“Temos de estar ao lado dos clientes desde a primeira hora, impedindo erros e evitando processos”
Para o advogado, a mais recente lei sobre o Branqueamento de Capitais vem reconhecer e alargar “a importância de medidas de ‘compliance‘ até aqui só direccionadas para as instituições bancárias e financeiras”, sendo que “a complexidade do diploma só é comparável à complexidade da criminalidade visada combater”. Elogia o Ministério Público por ter optado pela via da especialização e acredita que hoje este consegue equilibrar a sua atividade de investigação criminal face à especialização do crime financeiro. Numa entrevista alargada, o também vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados e advogado coordenador do Departamento de Direito Penal e Compliance da sociedade de Advogados Raposo Subtil e Associados (RSA), aborda outras temáticas ligadas ao Direito Penal e fala da “emergência de um direito sancionatório”
Como analisa a recente Lei n.º 83/2017 sobre o Branqueamento de Capitais? Quais os pontos negativos e positivos?
Esta lei, que tanta polémica tem trazido, transpôs as Diretivas n.º 2015/849/EU e 2016/2258/EU, que estabeleceram novas medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Assume, naturalmente, o resultado de um conjunto de anteriores diplomas que visam aperfeiçoar e reforçar o combate à criminalidade financeira organizada e altamente organizada, por isso, impõe um conjunto de deveres destinados a prevenir o branqueamento e o financiamento do terrorismo quer às entidades financeiras e de supervisão nacionais, bem como – e aqui começa a polémica – a um conjunto de profissões particularmente expostas à prática deste tipo de ilícitos. Deve ser encarada a necessidade, cada vez mais premente, de “armar” a investigação penal, mas, por outro lado, o objetivo será claramente preventivo da potencial prática de crimes que – pela sua estruturação muito complexa – podem e devem ser combatidos a montante. Diria que estamos perante o reconhecimento e alargamento da importância de medidas de ‘compliance’ até aqui só direccionadas para as instituições bancárias e financeiras, as quais, por força quer de normativos nacionais impositivos quer de inúmeros avisos do Banco de Portugal, são as únicas entidades mais bem preparadas para adaptar, de alguma forma, as imposições desta Lei. Diria ainda que a complexidade do diploma só é comparável à complexidade da criminalidade visada combater, sendo que todas as profissões abrangidas terão de efetuar um esforço nem sempre compaginável com as suas estruturas, o que pode redundar num conjunto de imposições nem sempre devidamente assimiláveis ou de uma gestão difícil de garantir.
Qual a sua opinião sobre o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo, Lei n.º 89/2017?
Este diploma, que, também ele, se insere no conjunto de medidas europeias de prevenção e combate à criminalidade financeira e, aqui, sobremaneira, o branqueamento de capitais e, por via deste, o financiamento do terrorismo, vem criar um conjunto de informação – a preservar e acessível – relativa ao beneficiário efetivo das pessoas coletivas e dos fundos fiduciários, bem como de outros centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica mas com uma estrutura ou funções similares aos anteriores. Como tive oportunidade de mencionar enquanto relator do parecer da Ordem dos Advogados (OA) sobre a proposta de diploma, será da “dialética constante entre as garantias que o Estado deve conceder ao cidadão e da necessidade – cada vez mais fundamental – de preservar a estrutura do edifício jurídico democrático, na luta, sempre desigual, contra formas de criminalidade que cada vez mais se apresentam como sistémicas, porque ultraorganizadas, a coberto, inúmeras vezes, de estruturas empresariais complexas, apetrechadas das tecnologias de informação mais avançadas e com uma capacidade de penetração nas estruturas financeiras e até do Estado bastante eficazes, que deve ser encontrado o equilíbrio que, acima de tudo, deve respeitar os princípios fundamentais lavrados na Constituição da República Portuguesa”. Ora, as críticas a este diploma surgem porque, em diversos artigos do mesmo, nomeadamente, as obrigações de conservação, a informação pública (que, entretanto, foi mitigada), as possibilidades de acesso à informação, as obrigações de comunicação de dados pessoais sensíveis podem ferir a estrutura de direitos fundamentais que fazem parte do círculo dos chamados “outros direitos pessoais”. Percebendo, compreendendo e aceitando a necessidade de equilíbrio de armas neste combate a uma criminalidade específica e complexa, creio que o conjunto de diplomas legais recentemente aprovados e destinados a combater a criminalidade económica, o branqueamento e o financiamento do terrorismo devem ser naturalmente olhados com muita prudência face à nossa Lei Fundamental.
