Agricultura precisa de mais 300 milhões de euros
“Um conjunto alargado de pessoas pretende investir na agricultura, ou pela primeira vez ou para alargar os seus negócios, mas estão bloqueados”, porque há mais de um ano que esperam por ajudas de apoio ao investimento no âmbito do PDR 2020, cujas candidaturas só estarão analisadas e contratadas até ao fim do primeiro ou segundo trimestre de 2017.
Em entrevista à “Vida Económica”, José Martino, engenheiro agrónomo e fundador da consultora Espaço Visual, explica que, se não houver “um reforço com mais 300 milhões de euros por ano, nos próximos quatro anos”, estes projetos “só ficarão regularizados entre 2020 e 2022”.
Para este especialista, não há dúvidas: “a agricultura é um setor-chave para o crescimento da economia e para a criação de emprego” mas, “se nada for feito, este processo vai continuar embarrilado, assim como o desenvolvimento do país”.
Vida Económica – Lançou uma petição pública “Mais Portugal 2020 para a Agricultura”, dirigida ao Presidente da República, apelando a mais investimento comunitário na agricultura portuguesa. Qual é o seu objetivo?
José Martino – No âmbito do PDR 2020 e para as ajudas ao investimento, a minha proposta é o orçamento nacional contemplar mais 300 milhões de euros por ano para alavancar os projetos de investimento. Neste momento estão alocados 90 milhões para 2016, que alavancam 600 milhões de investimento. O que acontece é que há mais do triplo dos pedidos das ajudas. E o PDR 2020 tem dois problemas. O primeiro é que tem muitas candidaturas para analisar e contratualizar. E, depois de as analisar, não vai ter dinheiro para pagar, ou seja, vai ter de pagar ao longo de diversos anos. Aliás, o senhor ministro da Agricultura já disse publicamente que está a negociar com a banca para que empreste dinheiro aos promotores, para que as ajudas públicas possam ser pagas mais tarde. Neste momento, há candidaturas com mais de um ano para serem analisadas e contratadas. E este atraso de mais de um ano vai-se repercutir em atrasos de mais anos, ou seja, o PDR nunca vai estar em dia, só vai estar lá para 2022, quando for fechado. E o meu apelo com este movimento cívico é dar voz a este conjunto de pessoas que acreditaram e acreditam, na agricultura para de o país precisa para ter crescimento económico.
VE – Este setor é mesmo determinante para o crescimento económico?
JM – Estamos a falar de investimento que consegue criar desenvolvimento económico, que faz negócios, que cria emprego, que gera impostos. De acordo com as contas que faço, estes 300 milhões de euros ao fim de quatro anos retornariam para o Estado, quer através de impostos, quer em contribuições para a Segurança Social, quer em comparticipações da Segurança Social que não seriam pagas. Portugal só consegue sair deste ciclo vicioso em que está, de austeridade e de falta de crescimento, se investir no investimento. O meu apelo é que, além destes 300 milhões de euros para alavancar mais investimento, se criasse um movimento para que se negociasse com a Comissão Europeia para que este montante não contasse para efeitos de défice excessivo, mas que fosse considerado défice virtuoso, portanto, défice que vai gerar investimento para gerar crescimento e apoiar a economia e criar emprego.
Por outro lado, a agricultura é uma atividade na qual, nos últimos anos, muita gente, sobretudo jovens, têm aparecido, mas que, neste momento, têm a sua vida parada porque estão dependentes destas ajudas públicas para investirem.
VE – Quantas candidaturas de jovens agricultores estarão paradas?
JM – Há 15 mil candidaturas para analisar, neste momento. Analisam mil e poucas por mês. Creio que agora estão a entrar mais pessoas e o ritmo pode aumentar. Tem sido dito que no final do primeiro semestre de 2017 todas estarão analisadas. A verdade é que, se não for feito nada, este processo vai continuar embarrilado, assim como o desenvolvimento do país, sobretudo do interior, porque estamos a falar de investimento muito dele oriundo das regiões deprimidas do interior.
Depois, os critérios deveriam ser aferidos, dando prioridade aos jovens, às regiões do interior, aos sócios de organizações de produtores, no fundo criar um conjunto de prioridades que fossem ao encontro dos superiores interesses do país.
VE – Já reuniu com o Presidente da República? Que feedback teve?
