PDR 2020 deixou de financiar projetos de criação de porco bísaro
Agostinho Moura comprou os primeiros porcos em 2005. “A ideia era começar a fazer fumeiro, mas os fatores de produção dispararam e deixou de ser rentável fazer engorda”, diz à “Vida Económica” o empresário agrícola de Amarante. Agora, dedica-se a uma pequena exploração de porcos bísaros que, ainda assim, está longe de satisfazer as necessidades – 150 leitões por semana - do restaurante da especialidade (Filhos de Moura) que há cerca de 10 anos também abriu na freguesia de Aboim onde nasceu, cresceu, foi presidente da Junta de Freguesia e lhe estão fixadas as raízes.
“Optei pelo bísaro. Só compro leitões bísaro. O crescimento é mais lento, a alimentação é diferente, os porcos são mais compridos, mais altos e mais estreitos, mas a gordura deles dá um sabor muito especial à carne, que a distingue e a torna um produto muito específico e apreciado”. “A produção não é tão intensiva nem homogéna, muitas vezes os porcos são criados ao ar livre”, pelo que este é “um produto diferenciador”, refere Agostinho Moura, que possui 15 fêmeas a procriar. O único problema é que, tendo em conta que cada uma pare entre oito e 10 leitões por ninhada duas vezes por ano, ao fim de três meses, três semanas e três dias de gravidez, “precisava de 400” exemplares para dar vazão às encomendas internas e, até, para fora.
No restaurante Filhos de Moura atende centenas de clientes mensalmente, entre várias figuras da política e do desporto, vindos de quase todos os pontos do país e até do estrangeiro, entre eles “turistas espanhóis, ingleses, escoceses e noruegueses”. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, oriundo do vizinho concelho de Celorico de Basto, “já me disse que havia de cá vir, mas ainda não veio, mas recebo cá vários presidentes de câmara e jogadores de futebol”, diz.
António Maria Teixeira é um dos produtores de porco bísaro que abastece o restaurante de Agostinho Moura. A “Vida Económica” visitou a exploração onde investiu 100 mil euros, em Telões, apoiado pelo PRODER, e onde dispõe, além de um terreno agrícola com monte onde os porcos circulam ao ar livre, de uma maternidade com 68 fêmeas e uma zona de desmame para onde as porcas reprodutoras são encaminhadas depois de darem à luz e até ficarem novamente com cio.
Garantindo que este é “um setor com rentabilidade”, António Maria Teixeira revela que “é preciso acompanhar o cio e cobri-las na altura certa”. O seu objetivo é elevar a rentabilidade e “conseguir mais de duas ninhadas por ano”.
A Associação Nacional de Criadores de Suínos de Raça Bísara (ANCSUB), entidade gestora do respetivo livro genealógico, tem 205 criadores ativos aderentes em Portugal. Pedro Fernandes, técnico ANCSUB, explica à “Vida Económica” que “estas explorações encontram-se em praticamente todo o território continental acima do rio Tejo”, mas que “a maioria” está na região de Trás-os-Montes, num total de 110. As restantes estão pelo Minho, Beira Interior e Beira Litoral e mais uma no concelho de Alcácer do Sal. O número de animais inscritos no livro genealógico soma 5800 porcas reprodutoras.
“Nos últimos anos, especialmente a partir de 2013, a raça bísara tem experimentado um crescimento assinalável do seu efetivo reprodutor, tendo passado de 3300 porcas reprodutoras em 2013 para 5800 em 2017”. Também o número de explorações tem aumentado. Passou “de 115 explorações em 2013 para 205 em 2017”, devido à implementação de projetos financiados pelo PRODER e pelo atual PDR2020.
Aliás, “o apoio que existe para a raça bísara (manutenção das raças autóctones em risco) ajudou neste desenvolvimento”, diz Pedro Fernandes, mostrando, no entanto, preocupação porque “é um apoio que deveria estar disponível até 2020 e, em 2015, esta medida foi encerrada por falta de cabimento orçamental”. Em consequência, “já houve alguns abandonos da produção e outros que nem quiseram iniciar esta atividade por falta de apoio e receamos que, depois de um desenvolvimento do efetivo reprodutor tão interessante, possa haver uma diminuição devido ao cancelamento deste apoio aos criadores”.
O porco bísaro é uma das três raças autóctones nacionais desta espécie, sendo detentor de um “património genético único e português”. A sua conservação e desenvolvimento adverte o técnico da ANCSUB, “é uma obrigação nacional”, porque contribui para um “desenvolvimento sustentável, através da qualidade dos produtos que lhe estão associados, manutenção da biodiversidade, viabilidade económica, respeito pelos condicionalismos ambientais e a procura do mercado, não só pela qualidade mas, também, pelos aspectos éticos e de bem-estar animal associados a este tipo de produção”.
Falamos de “uma raça de desenvolvimento tardio, com crescimento mais lento, o que permite uma infiltração de gordura nas fibras musculares (gordura intramuscular), que confere um aspecto ‘marmoreado’ à carne, o que as raças industriais não têm”. Isto, aliado a um “regime alimentar tradicional, mais natural, baseado em cereais, produtos hortícolas produzidos nas próprias explorações, frutos (com destaque para a castanha) e também ao exercício a que os animais são sujeitos – são explorados essencialmente ao ar livre –, traduz-se numa carne mais saborosa, mais tenra e suculenta”.
Questionado sobre a evolução dos preços da carne, Pedro Fernandes diz que este é “o ponto mais sensível”, pois, “devido a várias razões, a carne de porco bísaro, seja de leitão, seja de animais adultos, não é valorizada como devia”. A conjuntura atual, que faz com que “os consumidores procurem o preço e não a qualidade” e o facto de não haver produção organizada e os produtores trabalharem “quase cada um por si”, não contribui para valorizar o produto. Ainda assim, “está em avaliação o processo de reconhecimento de um agrupamento de produtores que, a ser aceite, permitirá uma melhor organização da produção e, consequentemente, a fixação de preços mais justos”.