No que se refere aos advogados, onde fica a “relação sagrada” com o cliente na lei referida?
Do ponto de vista dos advogados, esta tem sido uma das maiores polémicas resultantes da chamada lei de combate ao branqueamento e criminalidade organizada. Aprendemos todos, quando ingressámos na advocacia, com o Dr. António Arnaut, que “o dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, “condição sine qua non da sua plena dignidade (…) cujo fundamento ético-jurídico radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense, bem como na função do advogado como servidor da justiça.” Ora, sabendo que desde 2004 os advogados já se enquadravam na lista das entidades sujeitas aos deveres de prevenção do branqueamento, certo é que, hoje, retirando-se das exclusões previstas na Lei de 2017, a apreciação da “situação financeira do cliente” e o seu equilíbrio face aos deveres de colaboração podem pôr em causa toda a estrutura do sacro dever de guardar segredo do advogado. Urge, como noutros diplomas, monitorizar de perto e tentar compreender com prudência e bom-senso aquilo que pode resultar numa tentativa de desvirtuar a profissão, algo que, e bem, já foi manifestado pelo Bastonário da OA, será completamente absurdo, censurável e, em ultima “ratio”, de salvaguarda do dever de sigilo.
Que avaliação faz do papel do Ministério Público (MP) e da Polícia Judiciária (PJ) no combate ao branqueamento?
O MP, titular da ação penal, teve de se apetrechar para este combate dos “tempos modernos”. Sozinho, sem especialização, acabaria por ver soçobrar o seu esforço. Hoje, quer por via da especialização, quer por via da constituição de equipas multidisciplinares coadjuvantes do MP, quer pela necessária articulação entre o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e os Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP), creio que o MP consegue equilibrar a sua atividade de investigação criminal face à especialização do crime financeiro. A criação, pela Procuradoria-Geral da República, de um Plano de Ação de Combate à Corrupção, o qual tem por objetivos estratégicos a “organização, a prevenção, a repressão e a formação”, vem manifestar estas claras preocupações e levantar um conjunto de necessidades bem como de soluções (das quais já realcei algumas), que são um claro reconhecimento do investimento humano necessário ao combate a este tipo de criminalidade. Nunca será suficiente, face à “arte e engenho” da mente criminosa, mas certamente reduzirá o fosso entre quem oculta e quem persegue.
Que instrumentos de combate ao branqueamento julga que fossem importantes que existissem e fossem partilhados entre os vários países lusófonos?
A par destes normativos, resultado do esforço europeu de harmonização da prevenção e combate a este tipo de criminalidade, creio que, face às naturais diferenças e especificidades, as possibilidades de harmonização são semelhantes. No entanto, creio também que o esforço e a vontade política ainda não se encontram niveladas entre todos para que possam permitir esse equilíbrio. Recordo algo que poderia ser transposto para a comunidade lusófona e que seria um primeiro passo para uniformizar o combate a este tipo de criminalidade e que seria uma decisão conjunta de investigação criminal, ultrapassando as inúmeras burocracias e, ainda que só formais, limitações impostas por cada um dos Estados envolvidos. Recolho esta ideia da recente transposição de outra diretiva europeia e que é a que se destina a agilizar a investigação criminal no espaço comum, com a criação das “Decisões Europeias de Investigação” (DEI). Por outro lado, a articulação entre entidades de supervisão dos diversos países lusófonos permitiria efetivar a prevenção desta criminalidade económica.
O sistema penal / processual penal português é demasiado “garantístico”?
O sistema penal português é “garantístico” o suficiente. Diria que, se não cedermos a todas as tentações de combate à criminalidade sem descurar a estrutura constitucional dos Direitos Fundamentais, estaremos num caminho de equilíbrio, também ele constitucional.
Tem assumido a defesa de vítimas de crimes de abuso sexual, designadamente as vítimas do processo Casa Pia. Considera equilibrado o papel da vítima face ao do arguido no atual panorama penal?
A minha tentação seria a de dizer, de imediato, que não. Que existe um desequilíbrio desde logo na conceptualização da posição da vítima e da sua capacidade de intervenção processual face à do arguido. No entanto, e talvez por causa do ocorrido no processo Casa Pia, muitas alterações surgiram que, sem descurar garantias de defesa, protegem a vítima. É disso claro exemplo o atual carácter imperativo das declarações para memória futura das vítimas neste tipo de crime e a criação – que também gerou imensa polémica – de uma base de dados de abusadores sexuais. Acessível, mas que, ao que sei, não acedida pelos órgãos de polícia criminal e que confere uma maior proteção às vítimas e às potenciais vítimas.
