Sistema bancário continua a falhar no financiamento das empresas
“As dificuldades no acesso ao financiamento continuam a constituir um sério constrangimento a um relançamento mais forte do investimento e à desejável mudança estrutural da economia portuguesa”, afirma António Saraiva, presidente da CIP.
“O sistema bancário, apesar de mais capitalizado e dispondo de mais liquidez, continua a falhar na canalização de recursos financeiros para o setor produtivo”, acrescenta.
A nível fiscal, defende o aprofundamento do regime de Dedução de Lucros Retidos e Reinvestidos, a retoma do compromisso de redução da taxa de IRC, “fixando-a, no máximo, em 17% até ao final da legislatura”, e a eliminação progressiva das derramas.
Vida Económica – No Congresso da CIP, foi apresentado o Estudo Crescimento da Economia Portuguesa. Que comentário faz a este estudo e que importância lhe dá?
António Saraiva - Este estudo vem confirmar e fundamentar, com a chancela da Universidade do Minho, as grandes linhas do que tem sido o diagnóstico e a estratégia da CIP para um novo modelo de desenvolvimento para Portugal.
De facto, constatamos uma grande sintonia entre muitas das propostas da CIP e as recomendações deste estudo, promovido pela Missão Crescimento.
A principal novidade está na quantificação do impacto económico de políticas capazes de impulsionar o crescimento, nos vários domínios que abordou: em termos da educação e da formação profissional, do investimento no capital físico, do progresso tecnológico e da melhoria da qualidade e governança das suas instituições.
De acordo com os autores do estudo, a economia portuguesa tem potencial para crescer 3% a 4% ao ano. Isto mostra que a ambição das nossas metas não é irrealista.
VE – Na intervenção que realizou no congresso, disse que a aposta está nas empresas. Se isso não for feito, Portugal corre o risco de se manter na estagnação económica? Por onde se deve começar?
AS - De facto, o que nos dizem as previsões macroeconómicas é que, se não mudarmos de rumo, a tendência de abrandamento da atividade económica persistirá e conduzir-nos-á, senão à estagnação, a um crescimento anémico, muito longe do que é a nossa ambição.
Para o evitar, precisamos de políticas públicas que criem melhores condições para a produtividade e a competitividade. Identificámos essas políticas, apresentámos propostas nesse sentido. É tempo de começar, ultrapassando constrangimentos ideológicos e tomando consciência de que a produtividade das empresas é condição “sine qua non” do aumento de rendimentos a que os portugueses legitimamente aspiram.
Regime fiscal mais favorável
VE – Falou da necessidade de incentivar o autofinanciamento do investimento, aprofundando o regime de dedução?
AS - Uma das medidas-chave que defendemos consiste no aprofundamento do regime de Dedução de Lucros Retidos e Reinvestidos. Trata-se de um regime reintroduzido no sistema fiscal português em 2014, correspondendo a uma proposta há muito tempo defendida pela CIP, mas que, pelas suas limitações em termos de taxas, limites e outras restrições, acabou por ficar muito aquém do seu potencial. Pretendemos tornar este regime num instrumento eficaz de discriminação positiva de todas as empresas que investem baseando-se no autofinanciamento, em detrimento da distribuição de dividendos.
VE – Apontou também para os custos de contexto ainda existentes. Concretamente, a que queria referir-se?
AS - Referia-me a uma grande diversidade de bloqueios, de encargos administrativos, de custos que comparam mal com os das empresas das economias com as quais concorremos. Concretamente, destacaria os pagamentos em atraso por parte de entidades públicas, a falta de simplificação e o excesso de obrigações declarativas das empresas, que tanto tempo consomem às empresas, a infinidade de taxas/contribuições, sem que muitas vezes correspondam a contrapartidas claras e identificáveis, as práticas e procedimentos na área da fiscalidade que contribuem para a incerteza e o excesso de litigância fiscal, a deficiente aplicação dos regulamentos relativos ao licenciamento, os custos energéticos.
IRC e derrama
VE – Referiu a necessidade de baixar o IRC e as derramas? Em que termos?
