“Estamos a fazer os possíveis” para executar o MAR 2020 a 100%
A escassos 11 meses do fim do período de programação, o MAR 2020 (507,8 milhões de euros de dotação) está com apenas 36% de execução e 75% de compromisso. Em entrevista à “Vida Económica”, o ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, reconhece a “burocracia”, os “atrasos” na análise das candidaturas e a “complexidade” dos regulamentos, com “riscos” para a elegibilidade de certos investimentos. Assegura, contudo, que Portugal não deverá devolver verbas a Bruxelas e que estão a fazer “os possíveis” para executar o MAR 2020 a 100%.
VE – O seu Ministério tutela o programa operacional MAR 2020, que tem tido uma taxa de execução muito baixa. Está com apenas 36%. Que medidas pensa tomar para acelerar a execução?
RSS – O programa MAR 2020 é um misto [de verbas] do Orçamento nacional com o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP). Eu estava no Parlamento Europeu quando esse Programa estava para ser iniciado e o que se verificou foram dois anos de atraso [só foi aprovado no final de 2015], por questões que não eram dos próprios Estados-Membros, mas por atrasos da Comissão Europeia, mas que obviamente se refletiram no arranque do Programa, nomeadamente em Portugal.
Bem, a execução não está tão dramática como a pintam. De modo nenhum. A 31 de dezembro, estavam liquidados aos beneficiários finais 140,0 milhões de euros (36% do total FEAMP disponível, 392,5 milhões de euros), estando comprometido 75% desse valor (293,9 milhões). Portugal cumpriu a regra N+3 e é, comparativamente com os Estados-membros com um maior envelope financeiro do FEAMP, um dos com maior execução. E isto vai até 2020.
VE – E o senhor ministro considera que esta é uma boa taxa de execução e de compromisso? O PDR 2020, por exemplo, a 31 dezembro, estava com um compromisso de 89% e com 62% de execução [ver suplemento ‘AgroVida’ nesta edição – página VII].
RSS – Eu gostava de ter uma melhor taxa de execução e de compromisso, mas, como lhe disse, houve um atraso inicial de dois anos do próprio Fundo, que teve um efeito cascata. Mas está a ser identificado aquilo que poderá trazer problemas de execução para podermos mobilizar para outros projetos.
VE – A ex-ministra Ana Paula Vitorino disse, em maio do ano passado, à “Vida Económica” ter negociado com Bruxelas a reprogramação do MAR 2020, no sentido de reafetar verbas de medidas que tinham menos procura para outras com maior procura. Esta reprogramação está em prática?
RSS – Sei que houve reprogramações, como houve reprogramações na própria Comissão Europeia dos seus próprios fundos para porem em diferentes rubricas. Por exemplo, a rubrica de controlo, que só podia ser utilizada em transnacional e que estava com pouca eficiência de utilização, foi posta na investigação. Mas isso foi ao nível europeu. Aqui não tenho a certeza quais foram as reprogramações. Mas houve reprogramações, onde foi identificado, por exemplo, mais interesse do tecido económico noutras áreas de investimento [Em maio de 2019, o gabinete da então Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, informou a “Vida Económica” que o Ministério do Mar apresentara à Comissão Europeia um pedido de reprogramação do MAR 2020 que visava reafetar 16 milhões de euros para apoiar projetos de investimento nas áreas da aquicultura e da transformação de pescado, com o objetivo “atingir os 40% de execução até final do ano” – ver suplemento ‘AgroVida’ de 3 de maio de 2019].
VE – Mas a reprogramação está a levar a uma aceleração da execução do Programa?
RSS – Foram feitas novas ‘calls’, avisos, noutras áreas e por isso mesmo eventualmente é que resultou na aceleração do comprometido de 76%. Que é um bom comprometido, 76%.
VE – Considera que sim?
RSS – Eu acho que sim. Ainda faltam três anos.
VE – Faltam três anos para executar, mas o período de programação do MAR 2020 é até 31 de dezembro de 2020.
RSS – Mas temos depois mais três anos.
VE – Mas considera que, tendo uma taxa de compromisso de 76%, até 31 de dezembro de 2020, vai conseguir comprometer 100%, ou até mais, para salvaguardar eventuais desistências?
RSS – Estamos a fazer os possíveis para que isso aconteça.
VE – Não parece muito otimista.
RSS – Nem otimista nem pessimista. Não tenho uma medida segura… não lhe vou dizer…
VE – Estamos a falar de fundos públicos, europeus e do Orçamento nacional. Se Portugal não utilizar estas verbas, vai ter de as devolver a Bruxelas. E o que lhe pergunto é: corremos esse risco?