O processo Casa Pia constituiu-se como um exemplo de um megaprocesso. Considera que processos deste tamanho podem ser limitadores ou mesmo impeditivos de uma justiça célere?
A nossa maior preocupação não deve ser a da celeridade, antes sim a da efetiva realização da justiça. Sabemos que o processo penal tem um tempo próprio, um tempo de investigação, um tempo de sindicância judicial e um tempo de julgamento. Nem sempre é possível o equilíbrio entre a celeridade reclamada e a justiça pretendida. Creio que, hoje, e em algumas investigações mais mediáticas, tem sido possível cindir as mesmas e assim “reduzir” os processos. Mas, considerando os atuais cenários e os exemplos bem recentes, temo que o agigantar dos processos se torne numa constante. Compreende-se perfeitamente que assim seja em alguns casos, mas, claro, o tamanho dos processos é inversamente proporcional ao tempo de cada um deles e, muitas vezes injustamente, a perpetualização de posições processuais de arguidos, investigados tempos infindáveis, acusados finalmente e julgados no tempo possível, são rótulos impostos aos investigados, presumíveis inocentes, mas condenados numa praça que tem tanto de pública como de cruel e desumana. Recordo um processo-crime, bem conhecido por sinal, onde e durante bastante tempo o único arguido foi um advogado que o foi só e apenas para contornar o segredo profissional do mesmo! Claro, não foi sequer acusado, mas, durante todo esse tempo, a honorabilidade e o bom nome do advogado foram postos em causa e expostos pública e desnecessariamente.
Face ao atual panorama legislativo e às obrigações impostas a entidades e empresas, está a ser criado um novo paradigma no direito penal? Um direito penal preventivo?
Sem dúvida que sim. Se até hoje só as instituições financeiras licenciadas estavam minimamente apetrechadas, agora, também elas, mas não só elas, estão obrigadas a um conjunto de deveres de acompanhamento, de colaboração e de denúncia que as obriga a munirem-se de um conhecimento do “dever ser” que até aqui não existia. Não só no direito penal clássico mas também no chamado direito penal secundário e sobremaneira no direito contraordenacional torna-se imperativo o conhecimento de um conjunto muito amplo de regras de “bem-fazer” que, sem dúvida, nos colocam perante a emergência de um direito sancionatório preventivo. Os custos financeiros para as instituições que colocam a sua própria sobrevivência em risco, a proteção a conferir a todos os que colocam as suas poupanças na mão de investidores profissionais, a sindicância aos atos de gestão dos órgãos de administração, tudo isso obriga a que as empresas se acautelem no agir próprio do que deve ser a sua atividade empresarial. E este não é o tempo de “colocar trancas à porta depois de a mesma roubada”.
Qual a sua posição em relação à figura vulgarmente conhecida como “delação premiada”? Que pontos positivos e negativos podem ser encontrados?
Qualquer ideia de delação só tem, à partida, pontos negativos. Esta questão e esta nomenclatura ganhou algum relevo por via da amplificação das delações no processo “Lava Jato”. Assistimos à validação de meios de prova que, em inúmeras situações, redundaram em falsas delações, com consequências graves para os acusados. Pensando desta forma, claro que não é sequer concebível algo similar no nosso sistema jurídico. No entanto, sabendo das inúmeras dificuldades de investigação de crimes financeiros e altamente organizados, tendo consciência da existência das vantagens conferidas aos arguidos que, em fase de julgamento, colaborem para a descoberta da verdade, entendo que a comunidade jurídica deve debruçar-se com o máximo de profundidade sobre estas questões. Porém, a conceção de um “direito premial” nunca será fácil de estruturar e aceitar. Não podemos é continuar a assobiar para o lado, estribados em conceitos, legítimos, mas desajustados, para recusar liminarmente a discussão. A OA, preocupada com esta questão e dentro deste espírito de seriedade, objetividade e profundidade de análise, tomou a iniciativa de organizar conferências, debates, estudos, publicações. Entendo, por isso, como positiva desta amplificação da figura brasileira, que devem todos os operadores judiciários apreciar a questão e tentar, com a seriedade que a questão merece, encontrar uma figura pacífica, eficaz e constitucionalmente confortável.