AS - Na União Europeia, as taxas de IRC têm vindo a reduzir-se e estão, em média, significativamente abaixo da taxa aplicada em Portugal. Com o aumento da derrama estadual introduzida em 2018, e tendo em conta as reduções previstas em França, Portugal passará, brevemente, a ter a taxa marginal máxima de IRC mais elevada de toda a União Europeia. Como afirmei, este não é, certamente, o enquadramento fiscal adequado a um país que pretende atrair investimento. A nossa proposta, na qual insistimos, é a de retomar o compromisso de redução da taxa de IRC, fixando-a, no máximo, em 17% até ao final da legislatura, e da eliminação progressiva das derramas.
Concertação social
VE – Quando referiu a estabilidade política e a estabilidade social, apontou para a importância da concertação social. É a este nível que coloca, por exemplo, a questão do salário mínimo nacional? Qual é, em concreto, a posição da CIP nesta matéria?
AS - Defendemos a definição de critérios económicos, objetivos e quantificáveis, para a evolução do salário mínimo nacional. Critérios onde se incluem, nomeadamente, a inflação, a produtividade e a competitividade. Mas o papel da Concertação Social vai muito além deste aspeto. É minha convicção que a Concertação Social é, e dispõe de potencialidades para ser, ainda mais, um polo de entendimento onde temas verdadeiramente enquadradores da sociedade podem obter definição, visando a melhoria das condições de competitividade das empresas e a criação de mais e melhores empregos.
VE – Ao nível da reconversão da força de trabalho, focou os pactos de regime sobre os sistemas educativo e de formação profissional. Em que termos?
AS - Ao nível do sistema educativo, um dos objetivos que defendemos é a valorização e a integração, desde os primeiros anos de escolaridade, de competências digitais e de competências comportamentais e sociais que permitam uma capacidade de ajustamento permanente a um mundo em acelerada mutação. Deve estar também presente a necessidade de promover cursos, nomeadamente técnico-industriais, adequados às necessidades do mercado, bem como a introdução de formatos alternativos de ensino, que aproximem as escolas das empresas e vice-versa, como, por exemplo, mecanismos de alternância entre escola e empresa.
Quanto ao pacto de regime sobre o sistema de formação profissional, este deveria enquadrar os Centros Protocolares de Formação e as organizações formativas empresariais, valorizando o seu papel num plano de requalificação massivo da atual força de trabalho, que oriente os trabalhadores para o mundo digital e para as necessidades presentes e futuras das empresas. Defendemos o recurso a instrumentos como a formação-ação, os cheques-formação, unidades de curta duração ajustadas às necessidades das empresas, formação à medida, estágios com tutoria empresarial.
VE – São estas condições que as empresas e as associações empresariais precisam para melhorar o desempenho económico do país, ou é preciso algo mais?
AS - Tocámos já em muitos domínios, que fariam toda a diferença no desempenho das empresas, mas há um aspeto fundamental que não posso deixar de focar: as dificuldades no acesso ao financiamento, que continuam a constituir um sério constrangimento a um relançamento mais forte do investimento e à desejável mudança estrutural da economia portuguesa.
O sistema bancário, apesar de mais capitalizado e dispondo de mais liquidez, continua a falhar na canalização de recursos financeiros para o setor produtivo. Este é, aliás, um ponto justamente salientado no estudo de que falámos no início desta conversa.
Esta situação é particularmente preocupante porque uma das fragilidades estruturais do nosso tecido empresarial é a excessiva dependência de crédito bancário, sobretudo de curto prazo, num quadro de estruturas financeiras debilitadas.
Na linha dos trabalhos que vimos desenvolvendo, na CIP, há já muitos anos, defendemos medidas tendentes à capitalização e financiamento das empresas portuguesas, por forma a ultrapassarem esta fragilidade.
VE – Que mensagem gostaria de transmitir?
AS - Insistiria na grande mensagem do Congresso da CIP: só apostando nas empresas poderemos abrir perspetivas para um futuro mais próspero para Portugal. Um futuro de crescimento. Esse futuro é possível. É tempo de o construir. Se as perspetivas são desfavoráveis, é altura de as contrariar, fazendo diferente, fazendo melhor.