“O crescimento económico deve ser a grande prioridade”
“Um salário mínimo comum – rigorosamente igual – para todos os Estados-membros é manifestamente impossível, dada a diferença de níveis de vida e de leques salariais nos diversos países”, afirma à “Vida Económica” Paulo Rangel, vice-presidente do Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos).
Relativamente ao Programa de Recuperação e Resiliência, “a grande prioridade – que, para já, parece ausente – tem de ser o crescimento económico, através do apoio ao investimento privado, às pequenas e médias empresas e aos setores exportadores. Por agora, vemos mais e mais Estado, mais e mais infraestruturas, mais do mesmo. Se for assim, perdemos a grande oportunidade de superar o grave declínio da nossa economia”, acrescenta o eurodeputado.
Relativamente ao Programa de Recuperação e Resiliência, “a grande prioridade – que, para já, parece ausente – tem de ser o crescimento económico, através do apoio ao investimento privado, às pequenas e médias empresas e aos setores exportadores. Por agora, vemos mais e mais Estado, mais e mais infraestruturas, mais do mesmo. Se for assim, perdemos a grande oportunidade de superar o grave declínio da nossa economia”, acrescenta o eurodeputado.
Vida Económica – A próxima Cimeira Social vai centrar-se no Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS). Um dos temas que Portugal se propõe avançar é a diretiva regulamentar sobre o quadro europeu do salário mínimo. Qual é a sua perspetiva sobre o assunto?
Paulo Rangel - Um salário mínimo comum – rigorosamente igual – para todos os Estados-membros é manifestamente impossível, dada a diferença de níveis de vida e de leques salariais nos diversos países. Mas é possível estabelecer a obrigatoriedade, para todos os países, de alguns princípios comuns de enquadramento e até eventualmente um critério de determinação do “quantum” uniforme ou harmonizado. Em todo o caso, julgo que é um erro concentrar a cimeira social na perspectiva laboral, em que será muito difícil obter consensos com resultados efetivos. Teria sido bem mais avisado orientar a cimeira social para a união para a saúde, que assegura decerto um consenso muito maior.
VE – Qual é a sua opinião sobre o Programa de Saúde da União Europeia para 2021-2027, o EU4 Health? Considera que esse programa é compatível com as políticas sociais?
PR - Sem pôr em causa os objetivos altamente louváveis deste Programa e considerando que ele é totalmente conciliável com as políticas sociais, julgo que, depois do desenvolvimento da pandemia, é preciso revê-lo e eventualmente integrá-lo num quadro muito mais ambicioso: o da dita união para a saúde. A pandemia vai obrigar a reorientar os nossos sistemas de saúde para as doenças infeciosas, que, por definição, não conhecem fronteiras e exigem respostas comuns e coordenadas. Diria que o horizonte do Programa já foi superado e é preciso fazer o “upgrade” do mesmo.
VE – Acha que a polémica em torno da nomeação do procurador europeu pode ter implicações na presidência portuguesa no Conselho Europeu?
PR - Concerteza que tem. Isso deve-se unicamente ao Governo e ao Ministério da Justiça. As perguntas feitas por múltiplos deputados europeus foram apresentadas em setembro e outubro. Ignoraram-nas olimpicamente. Se houvessem respondido, elas teriam sido sanadas ainda na presidência alemã. A verdade é que o Governo português e o Conselho não conseguem responder cabalmente a nada, foram postos em questão por todos os grupos políticos do Parlamento e só tiveram a defendê-los vozes portuguesas do PS, do Bloco e do PCP. Até os socialistas europeus condenam a postura e comportamento do Governo Costa numa matéria fundamental de “rule of Law” – em que se violou o direito europeu e até o direito nacional!
VE – Considera que a intervenção excessiva do Governo em instituições com responsabilidade direta na gestão de fundos europeus aumenta o risco de fraude e corrupção?
PR - Mesmo que não aumente esses riscos, gera sempre a possibilidade de manipulação ou instrumentalização política e eleitoral da gestão de fundos – que, obviamente, é muito indesejável. Importa, porém, acrescentar que uma das grandes preocupações com a vinda da próxima vaga de fundos é exatamente a garantia de que serão bem usados, sem qualquer fumo de fraude ou corrupção. Ora, é isto que está longe de estar garantido e que tem de ser um objetivo central das instituições europeias e nacionais.
