Escola Superior de Biotecnologia ganha “instalações renovadas” com “laboratórios e valências mais identificados”
A Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto (ESB-UCP) encerrou as instalações no polo da Asprela e acaba de ocupar um novo edifício, construído de raiz, no campus da Foz. Será inaugurado este mês e ali passa a acolher todo o ensino/investigação ligado às licenciaturas, mestrados e doutoramentos, mas, também, a estrutura do projeto Alchemy. É uma parceria com a Amyris Bio Products Portugal, subsidiária da multinacional americana Amyris, Inc., que já está a operar na investigação de aplicações para subprodutos/resíduos e na produção de biomoléculas.
Em entrevista à “Vida Económica”, Isabel Vasconcelos, diretora da Escola, está radiante. Além de “instalações renovadas” e com “laboratórios e valências mais identificadas”, o novo edifício tem “mais-valias óbvias”. E permite aos alunos de Bioengenharia, Ciências da Nutrição e Microbiologia “contactarem com um ambiente de maior diversidade”.
Vida Económica – A ESB arranca o novo ano letivo nestas novas instalações, construídas de raiz, onde também está a concretizar a parceria que estabeleceu em 2016 com empresa norte-americana Amyris. Na prática, o que foi feito desde aí no âmbito dessa parceria?
Isabel Vasconcelos – Esta parceria começou com uma prestação de serviços, em 2016, que se estendeu em 2017. Prestamos muitos serviços deste tipo, mas este foi de uma dimensão bastante maior do que é habitual para nós. Trata-se de uma empresa de biotecnologia, que produz moléculas, a partir de microrganismos, e que estava interessada em particular, no nosso caso, em que pudéssemos valorizar os resíduos que sobram da produção das suas moléculas e que são uma componente muito importante. E, dado o ‘track record’ [histórico] que o nosso centro de investigação tinha na valorização de resíduos de várias indústrias, eles ficaram muito interessados no nosso trabalho.
VE – A parceria já foi anunciada há cerca de três anos.
IV – As conversas com a empresa iniciaram-se em 2015 e a parceria foi formalizada em junho de 2016. Em 2016/2017 foi montado um projeto para ser apresentado a financiamento competitivo, nomeadamente da AICEP, que foi submetido. É um projeto da ordem dos 42 milhões de euros, sendo que 26 milhões são elegíveis para financiamento, tanto para nós, ESB-UCP, como para a Amyris. De acordo com a lei, o nosso financiamento é um pouco maior, somos financiados a 75%, e a empresa é financiada a 50%. A outra parte do projeto é um investimento da empresa, através do seu ‘know-how’ e tecnologia.
VE – Já está aprovado?
IV – Está aprovado. O contrato foi assinado em julho de 2018 nos Estados Unidos, em Palo Alto [Silicon Valley, Califórnia], entre nós, a empresa (Amyris Portugal) e a AICEP. O projeto tem vindo a montar-se a partir daí e, tanto quanto temos conhecimento, é o maior investimento e o maior projeto financiado em Portugal na área da biotecnologia. É difícil as empresas investirem o seu dinheiro próprio neste tipo de projetos. Elas participam em projetos de investigação, mas o investimento próprio é sempre diminuto. Já tivemos alguns casos de investimento próprio para investigação e que foram um sucesso, mas de valores bastante inferiores a este.
VE – Porquê este montante tão avultado? Tem a ver com o quê, exatamente?
IV – Tem a ver com a dimensão do projeto, que é bastante ambicioso, e com as atividades que se pretendem desenvolver. É um projeto para cinco anos. A maioria dos projetos é para três anos ou até dois. Há vários sub-projetos dentro do projeto.
VE – E envolve apenas a Amyris Portugal?
IV – Este é um projeto – o Alchemy - entre a Amyris Bio Products Portugal e a ESB-UCP. Agora, na sequência disso, obviamente nós pretendemos envolver outras instituições, noutros modelos. Um dos modelos que está a ser desenvolvido é o dos laboratórios colaborativos. Nós participamos em vários e, na sequência desta parceria, e porque nos pareceu interessante privilegiar agora uma área específica deste projeto, montou-se um laboratório colaborativo, aí sim, com outras instituições portuguesas. Já foi apresentado à FCT [Fundação para a Ciência e Tecnologia], mas ainda não temos o resultado final.
VE – As empresas com as quais a ESB está a desenvolver colaborações estão ligadas a que setores?
