Apoios do Estado às empresas baixam para valores mínimos;

Utilização dos fundos europeus para despesa corrente reduz recursos disponíveis
Apoios do Estado às empresas baixam para valores mínimos
Os apoios do Governo às empresas privadas continuam a diminuir, apesar do avanço da execução do Portugal 2020. A análise efetuada pela “Vida Económica” com base nos dados do Eurostat e do Ranking Mundial de Competitividade do IMD revelam que Portugal é um dos países do mundo com menos apoios públicos a empresas públicas e privadas. O valor dos apoios foi de 0,56% do PIB em 2016, representando quase um terço do valor atingido em 2006, o último ano de execução do QCA III.
Portugal está cada vez mais distante da média da União Europeia em termos de apoios do Estado às empresas públicas e privadas com o valor de 0,56% do PIB. De acordo com os dados do Eurostat e do IMD, a média mundial é de 1,28% do PIB, ou seja mais do dobro do valor registado no nosso país. O arranque e aumento de execução do Portugal 2020 não alterou a tendência de quebra. Segundo apurou a “Vida Económica”, Portugal vai ter valores mais baixos de apoios às empresas no próximo Ranking Mundial da Competitividade que vai ser apresentado pelo IMD em maio, sendo provável que o total de apoios desça abaixo de 0,50% do PIB.
A redução do valor efetivo dos apoios que acompanha o aumento de execução do Portugal 2020 permite concluir que o objetivo anunciado de aumentar os recursos para as empresas e o setor privado não está a ser atingido. Pelo contrário, parece haver um aumento significativo de candidaturas e de apoios ao Estado e serviços públicos,em detrimento de projetos de empresas. De facto, na esmagadora maioria dos avisos de concursos, os destinatários são serviços e organismos do Estado, não sendo sequer possível aos promotores privados apresentar candidaturas.
Além do volume dos recursos disponíveis, a qualidade dos apoios tem vindo a diminuir com a generalização dos apoios reembolsáveis. No Portugal 2020 há apoios que são atribuídos às empresas, mas as regras internas estabelecem que mais de metade do valor dos apoios terá que ser devolvido ao Estado, servindo depois para financiar organismos e serviços públicos na sua despesa corrente.
O financiamento da despesa corrente é uma deturpação da finalidade dos fundos europeus, na medida em que o seu objetivo são projetos estratégicos e de longo prazo. Mas, como Portugal tem uma estrutura pesada e uma despesa pública rígida com a Função Pública, os fundos europeus vão servindo para pagar uma parte das despesas correntes do Ministério da Educação e de organismos como o IEFP ou mesmo do IAPMEI.
Em princípio, Portugal deve seguir as regras previstas para a utilização dos fundos ,conforme determina o Acordo de Parceria celebrado com a Comissão Europeia. Mas o processo de aprovação não foi pacífico. As três propostas iniciais do Governo foram sucessivamente reprovadas por Bruxelas.
No entanto, a Comissão Europeia tem dado liberdade de atuação aos Estados- -membros na gestão dos apoios, valorizando a autonomia nacional quanto à aplicação dos fundos.
 
Redução dos apoios começou com o QREN
 
A comparação dos dados do Eurostat mostra que, no passado, Portugal atribuía às empresas ao nível da média dos outros países.
Em 2005, quando o primeiro Governo de José Sócrates iniciou funções, Portugal apresentava um valor de 1,39% do PIB. No ano seguinte, o fim do QCA III ajudou a atingir o valor máximo de 1,56% do PIB.
Depois o arranque e avanço do QREN foram acompanhados pela quebra quase constante dos apoios até 0,80% do PIB. Com Passos Coelho como Primeiro-Ministro a descida continuou até 0,63%, registando uma recuperação ligeira para 0,67% no último ano do QREN, seguido de um novo avanço para 0,85% no primeiro ano do Portugal 2020. Com o Governo de António Costa não se concretizou a expetativa de recuperação, sendo atingido 0,56% do PIB, o valor mais baixo de sempre. E, conforme referimos, os dados provisórios a que a “Vida Económica” teve acesso permitem concluir que em 2017 terá sido registada uma nova quebra, colocando Portugal entre os países que menos apoios atribuem às empresas públicas e privadas.
   
Má despesa pública retira recursos às empresas
 
“Se o Estado gastasse menos dinheiro naquilo que é a péssima despesa publica poderia ter mais dinheiro para as empresas” – considera Luís Mira Amaral. O antigo ministro da Indústria e Energia aponta dois exemplos: o Estado não devia encher a Administração Pública de gente indiferenciada como está a acontecer; e não deveria meter na Administração Pública, sob a capa de emprego científico, muitos doutorados da época Mariano Gago que não têm colocação nem nas empresas nem no ensino superior e que sob essa capa são agora transformados em funcionários públicos. “Aqui preferia gastar dinheiro público para injetar gente qualificada nas empresas, pagando o Governo o salario durante um ano, como eu fiz com os jovens técnicos para a Indústria” – recorda Luís Mira Amaral.
 
