Empresas ainda não estão preparadas para a internacionalização;

Ricardo Oliveira alerta
Empresas ainda não estão preparadas para a internacionalização
O consultor e formador Ricardo Oliveira avisa que as alterações em sede de IVA ainda não estão totalmente entendidas pelos operadores económicos.
A internacionalização é um processo essencial em qualquer economia desenvolvida. Portugal não foge à regra, mas muito há ainda por fazer nesta área, nomeadamente ao nível da formação profissional. Ricardo Oliveira, formador e consultor de empresas, chama também a atenção para as alterações que decorreram ao nível do IVA nas transações comerciais, sendo que existe também falta de preparação nesta área por parte dos operadores económicos.
Contabilidade & Empresas - Muito se tem afirmado, julgamos todos que é do conhecimento geral que a internacionalização da nossa economia e empresas é algo de fundamental, concorda?
Ricardo Oliveira -
Evidentemente que sim. Julgo que todos os intervenientes económicos têm essa visão, estão plenamente convictos que essa internacionalização é a única forma de crescermos.

C&E - E acha que estamos preparados para um verdadeiro processo desse tipo?
RO -
Quanto a isso, julgo que não. É evidente que temos sucesso em várias áreas, portanto já fazemos essa internacionalização, mas, verdadeiramente, nunca houve um trabalho prévio de preparação.

C&E - Porque diz isso?
RO -
Sou profissional desta área há 23 anos, mas pertenço a uma família ligada às Alfândegas, desde a década de 30 do século passado. Facto é que as matérias aduaneiras não são lecionadas no Ensino Superior. Isso é fulcral nas relações de comércio internacional. Não se podem executar operações de comércio internacional sem a execução de aspectos aduaneiros, logo é incompreensível como não existe essa preparação.

C&E - Parece lógico, mas o porquê disso?
RO -
Julgo que talvez seja pelo facto de ser uma matéria que sempre foi menosprezada, se calhar porque quem sempre tratou desses aspectos, os Despachantes Oficiais,  nunca pertenceram ao Ensino Superior.

C&E - O que está a afirmar é que, por esse facto, o Ensino Superior não compreende essas matérias, é isso?
RO -
Sim. Só na reforma das classes profissionais de 2015 é que passou a ser obrigatório que para concorrer a Despachante Oficial se tenha que ter Licenciatura.

C&E - E esses são os profissionais que tratam destas matérias aduaneiras?
RO - Sim, são os profissionais que estudam e tratam dessa matéria tributária, que é a matéria aduaneira. Chamo à atenção que são profissionais com um Estatuto Profissional, Código Deontológico, portanto, um enquadramento jurídico como um médico, um aAdvogado, um contabilista.

Despachantes oficiais são cada vez mais importantes

C&E - Mas existe uma noção de que essa profissão deixou de existir?
RO -
Sim. Mas isso é uma ideia errada. Nunca deixaram de existir, e julgo até que cada vez são mais necessários, até porque me parece que neste aspeto do comércio internacional o paradigma mudou; hoje, qualquer empresa pequena pode ter os seus fornecedores no mercado internacional, não são apenas as grandes. Isso é a globalização.

C&E - Ainda bem que toca nesse ponto. Sendo profissional desta área, como vê esse processo?
RO -
É um processo importante e julgo que sem retorno, e, já agora, ainda bem, mas isso vem trazer mais oportunidades, logo, temos que estar preparados, e, como já disse, julgo que não estamos bem preparados.

C&E- Mas pode concretizar?
RO -
Ora bem. Todos no Mundo têm a noção que nos devemos relacionar com vários países e mercados, até porque não são todos os países capazes de ter, produzir e fornecer todo o tipo de produtos. Logo, cada um deve fornecer os produtos que tem, os que produz melhor. Todos ganham com isso. Também existe a noção, esta mais política, que a inter-relação entre países, leva a mitigar o risco de guerras, algo que não deve ser desprezado, pois julgo que o conflito latente na 1ª Guerra Mundial era precisamente relacionado com matérias-primas. Assim, criar um enquadramento que potencie essas trocas, que crie essa inter-relação, é vantajoso.

