os objetivos que pretendemos atingir. Temos de saber o que queremos, para depois utilizarmos da melhor forma os fundos e os instrumentos financeiros.
Não podemos desperdiçar a mais-valia que o InvestEU representa para o reforço do investimento público e privado. Os Estados-Membros já deveriam, nesta altura, terem programado o que pretendem executar nos próximos anos. Não faltam recursos financeiros para reforçar a competitividade e a produtividade, apoiar as PME, contribuir para a coesão territorial, económica e social e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Os Estados-Membros podem adicionar uma garantia no compartimento nacional do InvestEU, que pode ser financiada pelos fundos da Política de Coesão (até 5%) e através do envelope nacional do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (até 4%). Tal tem de constar dos planos nacionais de recuperação e dos acordos de parceria.
O InvestEU deveria financiar os investimentos que consideramos importantes para Portugal, mas que não vão ser financiados pelo Portugal 2030 ou pelo Plano de Recuperação e Resiliência.

VE – Que mensagem gostaria de transmitir?
JMF -
Temos de ser programadores dos fundos, em vez de meros utilizadores. Para tal, é essencial saber os objetivos a atingir em termos nacionais e por região. Não nos podemos concentrar apenas na comodidade das subvenções. Temos de ser ambiciosos e capazes de aproveitar o InvestEU na sua plenitude. A concretização de um instrumento nacional para a capitalização das PME é uma oportunidade que não podemos desperdiçar.
VIRGÍLIO FERREIRA (virgilio@vidaeconomica.pt), 20/05/2021
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