Temos assistido ultimamente a um conjunto de decisões judiciais polémicas, nomeadamente ligadas a crimes de violência doméstica, mas não só. Uma crítica que tem sido feita aponta no sentido de alguns dos magistrados viverem apartados do mundo que os rodeia. Ao longo da sua carreira, tem encontrado muitos exemplos flagrantes deste tipo de magistrados?
A amplificação que a comunicação social produz, benéfica, claro, nem sempre é rigorosa. Felizmente, e em mais de 25 anos de profissão, contam-se pelos dedos de uma mão os casos onde as opiniões pessoais dos magistrados se mesclaram com as decisões proferidas. Sabemos todos que os magistrados devem abster-se de produzir nas decisões opiniões pessoais que transbordem a matéria submetida ao seu julgamento. No entanto, e sendo também eles seres humanos, nem sempre conseguem. Por coincidência, os dois casos recentes incidem sobre o mesmo tipo penal: a violência doméstica. Um crime que deve preocupar todos, um crime que é transversal ao tecido social e que tem características muito nefastas e, bastantes vezes, é muito lesivo da integridade física, emocional e psicológica dos envolvidos. Estas características devem preocupar objetivamente os julgadores, mas abstraindo as considerações laterais que em nada servem para fundamentar as decisões e, mesmo sem querer, causam uma depreciação do trabalho do mesmo. Hoje em dia, e pesem embora as ainda persistentes diferenciações entre homem e mulher, muitos passos foram dados. Aqui recoloco a questão do papel das vítimas no processo penal, o qual, sem exacerbações para um lado ou outro, deve ser uma preocupação. Isto porque, se já é difícil às vítimas ultrapassar o “segredo” a que são impostas durante muito tempo, enfrentar um processo judicial muito duro é um reviver dos factos, circunstâncias tão ou mais dolorosas ainda. Se juntarmos a isto considerações de carácter pessoal, subjetivas e fora do contexto e as amplificarmos na comunicação social, a consequência poderá ser a de outras vítimas em posição semelhante desistirem de reclamar justiça, preferindo permanecer no sofrimento e no silêncio. Aqui sim, devem os magistrados pensar, pois que nos dias de hoje tudo é escrutinado, e nem sempre com a transparência, rigor e objetividade merecidos.
Em dez anos, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) condenou o Estado português 18 vezes por violação da liberdade de expressão, o triplo da média dos 28 Estados-membros. E o Estado teve de pagar mais de 300 mil euros em indemnizações. Pode-se falar num conflito com o Direito interno de Portugal? Não é transmitida, com estes dados, uma má imagem da Justiça em Portugal?
A liberdade de expressão, conquista de Abril, faz parte da estrutura mais basilar dos direitos fundamentais. Se durante 42 anos essa liberdade foi suprimida, hoje, de forma nenhuma devemos admiti-la. A convivência em democracia comporta uma cultura que tem de ser apreendida ao longo de anos. Não basta legislar! E, em Portugal, infelizmente, a velocidade de assimilação da liberdade de expressão ainda não atingiu o seu equilíbrio mais saudável. As limitações à liberdade de expressão de cada um, enquanto ser social, não podem ser legitimadas ou sequer admitidas. Mas o risco de excesso de liberdade de expressão – que produz lesões nos círculos de direitos fundamentais dos visados – deve ser sempre objetivado. Ora, será por causa desta falta de equilíbrio entre o direito e o excesso de exercício do mesmo direito que se deve encontrar uma ponte que permita limitar a necessidade de recurso ao TEDH para garantir a satisfação do direito fundamental violado. Não creio que o número de condenações do Estado Português, em 10 anos e considerado isoladamente, seja preocupante. O facto de constituir, ele mesmo, o triplo das condenações dos restantes Estados-membros da União Europeia se, por um lado, deve servir de alerta, por outro, tem de ser interpretado face à anterior vivência democrática desses mesmos Estados.
Sendo vice-presidente do Conselho Geral da OA, qual tem sido a posição desta face ao conjunto das questões colocadas anteriormente?