RSS – Não, não vamos correr esse risco. Vamo-nos comprometer na execução deste financiamento do Fundo Europeu para o Mar e para as Pescas. Houve áreas em que foi difícil. E não aconteceu apenas no nosso país. O modelo é muito complexo e [foi difícil] saber se determinados investimentos seriam elegíveis ou não. E houve receio de alguns setores de fazerem os investimentos e aquilo em que estavam a investir não fosse depois elegível perante o caderno de encargos do Programa [MAR 2020]. E isso, eu como deputado europeu também o reconheci lá, confrontei várias vezes a Comissão Europeia com esse problema, porque isso era uma das causas de alguns dos atrasos, por exemplo na questão das pescas. O tipo de motores que se podiam utilizar…. O sistema é muito ambíguo e pouco simplificado. No novo FEAMP isso vai ser modificado. Aqui, estamos a fazer todo o esforço possível para conseguir comprometer as verbas que foram alocadas.
VE – Nos últimos meses, empresários/investidores com quem fui falando queixam-se de um intrincado de burocracia, por um lado, e, por outro, da falta de meios humanos da Autoridade de Gestão que leva a atrasos na análise das candidaturas. Reconhece este problema e admite reforçar os meios?
RSS – Eu reconheço. Mas os meios humanos estão a responder. Neste momento não temos previsto nenhum reforço nesta área da gestão do MAR 2020. Podemos é eventualmente recorrer a contratos externos para agilizar. Algumas falhas na interpretação das elegibilidades já foram resolvidas e neste momento não serão um problema. Mas que o dossier é complexo, é. É complexo. E houve investimentos que não foram feitos imediatamente com o risco da interpretação. E a complexidade do regulamento do FEAMP que veio da própria Comissão Europeia contribuiu para estas confusões. Porque é um risco grande fazer um investimento e depois dizer-se que não é elegível.
VE – Mas o que é que é possível fazer para corrigir essa dificuldade de interpretação?
RSS – Este é um problema europeu, que foi muito debatido por nós no Parlamento Europeu e que no próximo FEAMP [2021-2027] esperamos que sejam limadas algumas das arestas. Mas com o comprometido que temos neste momento, acho que estamos com uma boa execução e não faria disto uma tempestade num copo de água. Sobretudo estamos muito melhor que quase todos os países do Sul da Europa.
VE – Mas se olharmos para outros programas nacionais – o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), por exemplo, que está com 62% de execução – o MAR 2020 está muito atrás. Isso não o preocupa?
RSS – Claro que preocupa. E é para isso mesmo que estamos a trabalhar. E estamos a identificar todos os dias quais as medidas do Programa que estão com menos execução para poder fazer novos avisos.
Ministério do Mar tem 14,7 milhões para comparticipar investimentos
do MAR 2020
O Ministério do Mar tem no seu programa orçamental para 2020 uma dotação de 134,6 milhões de euros, a que acrescem 73,8 milhões de euros de medidas Mar, que se encontram no programa orçamental da Agricultura, o que totaliza 208,4 milhões de euros de dotação. Face a 2019, há “um acréscimo de 6,3 milhões de euros”.
Questionado pela “Vida Económica” sobre qual, do total desse orçamento, o montante destinado à comparticipação nacional para financiar projetos de investimento no âmbito do Programa Operacional MAR 2020, Ricardo Serrão Santos esclareceu: “O valor inscrito, em 2020, pelo IFAP, para financiar a componente nacional do MAR 2020 é de 14,7 milhões de euros, estando prevista, na proposta de Lei de Orçamento de Estado, a possibilidade do seu reforço se o ritmo de execução global do MAR 2020 assim o exigir”.
A “Vida Económica” ainda questionou Ricardo Serrão Santos sobre as metas de execução do MAR 2020 em 2020. O governante revelou que “o MAR 2020 conta executar mais 60 milhões de euros de despesa pública em 2020, cumprindo de novo a regra N+3 e ultrapassando os 50% de pagamentos aos beneficiários finais antes do final do ano de 2020”.
Recorde-se que o MAR 2020 é o PO 2014-2020 dedicado ao mar e às pescas e é o único programa do Portugal 2020 financiado pelo Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP).
