Pandemia será desafio maior que 11 de Setembro para bolsas mundiais
A 11 de setembro de 2001, cumprem-se hoje 19 anos, os ataques terroristas aos Estados Unidos foram um evento histórico para o mundo ocidental e mudaram muitos dos nossos comportamentos no dia a dia, a começar pelos controlos de que somos alvo nas viagens de avião. Para as economias e as bolsas, o 11 de Setembro foi, também, marcante. Neste período de pandemia de Covid-19, a “Vida Económica” perguntou a vários especialistas se os dois períodos são comparáveis. As respostas apontam para a existência de uma base comparável de clivagem e de receios nos investidores, mas o aviso é de que o mar que navegamos no presente é bem mais violento.
“O 11 de Setembro foi, logicamente, uma data marcante nas nossas vidas – por algum motivo todos nos recordamos onde estávamos e/ou o que fazíamos nesse fatídico dia que se verificou em 2001”, explica-nos João Lampreia, chief investment strategist do BiG. O especialista não considera, por isso, em resposta ao nosso jornal, que faça sentido falar num pré e pós-11 Setembro para os mercados bolsistas e economias mundiais. “Penso que se tratará inevitavelmente de uma assunção exagerada”.
A nossa fonte explica a sua opinião de que a economia americana já se encontrava em recessão antes do atentado, em resultado do colapso especulativo das empresas dot.com e que motivou uma quebra do investimento das empresas, rotação de inventários e retração do consumo. O atentado às torres gémeas de Nova Iorque conduziu à suspensão nos quatro dias subsequentes das bolsas norte-americanas, sendo que na reabertura da semana seguinte o índice S&P 500 registou uma desvalorização semanal acima dos 12%, mas essa perda global acabou por ser “totalmente recuperada” em pouco mais de um mês. João Lampreia recorda, além disso, que o mercado norte-americano já se encontrava em “bear market” (cenário pessimista e de tendência de queda) desde meados de 2000) devido ao já referido colapso das dot.com, pelo que os ataques terroristas foram, no máximo, “uma espécie de ponto intermédio na fase descendente do mercado que vigorou até o início de 2003”. A intervenção militar norte-americana que se seguiu contribuiu também para alguma incerteza geopolítica, mas também em termos positivos para um maior vigor da generalidade da indústria norte-americana.
O chief investment strategist do BiG considera, pois, que o desafio que a pandemia coloca para a economia mundial e para os mercados financeiros “é incomparavelmente” superior. “O atual momento tem mais semelhanças com o observado no período da grande recessão de 2008-09 – a data de 15 de setembro de 2008 associada ao colapso da Lehman Brothers é outro evento que ficará marcado para sempre na história, ainda que não tenha a mesma dimensão psico-emocional e individual/coletiva que os eventos terroristas de 2001 e o coronavírus de 2020 acarretam”, indica João Lampreia.
A nossa fonte indica que não houve recurso a qualquer estímulo fiscal em 2001 (o emprego nos EUA não piorou por causa do colapso das torres gémeas) face a um estímulo sem precedentes de quase três biliões de dólares em 2020 para fazer face a um desemprego galopante. O desemprego nos EUA está acima dos 10%, a economia deverá registar uma contração em 2020 superior também a 10% e “a expectativa de uma recuperação rápida já foi dizimada, ainda que um ‘rebound’ letárgico e agonizante (à imagem dos anos 30 do século passado) também nos pareça um cenário descartado”.
João Lampreia considera que estamos num momento que irá “acelerar transformações” estruturais a nível da regulação económica, política, organizacional-laboral e ambiental. “Em Portugal habituámo-nos excessivamente a uma linguagem de crise. Não tenhamos ilusões, a crise do novo coronavírus é definitivamente a ‘crise das nossas vidas’, por tudo o que representa e não se compadece com nenhum momento histórico do passado”, avisa a nossa fonte.
Pandemia com “receios idênticos”
Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, que dedica a sua coluna desta semana (pág. 29) ao tema, destaca que as duas datas são “igualmente desafiantes” para a economia e para os mercados. “Os receios são idênticos perante o desconhecido do terrorismo, que não tem rosto nem país, e o novo coronavírus da Covid-19, sobre o qual ainda muito pouco se sabe e contra o qual não existe nenhuma vacina”, salienta.
Sobre o 11 de Setembro, a nossa fonte indica que se lhe seguiu “um novo normal”, em que as pessoas se foram habituando a lidar com os fenómenos terroristas com menos receio e que aeroportos, cidades, museus, locais turísticos são agora muito mais vigiados. “Depois do 11 de Setembro falava-se muito de Israel e que esse país do Médio Oriente também tem bolsa e não fecha apesar dos conflitos armados diários e do terrorismo. O resto do mundo teve que aprender como o Médio Oriente depois do 11 de Setembro”, afirma Paulo Rosa.
Ataque terrorista foi avassalador
Francisco Alves, analista da corretora Infinox, considera que faz sentido falar num pré e num pós-11 de Setembro para os mercados bolsistas e economias mundiais, dado que, diz, tratou-se de “um evento avassalador” para os mercados bolsistas. Assistiu-se, indica o especialista, “a quedas abruptas das cotações” e a mudanças drásticas em todos os setores da economia e, por isso, “o início de uma nova fase”.
Também no atual período de pandemia do novo coronavírus há, de acordo com a mesma fonte, “volatilidades anormais”, levando a grandes movimentações dos mercados. “Apesar de termos observado uma boa recuperação da economia mundial, os investidores devem ter precaução, pois o vírus ainda está longe de estar controlado, podendo provocar mais uma queda nas cotações”, prevê Francisco Alves.
Covid-19 é mais desafiante
“A pandemia de Covid-19 tem sido, sem dúvida, um período muito mais desafiante para os mercados do que o 11 de Setembro”, de acordo com fonte da Sixty Degrees. “Nunca na história da humanidade se optou pelo confinamento quase global das populações, com efeitos nefastos e imediatos sobre as várias economias à volta do planeta. Além disso, acreditamos que parte desses efeitos negativos ainda estarão por se materializar, à medida que as medidas de apoio fiscal e monetário se forem esvanecendo”, acrescenta a mesma fonte.
Sobre os ataques terroristas, a entidade destaca as mudanças de liberdades individuais. “Acima de tudo, o 11 de Setembro acabou por resultar num aumento substancial do poder dos governos, enquanto solução para todos os problemas da sociedade, à custa dos contribuintes e da limitação das suas liberdades individuais”, salienta a fonte da corretora.
“Apesar disso, a economia americana conseguiu recuperar rapidamente deste evento e retomar o seu caminho de crescimento”, acrescenta. “Para os mercados bolsistas, o 11 de Setembro foi mais uma queda no meio do ‘bear market’ que havia iniciado em 2000. A decisão de suspender as transações, na bolsa de Nova Iorque, ajudou a acalmar a situação e a prevenir vendas em ‘modo pânico’”.