IV – A Amyris está ligada à biotecnologia, produção de novos produtos através de microrganismos, para diferentes aplicações: alimentar, cosmética, industrial, farmacêutica, para o setor da energia. São aplicações muito diversificadas que centralizam conforme o mercado e o contexto que têm e conforme a investigação vai decorrendo. Na nossa colaboração com a Amyris, o projeto visa valorizar os resíduos da produção normal da empresa. Estamos a falar, por exemplo, da valorização do que sobra da cana do açúcar e que não é aproveitado para os processos deles, no sentido de procurar compostos bioativos que possam, por si só, gerar valor acrescentado e ter valor comercial.
VE – Mas já há resultados?
IV – Há resultados, sim. Não posso falar muito deles, porque estamos constrangidos por questões de confidencialidade e também porque são resultados que estão a ser estudados com outras empresas parceiras da Amyris. Portanto, isto também abre a porta a mercados muito mais alargados e a outras empresas colaboradoras ou clientes da Amyris para virem ver se interessam, se querem investir. Este é um projeto fortemente de investigação, mas evidentemente temos de pensar nos resultados dessa investigação. E a vantagem é que estamos a trabalhar com uma empresa muito grande, experiente em desenvolver e colocar tecnologia e produtos no mercado.
VE – Que mais-valia é que estas novas instalações trazem ao vosso trabalho de investigação e até à parceria com a Amyris?
IV – As mais-valias do edifício são várias. Desde logo, numa perspetiva de investigação e colaboração com empresas e de formação. Trazer o edifício para aqui resulta do plano estratégico da Universidade Católica para 2015-2020 de concentrar atividades num campus. Aqui no Porto e noutros centros regionais. A localização deste edifício aqui tem mais-valias óbvias, porque vai permitir aos alunos, de Bioengenharia, Ciências da Nutrição e Microbiologia, contactarem com um ambiente de diversidade com alunos e professores de Artes, Direito, Gestão, e por aí fora. É uma aposta também na multidisciplinaridade e em formações inovadoras. E isso é de uma riqueza cultural muito grande, muito importante nos dias de hoje e para os empregos do futuro. Diz-se que as universidades formam profissionais para empregos que ainda não existem. E se os alunos puderem ter uma formação mais abrangente e diversificada, que lhes permita desenvolver competências diferenciadoras, isso é um valor muito, muito grande. Todos os empregadores nos dizem que, quando procuram uma pessoa, são as competências pessoais e as atividades que os alunos puderam fazer para além da atividade curricular que mais valorizam. Porque eles assumem que as competências técnicas, essas, estão lá.
VE – Mas que ‘upgrade’ técnico-científico é que o novo edifício traz à Escola?
IV – Desde logo há a componente da investigação. Temos instalações renovadas, com valências que, na Asprela, não as tínhamos tão identificadas. Estavam mais dispersas. Estou a falar por exemplo de um laboratório de amostras clínicas. Fazíamos investigação nessa área, mas de forma mais difusa entre os vários laboratórios. Agora temos laboratórios mais dedicados. Por exemplo para a atividade de investigação em solos, que é muito importante [ver caixa]. Temos um laboratório dedicado a fungos. Temos outro dedicado a análise estrutural. Não é que isso não existisse, mas estava mais disperso. Este edifício permite uma organização mais temática, que é importante para os investigadores.
Depois, este edifício também permite alojar este projeto Alchemy num piso dedicado, coisa que não tínhamos na Asprela, o que é uma mais-valia muito grande. Aqui trabalham investigadores nossos e da Amyris. São cerca de 70 pessoas, cerca de 66 contratadas propositadamente para este projeto (47 nossas). E temos um ambiente de investigação melhorado, o que também favorece o ensino. O nosso lema é o ensino em ambiente de investigação, porque achamos que um curso universitário deve estar associado à investigação. E temos a ‘sorte’ de ter a nossa Escola no mesmo edifício do centro de investigação, que é o Centro de Biotecnologia e Química Fina. E isso é uma mais-valia muito grande para as duas dimensões: o ensino e a investigação.
VE – Com o novo edifício, a ESB-UCP tem capacidade para acolher mais alunos?
IV – Em termos de número de alunos, provavelmente não terá muito mais, pelo menos considerando apenas este edifício. Temos cerca de 600 e poucos alunos, com três licenciaturas – Bioengenharia, Ciências da Nutrição e Microbiologia - quatro mestrados e três doutoramentos, um deles em Enologia e Viticultura, em conjunto com a UTAD [Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro]. E trabalhamos com outras universidades. Há um cruzamento muito grande da investigação. Mas a nossa escola não é de grande dimensão. Também pela natureza da atividade, não poderia ser, porque temos um ensino muito prático, que não é só laboratorial. E isso exige grupos pequenos de alunos.