Regras travam conversão de fundos europeus em despesa corrente
 
Miguel Poiares Maduro afirma ter conhecimento de queixas relativas a uma utilização crescente por parte do atual Governo de fundos europeus para financiamento de despesa corrente, sobretudo em relação aos recursos do Fundo Social Europeu, mas não sabe se essa prática tem sido seguida ou não. O anterior ministro do Desenvolvimento Regional admite que essas pressões já existiam no anterior Governo, tendo sido feito muito trabalho no novo Quadro Comunitário para impedir esse tipo de utilização.
“Acho difícil que isso aconteça com as verbas do programa da competitividade e internacionalização, que são fundamentalmente para as empresas e onde a despesa corrente do Estado seria dificilmente elegível. Essas verbas aumentaram de forma substancial face aos quadros anteriores e não é possível transferi-las para outras áreas sem reprogramação. A não ser que o Governo esteja a violar as regras, o que seria complicado e realmente preocupante” – acrescenta.
A “Vida Económica” questionou o Ministério da Economia sobre as questões aqui em análise, mas, até à hora do fecho da edição, não nos foi enviada qualquer resposta.

LuÍs Ceia, presidente da CEVAL

 Setor privado é preterido nas prioridades

Infelizmente, as entidades do setor publico são cada vez mais “clientes” dos fundos estruturais – lamenta Luís Ceia. Em declarações à “Vida Económica”, o presidente da CEVAL – Confederação Empresarial do Alto Minho referiu que os fundos europeus foram idealizados com funções que promovam o desenvolvimento e a coesão social. “Como sabemos, apenas o setor privado, com honrosas exceções, tem a capacidade de reproduzir investimento, ou seja, torná-lo competitivo, criando riqueza e geração de postos de trabalho, que depois permitem praticar politicas amigas da coesão social, da equidade e do ambiente” – salienta.
Para o presidente da CEVAL, o Estado não está a promover o investimento. “Assistimos nos últimos anos, praticamente, à ausência de investimento público em setores vitais da nossa economia, como vinham sendo as obras públicas, com as consequências nefastas que se conhecem para as empresas de construção, conduzindo ao encerramento de algumas e à procura  de mercados alternativos de maior risco por parte de outras. Como sabemos, o setor da construção acarreta uma cadeia de valor de subcontratados, muitos deles pequenas PME, que acabaram também por ser afetadas irremediavelmente. Obviamente que uma desaceleração no apoio quer ao setor público quer ao privado implica que a cadeia de fornecedores seja afetada, afastando muitos investimentos, por desconfiança no crescimento da economia” - conclui.

 

Paulo Vaz, diretor-geral da ATP, afirma

 Sistemas de apoios são desadequados à realidade

Para Paulo Vaz, a redução significativa dos apoios públicos às empresas públicas e privadas pode ser um dos fatores que dá origem à queda do investimento.
“Julgo que há uma correlação, especialmente se pensarmos em Portugal como um país que não possui um contexto que é ‘business friendly’ no seu todo, a começar num quadro fiscal instável e desincentivador, pelas elevadas taxas e impostos que aplica, seja ao trabalho seja à riqueza gerada pelas empresas, e a terminar numa legislação laboral ainda marcada por grande rigidez, protegendo quem está no mercado de trabalho, mas sendo impeditiva a quem ele quer aceder, não premiando o mérito ou o talento” – disse à “Vida Económica” o diretor-geral da ATP – Associação Têxteis e Vestuário de Portugal. “Se, em tudo, as políticas e os apoios públicos não são orientados à atividade produtiva e à criação de riqueza, mas sobretudo na lógica distributiva ou redistributiva, então podemos dizer que tudo converge para que as empresas não invistam, ou porque não têm entorno que as estimule ou proteja, ou porque os sistemas de apoio público que deveriam compensar essa lacuna ou deficiência não se encontram desenhados ou vocacionados para o efeito” – acrescenta.
 Segundo referiu o diretor-geral da ATP, é óbvio que a redução dos apoios às empresas se deve à utilização dos fundos europeus para despesa corrente do Estado. “Se existem fundos estruturais destinados à competitividade e ao desenvolvimento, e se não são aplicados nesses objetivos, então é porque estão a sê-lo em outros, uma vez que há despesa e execução, como vamos conhecendo pelas declarações dos responsáveis políticos que os administram. Sempre me causou estranheza o facto de o Estado ser financiado diretamente por fundos estruturais da União Europeia, mesmo que sejam destinados à modernização administrativa ou para reduzir os custos de contexto (que ele próprio cria), mas a verdade é que, assim, se obtém uma forma de aliviar o défice da Administração Pública, quer pela via do investimento quer mesmo pela despesa corrente em determinadas áreas. Seja como for, qualquer euro que vá apoiar a despesa pública, direta ou indiretamente, é um euro que não vai para as empresas, o investimento produtivo e reprodutivo, que não vai apoiar a geração de riqueza, a prazo, mas simplesmente camuflar a despesa que o Estado realiza hoje, mas que,  no futuro, mais cedo que tarde, há de voltar a apresentar-se com todo o seu impacto negativo, postergando os problemas, nunca os resolvendo” – afirma.
“Se juntarmos a isto os atrasos no arranque dos programas, os atrasos nas aberturas das calls e nos prazos de apreciação e aprovação, os atrasos nos pagamentos, a burocracia que nunca se simplifica e sempre se agrava, de cada vez que muda um Quadro Comunitário de Apoio, já para não falar das exigências, responsabilidades, auditorias e escrutínios, muitas vezes desnecessários e desajustados, então temos a combinação perfeita para que as empresas que desejam investir o façam com recursos próprios ou através de financiamento bancário, pois alegremente preferem o baixo ‘spread’ do empréstimo do que os fundos dos projetos, mesmo que a taxa seja zero ou até a possibilidade de conversão em fundo perdido de parte do incentivo” – refere ainda Paulo Vaz.


João Luis de Sousa (jlsousa@vidaeconomica.pt), 19/01/2018
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