Má gestão da pandemia
VE – Na sua ótica, há responsabilidade política pelo descontrolo da pandemia Covid-19 em Portugal? O que falhou?
PR - Evidentemente que sim. Houve uma óbvia má gestão nos surtos de Lisboa de junho-julho, que muito comprometeram a estação de férias. Mas bem mais grave foi a gestão da segunda vaga em que, apesar dos exemplos internacionais paralelos, o Governo e o Primeiro-Ministro se refugiaram num optimismo incompreensível. Com consequências muito mais nefastas, mesmo trágicas, foi a gestão do período pré-Natal e dos inícios de janeiro. A 20 de dezembro, já se sabia tudo sobre a variante inglesa, já havia os paralelos na Europa, e o Governo enfiou a cabeça na areia. Nos começos de Janeiro, quando o desastre já era visível, o Governo ainda foi hesitante, relutante e resistente. Sem erros políticos graves, nunca teríamos atingido os recordes mundiais que tanto nos penalizaram e penalizam.
VE – As fraudes e os abusos na utilização das vacinas criam uma má imagem para Portugal?
PR - Evidentemente que sim. É a cultura da cunha e do conhecimento que frustra a confiança dos cidadãos e que cria injustiças relativas gritantes. Depois da incompetência e imprudência governativas na terceira vaga, que ecoou por todo o planeta, só nos faltava o labéu ou o rótulo do favoritismo e do amiguismo na estratégia de vacinação.
Apoio ao investimento privado
e empresas
VE – Considera que a execução do Programa de Recuperação e Resiliência e de constituem um grande desafio para todos os Estados-membros, em especial para Portugal? O que considera prioritário fazer?
PR - Sem dúvida que se cura do grande desafio dos próximos anos, pois dele dependem a sustentabilidade, a viabilidade e o sucesso da recuperação.
Vale para Portugal como para todos os outros Estados que foram duramente atingidos no plano económico e social. A grande prioridade – que, para já, parece ausente – tem de ser o crescimento económico, através do apoio ao investimento privado, às pequenas e médias empresas e aos setores exportadores. Por agora, vemos mais e mais Estado, mais e mais infraestruturas, mais do mesmo. Se for assim, perdemos a grande oportunidade de superar o grave declínio da nossa economia.
VE – Com frequência as associações e confederações empresariais queixam-se dos atrasos de pagamento dos apoios à recuperação das empresas. Que pensa disso?
PR - Sinceramente, é mais um traço da burocracia portuguesa e da lógica de pura propaganda deste Governo. Anuncia e promete, mas não é capaz de cumprir. Basta olhar para a execução do Orçamento de 2020 e para as suas cativações – até na área da saúde –, para perceber quão cheios de razão estão os nossos empresários e as suas associações.
VE – Quais poderão ser os maiores bloqueios à presidência portuguesa do Conselho da União Europeia?
PR - Um primeiro é seguramente a prorrogação da pandemia e dos confinamentos por toda a União Europeia, muitos deles determinando uma enorme restrição da mobilidade. A circunstância de a presidência ter de se concentrar na dimensão digital limita muito o campo de acção dos governantes portugueses. Um segundo foi decerto a tragédia da terceira vaga portuguesa que infligiu um grave dano reputacional que também cerceia a capacidade negocial do país. Finalmente as vicissitudes relacionadas com a vacinação na Europa e com o “Brexit” que desviam o foco das nossas prioridades para as exigências desta circunstância.
VE – Em face de tudo o que se disse e haveria ainda por se dizer nesta entrevista, que mensagem gostaria de transmitir?
PR - Uma mensagem muito clara: a presidência portuguesa tem a melhor agenda geopolítica para a União de que me recordo nos últimos anos (para a relação transatlântica, para a África e para a Índia). Na questão social, infelizmente, menosprezou a união para a saúde, em que podia ter um espaço de manobra social muito mais amplo do que nas questões laborais. Mas o essencial vai sempre ser marcado por três desafios que não escolheu: vacinação, recuperação e “Brexit”!