VE – A ESB-UCP colabora com empresas de vários setores, entre eles o agroalimentar. Com esta nova capacidade instalada podem alargar esse leque de colaboração?
IV – Diria que sim. Já colaboramos com muitas empresas. Nos últimos cinco anos tivemos 50 projetos de colaboração com empresas de diversos setores: da área alimentar, têxtil, saúde, com organizações na área do ambiente, etc. Também nos últimos cinco anos foram prestados cerca de 120 serviços científicos a cerca de 70 empresas. Temos um historial grande. E beneficiamos muito com essa colaboração e com o ‘know-how’ que as empresas nos trazem. Elas também ajudam a definir os temas que as preocupam.
VE – As universidades valorizam mais o conhecimento académico e as empresas privilegiam um conhecimento muito mais aplicado à sua realidade. É fácil esse diálogo e interação?
IV – É verdade. Às vezes é difícil a comunicação. Mas podemos dizer que temos conseguido uma boa colaboração. Por isso é que as empresas nos procuram quando têm problemas para resolver. Ou seja, reconhecem em nós um historial de competências e isso manifesta-se na procura que têm por nós.
“Os solos são um bem escasso”
Paula Castro, docente e investigadora e membro da Direção da ESB-UCP, faz questão de tocar no tema que mais a tem absorvido nos últimos anos: o estudo dos solos.
Primeiro, dá nota de que a ESB-UCP é “um centro de biotecnologia” que aplica “muito essa biotecnologia ao setor alimentar”. “A área alimentar foi, aliás, um mote para a ESB-UCP”, destaca a investigadora.
Com a passagem para o novo edifício, Paula Castro está confiante: “vamos conseguir pensar um bocadinho melhor as áreas em que atuamos e reestruturá-las, de forma a dar uma resposta mais cabal aos desafios estruturais dos cidadãos”. E muitos deles, diz, “passam pela sustentabilidade da cadeia agroalimentar”. Aliás, “com esta nossa costela agroalimentar podemos dar resposta a um setor que pede muito”, dados os “desafios das alterações climáticas, da escassez da água, da escassez de solo”.
E é um tema de que “não se fala muito”. Diz a investigadora que “às vezes esquecemo-nos que, para termos alimentos e processamento alimentar, é preciso solos e eles têm de ser protegidos”. E não tenhamos dúvidas: “os solos são um bem escasso”.
A ESC-UCP nasceu ligada ao agroalimentar, “mas a biotecnologia muito abrangente”. E na Escola trabalham na investigação ligada ao setor têxtil, cosmético, automóvel e a outras áreas. “A biotecnologia está em muitos desses setores, mas escondida do cidadão comum”, observa Paula Castro, explicando que “há o desenvolvimento de materiais que até servem para aplicação biomédica ou até para o setor têxtil ou da embalagem”.
Olhar para um alimento
e compreender a sua origem
Certo é que “os alimentos, a nutrição, a alimentação saudável, os recursos e o ambiente são uma grande componente” do trabalho toda a Escola. E, nesta componente do agroalimentar, “vamos desde o setor primário, aplicando ferramentas de biotecnologia à gestão de solos, quer à requalificação de solos degradados pelas atividades industriais, solos degradados de minas, solos que foram sujeitos a erosão, solos com uma aplicação intensa de agroquímicos que têm depois implicações sérias a nível da saúde pública e dos alimentos e da segurança alimentar”. Paula Castro não tem dúvidas: “esta é uma área muito interessante, que coloca grandes desafios e que tem repercussões muito importantes no futuro”.
Por outro lado, estão “a apostar muito na investigação de práticas sustentáveis para gestão de solo, usando a biotecnologia e parcerias com o setor florestal e agrícola”. A investigadora revela que trabalham, “nomeadamente no que respeita aos solos e à produção florestal, com várias empresas e entidades, até do setor dos vinhos”.
Na verdade, “quando olhamos para um alimento, temos de compreender a sua origem. E a sua origem é o solo, é a água”, diz a investigadora. Na Escola, “também atuamos muito ao nível da qualidade da água, estudamos bastantes problemáticas, quer a contaminação química, microbiológica, quer o problema, tão atual, da resistência aos antibióticos, que é propagado por práticas que às vezes não são as mais desejáveis”.
Em suma, frisa Paula Castro, “todas estas questões do planeta e da sustentabilidade dos recursos está muito presente no nosso trabalho e em todas as vertentes do nosso centro”.
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