Fim das moratórias pode provocar “tsunami” de execuções;

Quase 40 mil milhões de euros de crédito perdem proteção sem medidas de apoio
Fim das moratórias pode provocar “tsunami” de execuções
As moratórias bancárias terminam no final da próxima semana. Quase 40 mil milhões de euros em crédito bancário de empresas e particulares que beneficiaram da suspensão dos pagamentos nos últimos 18 meses perdem a proteção, não havendo para já quaisquer medidas concretas de apoio.
A partir de 1 de outubro os clientes bancários que beneficiaram das moratórias passam a estar obrigados ao pagamento integral das prestações mensais, acrescidas dos valores que estiveram temporariamente suspensos.
A obrigação resulta do fim das moratórias e da inexistência de medidas concretas de apoio ao regresso ao pagamento normal das prestações.
Com a atividade económica ainda muito fragilizada pelos efeitos da pandemia, há empresas e particulares que vão conseguir cumprir com o serviço normal da dívida. Outros terão algumas dificuldades, sendo provável que um número considerável de empresas e particulares entrem em incumprimento.
O Governo publicou o Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 6 agosto, com o objetivo de criar algumas medidas de proteção, mas a margem de manobra dos bancos para aceitar períodos de carência de capital ou alargamento do prazo é muito reduzida.
 
Clientes podem ser impedidos de recorrer ao crédito
 Qualquer alteração ao plano de reembolso definido nos contratos de financiamento é classificada como restruturação da dívida e tem implicações imediatas sobre o rating do cliente.
Se um banco aceitar uma carência de capital por um período de seis meses, pode fazê-lo, mas o cliente empresa ou particular, fica de imediato “marcado”, sendo a reestruturação da dívida comunicada ao Banco de Portugal e ficando a informação acessível aos outros bancos. Para o sistema bancário esse cliente passa a ser considerado com risco agravado, sem perder necessariamente a possibilidade de obter mais financiamento bancário.
A “marcação” mais leve será para clientes que nunca fizeram anteriormente nenhuma reestruturação da dívida e que mostrem ter capacidade para pagar os valores em dívida. Se já o tiverem feito numa situação anterior ou não demonstrarem ter capacidade para fazer face aos encargos futuros, a marcação deixa de ser um “cartão amarelo”, passando a “cartão vermelho” e o cliente fica impossibilitado de contratar novas operações de crédito em qualquer banco. O saldo que estiver em dívida terá que ser classificado pelo banco credor como NPL, afetando os indicadores de qualidade da carteira de crédito.
 
Bancos pressionados para vender crédito em incumprimento
 De acordo com as regras da Autoridade Bancária Europeia, os bancos não podem ter mais de 5% de crédito classificado como NPL, ou seja, em incumprimento ou reestruturado com risco.
Sem esta imposição os bancos prefeririam reestruturar, obter reforço de garantias e ajustar os reembolsos à capacidade dos clientes.
Mas, como não podem exceder os 5% da carteira, estão obrigados a vender os créditos em incumprimento no mercado a fundos e entidades especializadas na recuperação de dívidas por um valor muito inferior ao que poderiam obter se mantivessem a relação com os clientes.
O fim das moratórias pode agravar os níveis de incumprimento, obrigar os bancos a vender cada vez mais operações de crédito a fundos e organizações especializadas e dar origem a uma vaga descontrolada de execuções sobre empresas e particulares.

Banco de Portugal sujeito à supervisão do BCE

Até agora o Banco de Portugal teve uma intervenção muito limitada na questão do fim das moratórias. Até agora a única medida concreta com efeito prático está prevista no Decreto-Lei n.º 70-B/2021, que prevê que nas propostas de reestruturação da dívida os bancos não podem alterar a taxa de juro do contrato inicial, o que não evita os efeitos imediatos sobre o rating dos clientes, nem a classificação do crédito por parte dos bancos, ainda que haja um reforço de garantias.
A autonomia do Banco de Portugal é cada vez mais reduzida. A supervisão dos maiores bancos portugueses, como é o caso da CGD, Santander, BCP, Novo Banco ou BPI, já não é feita pelo Banco de Portugal, mas sim, de forma direta pelo Banco Central Europeu.
Assim, as falhas de supervisão que foram apontadas no passado ao Banco de Portugal em relação a alguns dos maiores bancos portugueses hoje já não seriam possíveis porque essa competência  passou para o BCE.
O Banco de Portugal continua a fazer a supervisão de bancos mais pequenos, como o Crédito Agrícola ou o Montepio, mas o banco central português é supervisionado nesse trabalho de controlo pelo BCE.
Susana Almeida, 23/09/2021
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