“Alguém tem de começar a pensar seriamente na regulação do mundo digital”
A presidente da Comissão Executiva da Sonae diz que só a ética e a autorregulação das grandes marcas digitais não são suficientes. E avisa que é preciso pensar a regulação deste “novo mundo” a nível global.
Cláudia Azevedo foi a convidada de um jantar/debate, na última semana, promovido pela Associação Portuguesa de Gestão e Engenharia Industrial (APGEI), o último evento público com Ângelo Paupério à frente dos destinos da organização. Segue-se-lhe o professor jubilado da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) José António Sarsfield Cabral, que a 1 de março deu a última aula.
O desafio era dissertar sobre como “Investir na era digital” e Cláudia Azevedo lembrou um dos maiores escândalos mundiais nesse domínio, aquele que expôs ao mundo como a rede social Facebook permitiu que a consultora política com sede no Reino Unido Cambridge Analytica se apropriasse e gerisse os dados de 87 milhões dos seus utilizadores. Tudo com o objetivo entretanto assumido de ajudar à vitória do ‘Brexit’ no referendo realizado no Reino Unido a 23 de junho de 2016 e, mais tarde, à vitória do candidato republicano Donald Trump nas eleições presidenciais americanas de 8 de novembro de 2016.
A CEO da Sonae não se alongou sobre este tema, mas falou claro: “Fala-se muito agora em ética e em confiança das marcas e nós vimos o caso do Facebook com as eleições [americanas] e a Cambridge Analytica e como o Facebook perdeu toda a confiança”, disse a gestora perante mais de duas centenas de empresários e gestores, mostrando preocupação.
“Eu não sou uma crente que estas empresas se autorregulem. Acho que tem de haver regulação. Neste mundo em que o ‘software’ vai ter o poder de matar alguém, injetando insulina numa bomba… numa era em que tudo é digital, a ética é muito importante e a regulação é superimportante”, avisou a CEO da Sonae.
Ciente de que “ninguém deve saber muito bem como se regula este novo mundo” e que esta “é uma das coisas que está a passar ao lado de muita gente”, a filha do empresário Belmiro de Azevedo foi taxativa: “alguém tem de começar a pensar nisso seriamente”. Tanto mais porque “a inovação tecnológica é exponencial e verdadeiramente disruptiva”, ao ponto de, em 2016, as cinco maiores empresas mundiais já serem “todas tecnológicas” (Apple, Alphabet, Microsoft, Amazon e Facebook) e de o mercado da robótica valer 40 mil milhões de dólares em 2017 e poder valer mais de 500 mil milhões em 2025.
Sonae investe por ano 40 milhões em novas tecnologias no retalho
Dados da World Robotics citados em setembro pela Bloomberg concluíram que, em 2018, as vendas de robôs chegaram aos 16,5 mil milhões de dólares (mais de 420 mil robôs instalados) e que, de 2018 até 2022, a expectativa é que cresçam 39%.
Confrontada com a “evolução incrível” ao nível das novas plataformas e experiências que a era digital cria e proporciona, a CEO da Sonae também está ciente dos custos inerentes para as empresas, que têm de investir permanentemente em “organização” e em “talento digital qualificado” para desafiar o mercado.
E, aí, Cláudia Azevedo revelou dois números que mostram o impulso da companhia nesta área: só na área do retalho “a Sonae investe, por ano, 40 milhões de euros em novas tecnologias” (investiu, no total, 702 milhões em 2018) e, no que respeita ao ‘mindset’ que é preciso saber mudar dentro da companhia, “todos os anos vamos buscar os 60 melhores das universidades e injetamo-los na Sonae”.
A Sonae registou em volume de negócios consolidado no primeiro semestre deste ano no valor de 2985 milhões de euros (5.951 milhões no ano de 2018). Emprega 53 mil pessoas.