Posso dizer-lhe que, fazendo um ano desde que iniciámos funções, muito já se tem feito. Nunca será muito face ao dever da OA, mas, ultrapassado um primeiro período destinado a “arrumar a casa”, a Ordem já teve intervenção em todas as questões que me coloca. Em relação às preocupações a ter com a necessidade imperiosa de reclamar – para todos – os mesmos direitos e as mesmas oportunidades, a Ordem sentiu necessidade de constituir uma comissão destinada a apreciar, apoiar, colaborar e denunciar as questões de igualdade de género. Está em funcionamento. Quanto às alterações legislativas em matéria de criminalidade económica e organizada, a Ordem tem tido todo o protagonismo necessário, assumindo mesmo um papel dinamizador. O mesmo se passa em relação à “delação”. Os alertas, a discussão, os estudos e sua divulgação, a manifestação junto das entidades decisoras, a colaboração em grupos de trabalho constituídos para o efeito, entre outros, têm conferido à OA o papel que deve ter, sem que, contudo, esse papel seja meramente panfletário ou mesmo incendiário. Essa não é nem será a nossa postura. O trabalho profundo, a denúncia séria, a indicação de caminhos alternativos têm sido um paradigma a desenvolver junto das mais diversas instâncias. Em colaboração, mas com toda a firmeza na defesa dos direitos do cidadão e do advogado.
Em relação aos crimes económicos e ao branqueamento, muito se tem falado da demora das investigações. Qual a sua opinião?
Como já mencionei antes, este tipo de criminalidade é de elevadíssima complexidade de investigação e, por isso, mas não só por isso, uma investigação desta natureza pode demorar mais tempo do que em situações mais clássicas seria de esperar. Mas, conhecendo tal e ciente da seriedade do trabalho desenvolvido pelo MP, não creio que, desde que salvaguardados os limites prescricionais, as investigações sejam demasiado demoradas. Saber que o MP tem de solicitar inúmeras informações a entidades terceiras, algumas no estrangeiro, que parte dos suportes indiciários se encontram em documentos de apreciação técnica difícil, que tem de ouvir em declarações bastante gente, socorrendo-se de escutas, admitidas por um Juiz de Instrução Criminal que, depois de validadas, obrigam a um trabalho moroso de transcrição, entendo que o MP não pode, razoavelmente, encurtar os prazos das suas investigações. No entanto, e essa é uma crítica ao MP, as falhas de comunicação do mesmo levam a que, bastas vezes, se confunda e não se compreenda o porquê dos tempos. Uma das maiores falhas do MP português é a de não ter, junto de si, um gabinete de comunicação e imprensa capaz de descodificar a linguagem hermética do direito e transmitir ao comum do cidadão o que faz, porque faz e em quanto tempo faz. Mas essa falha não retira a essencialidade do trabalho dos Procuradores que, pelo País fora, nos DIAP e, em Lisboa, no DCIAP, desenvolvem o hercúleo esforço de investigação penal.
Uma última questão: o conhecimento de um conjunto de processos mediáticos que incidem sobre crimes como a corrupção, o branqueamento, a fraude fiscal, entre outros, permite-nos dizer que Portugal é um país de corruptos?
Essa é uma pergunta de fácil resposta. Não! Podemos ser tentados a pensar assim, mas, como bem coloca, a mediatização de processos envolvendo personalidades de grande relevo nos processos de decisão não pode ser nem generalizada nem fulanizada. Recordo que, pese embora toda a amplificação, benéfica porque escrutinadora, nenhum dos visados nesses processos já se encontra julgado e muito menos condenado. Hoje temos é mais conhecimento das coisas e devemos partir sempre do princípio da presunção de inocência dos envolvidos.
Mudou recentemente de sociedade de advogados. O que espera desta nova fase?
Espero contribuir para a criação e implementação de um departamento a que chamaria amplamente de direito sancionatório estruturado e capaz de dar resposta às necessidades dos clientes cabalmente. A minha experiência na área do direito criminal, em particular em Portugal e Angola, permitiu-me formar uma equipa preparada para responder às solicitações dos clientes numa área mais ampla do que o direito criminal. Estruturámos, no âmbito da Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa (RSA LP), que foi fundada pela sociedade de advogados de que sou sócio – Raposo Subtil e Associados –, um departamento de direito sancionatório. Uma visão mais ampla dos regimes sancionatórios, na vertente preventiva e de representação processual, é indispensável para acompanharmos os clientes no espaço lusófono e evitarmos contingências ao nível dos ilícitos de natureza regulamentar, fiscal e contraordenacional. Hoje, estar preparado para defender um cliente num processo-crime não é suficiente. Hoje, temos de estar ao lado dos clientes desde a primeira hora, impedindo erros e evitando processos. Hoje, a defesa de vítimas e acusados em processos de natureza criminal continua a ser da máxima relevância, mas existem outras dimensões ao nível do direito sancionatório também vitais.