JM – Não, ainda não reuni, mas conto pedir uma audiência nos próximos tempos. O que eu noto é que há uma base de gente muito interessada nisto, até porque é a sua vida que está em causa. E acho que é um movimento que se vai ampliar.
VE – Mas acredita que Marcelo Rebelo de Sousa vai ter sensibilidade a este tema?
JM - Sim, acredito que sim. Da mesma maneira que ele convidou o presidente do Banco Central Europeu [Mario Draghi] para participar no Conselho de Estado, espero que convide o senhor presidente da Comissão Europeia para cá vir e perceber os nossos argumentos. Numa altura em que se discute se vamos ou não ser penalizados por défice excessivo, faz sentido colocar este tipo de argumentos em cima da mesa. Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para resolver os problemas do país e nós só os podemos resolver com investimento para crescimento económico. Não é possível distribuir riqueza que não se cria. Não há milagres. E a agricultura é um setor-chave para o crescimento da economia e para a criação de emprego, sobretudo jovem.
VE – Que balanço é que faz da instalação de milhares e milhares de jovens agricultores nos últimos anos? Como avalia a taxa de sucesso?
JM – Faço uma avaliação positiva. Estive num seminário na Feira Nacional de Agricultura com a Agrogarante e os principais bancos e, salvo erro, o representante do BPI trouxe um número que me pareceu muito relevante: a maioria das ‘start-ups’ na Europa tem uma taxa de sucesso inferior a 50% e nos jovens agricultores em Portugal, que são ‘start-ups’, a taxa de sucesso é muito superior a 50%. Ora, só por aqui já temos um número. E eu vejo pelo lado positivo, porque, apesar de haver insucesso de alguns jovens agricultores, ele é pequeno quando comparamos com este dado.
VE – Mas tem sido consensual que é preciso um acompanhamento permanente e mais rigoroso dos jovens agricultores.
JM – O que acho é que é preciso outro tipo de instrumentos, nomeadamente do ponto de vista financeiro, porque existem as ajudas públicas, a banca até vai apoiando através da garantia mútua, que apoia a 80% os empréstimos, e a banca tem esse risco diminuído em 80%, que é a garantia mútua que o assume, mas era preciso ir mais além. Eram precisas linhas de crédito a longo prazo (15-20 anos), que diluíssem os erros de quem começa uma atividade e que ajudassem a pagar as contas decorrentes da sua aprendizagem.
“Ponto chave: conseguir que os produtores
de uma OP produzam todos da mesma maneira”
No final de 2014, estavam reconhecidas em Portugal 129 organizações de produtores (OP), de acordo com o GPP - Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura. Mais de metade dedicava-se à comercialização de produtos hortofrutícolas, sendo de destacar também o número considerável de OP reconhecidas para o setor dos produtos animais e dos cereais (incluindo milho), sementes de oleaginosas e proteaginosas. Das 129 OP reconhecidas, 73 pertenciam ao setor das frutas e produtos hortícolas e 56 aos restantes setores, com predominância para o milho e carne de bovino e carne de ovino/ caprino.
As 129 OP eram compostas por um total aproximado de 16.100 associados, dos quais cerca de 10 mil membros produtores com entrega de produção numa área de cerca de 103 mil hectares. Em termos de forma jurídica, dominam as cooperativas (cerca de 50%), às quais se seguem as sociedades comerciais (1/3) e depois as sociedades anónimas (10%).
O volume mínimo de produção comercializável (VPC) através de OP reconhecidas em Portugal foi de 737 milhões de euros em 2014, representando 11% do valor da produção do ramo agrícola divulgado pelo INE para o ano 2014.
Para José Martino, não há dúvidas: “é preciso aprofundar a informação sobre as OP” e, sobretudo, “não mexer substancialmente na legislação”. Para o engenheiro agrónomo, “as OP, se não tiverem dimensão e massa crítica, vão ter o seu trabalho limitado à frente, porque é necessário ter acesso ao mercado internacional e exportar e isso só se consegue congregando a produção”.
Para o também administrador da Bfruit, em vias de ser reconhecida como OP, há um ponto que lhe parece “chave”, que é “conseguir que os produtores que façam parte de uma OP produzam todos da mesma maneira”. Isto “parece uma redundância”, diz José Martino, “mas o que causa maiores engulhos e limitações à comercialização internacional é o facto de haver muitos produtores novos que não conseguem ter um produto homogéneo, em termos de qualidade”. Por isso, “este trabalho tem de ser levado muito a sério, com muito rigor e disciplina”.
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