O PO está estruturado em sete eixos, subdivididos em várias medidas. Tem uma programação financeira para 2015-2020 – o Programa só foi aprovado no final de 2015 – de 392,5 milhões de euros, oriundos do FEAMP, a que se somam 115,3 milhões de componente nacional, num total de 507,8 milhões de euros.
|
“Sem peixe no mar não há pescadores”
“É preciso haver uma gestão muito precaucionaria” dos recursos marinhos, se os quisermos manter para o futuro. E “as políticas de recuperação desses mananciais, baseadas em avaliação científica e em modelos de gestão, têm permitido que alguns stocks recuperem”, constata o ministro do Mar. Ricardo Serrão Santos quer “manter as pescarias tradicionais e artesanais saudáveis e com capacidade de rendimento”. É que, diz, “sem peixe no mar não há pescadores”.
Vida Económica – Numa recente audição na Assembleia da República referiu que o seu Ministério vai trabalhar em sete grandes áreas (governação do mar, observação e investigação do oceano, ordenamento e sustentabilidade dos ecossistemas marinhos, pesca e a aquicultura sustentáveis, desenvolvimento da economia azul circular, administração e segurança marítima e financiamento da economia do mar). Que futuro têm a pesca e as atividades pesqueiras? Haverá cada vez mais restrições em nome da sustentabilidade?
Ricardo Serrão Santos – A pesca é a última atividade humana que explora os recursos selvagens. E, como tal, está sujeita à flutuação e à capacidade desses recursos de fornecerem biomassa para as próprias pescarias. Eu não tenho uma visão pessimista. Durante os séculos XX e XXI houve um acesso a recursos, não só em Portugal, mas a nível global, que depauperou muitos dos mananciais de pescado. Hoje ainda o maior inimigo das pescarias a nível mundial é a praga da pesca ilegal não regulamentada e não reportada. A pirataria, por assim dizer, das pescas. As pescas tornaram-se um pouco globais, o pescado, em muitos casos, não conhece fronteiras e a gestão é feita geralmente em órgãos internacionais. E quando falamos de regiões de pesca não estamos a falar de regiões alargadas, que envolvem vários países. Na União Europeia, uma das políticas a que estamos obrigados é a Política Comum de Pescas, precisamente por reconhecer que é um recurso repartido por vastos territórios. Na minha perspetiva, nas bacias oceânicas melhor geridas tem havido recuperação de mananciais. Isto quer dizer que as políticas de recuperação desses mananciais, baseadas em avaliação científica e em modelos de gestão mais ou menos complexos para melhorar os ecossistemas e as artes de pesca, têm permitido que alguns stocks recuperem.
VE – E no que diz respeito a Portugal?
RSS – Em relação a Portugal, saiu agora um relatório sobre o aumento do rendimento económico no âmbito primeiras vendas de pescado em lota [212,3 milhões de euros em 2019, mais 3,3% face a 2018, segundo a Docapesca]. Primeiro, porque há menos fuga à lota, ao controlo. E também mostra que também há alguma estabilidade. Mas temos de dar atenção a alguns mananciais, alguns estão a passar por uma crise. Um deles é o da sardinha e todos os modelos mostram que é preciso haver uma gestão muito precaucionaria deste recurso, se o quisermos manter para o futuro. Mas se compararmos com 2009, por exemplo, estamos numa melhor situação. O que quer dizer que as medidas que têm sido tomadas para recuperar os recursos estão a ter os seus efeitos. O propósito do Ministério [do Mar] é manter as pescarias tradicionais e artesanais saudáveis e com capacidade de rendimento, quer para a comunidade, quer para o próprio recurso. É que sem peixe no mar não há pescadores. E o que queremos é que haja peixe no mar e pescadores. E estamos a trabalhar neste sentido.
VE – Hoje em dia, de acordo com dados que têm vindo a público, cerca de 60% do peixe consumido a nível mundial (incluindo peixe de água doce) já provém da aquacultura. O futuro é apostar na aquacultura?
RSS – Bom, o esforço que estamos a fazer é para manter recursos selvagens comerciais acessíveis à pesca. A aquacultura é uma atividade de facto em crescimento. Temos de dar atenção aos seus modelos de crescimento. Se for de invertebrados, incluindo os bivalves, não tem problema, com as algas também não tem havido problemas, mas se formos pensar em aquacultura de peixes carnívoros, estamos a precisar de alimento e uma parte do alimento é peixe que também é relevante para a própria alimentação humana que ele próprio tem valor e que está a fazer crescer outros peixes de maior valor económico. Portanto, há que ter em particular atenção o modelo de produção que queremos, porque, se estamos a produzir grandes carnívoros, neste momento estamos a fazê-lo recorrendo muito a alimento marinho de valor inferior.
|