C&E - E então como se concretiza essa globalização?
RO -
Os Acordos GATT são basicamente o primeiro passo. Estes acordos visam uma redução gradual e geral das tarifas aduaneiras e, assim, potenciar as relações entre países. Esse tem sido o caminho seguido. É isso que se trata no âmbito da OMC, onde se definem e controlam essas medidas de redução de tarifas.

Posição da União Europeia

C&E - Onde entra a nossa União Europeia?
RO -
A União Europeia tem uma condição especial…. É especial na medida em que a determinada altura de vida da UE, então Comunidade Europeia (CE), esta decidiu implementar uma União Aduaneira, algo que não é comum nos diferentes blocos económicos existentes no Mundo. Com isto, é basicamente a União que negoceia como um todo junto da OMC, isto porque na UE apenas existe uma pauta aduaneira.

C&E - Pauta aduaneira?
RO -
Sim, uma pauta aduaneira, a Pauta Aduaneira Comum (PAC). Esse é o documento jurídico que define as tarifas na entrada de produtos na União Europeia. E apenas existe uma, a PAC. Assim, qualquer importação de produtos tem um tratamento comum. Já agora, e porque muito me satisfez, verifico que a Vida Económica foi pioneira em lançar no mercado um livro que trata dessa matéria, o livro chama-se: “Direito Aduaneiro da União”.

C&E - Então, qualquer produto que venha de fora da UE é tributado de igual forma?
RO -
Exactamente. E como somos uma União Aduaneira, as regras são evidentemente comuns, logo existe um diploma único que regula a questão aduaneira, o Código Aduaneiro da União (CAU).

C&E - Pode explicar como funciona essa União Aduaneira?
RO -
Certamente. No fundo, os atuais 28 países, sim, 28, porque ainda não foi resolvida a questão do “Brexit”, mas podemos já falar disso, então, como estava a dizer, isto da União Aduaneira funciona como se o limite externo desses 28 países fosse a verdadeira fronteira. Só se sair desse espaço é que existe controlo aduaneiro. Dentro não. Esse passo foi a criação do Mercado Único.

C&E – Portanto, nas transações entre países da União não existem “fronteiras”?
RO -
Exactamente. Por isso é que costumo dizer aos meus alunos que nenhum operador económico português faz importações ou exportações com os países nossos parceiros na UE.

C&E - Não fazemos? Então o que fazemos?
RO -
Quando estamos a ter relações com esses países, estamos a operar no comércio internacional, mas é o mercado comunitário, logo, são aplicadas regras específicas, no fundo, às transações comunitárias.

C&E - Mas é comum falar em importações e exportações….
RO –
Exatamente, por isso é que digo que não estamos preparados. Um exemplo: se vendemos uma mercadoria para Espanha, não poderemos aplicar as regras fiscais das exportações, temos que aplicar as regras fiscais das transmissões intracomunitárias…

C&E - Transmissões intracomunitárias?
RO -
Que é a operação de venda de mercadorias para um dos nossos parceiros na UE, que tem as suas regras próprias, que não são as mesmas das exportações.

C&E - E quando é que exportamos?
RO -
Sempre que qualquer operador económico português vende para fora da UE. Fora das tais fronteiras de que falei. Mas também pode não ser assim. Se um operador económico português vender para o tal operador económico espanhol, o mesmo de há pouco, mas a mercadoria for para Ceuta, território Espanhol, já passa a ser uma exportação.

Falta de preparação

C&E - Parece um processo complicado, de acordo com o que está a referir.
RO -
É isso que digo, devíamos estar preparados e não estamos. Nesse CAU, está definido o território que se entende como fazendo parte dessa União Aduaneira, e todos os territórios pertencentes politicamente a países da UE, mas que não se situam na Europa, são considerados como não pertencentes, logo não estando, passam a ser aquilo que se define como mercado externo, logo, com intervenção aduaneira.

C&E - Então, voltando um pouco atrás e pegando neste aspecto, o “Brexit” vai implicar isso mesmo?
RO -
Eu atrevo-me a dizer que o “Brexit” é isso mesmo. A verdadeira implicação do “Brexit” é passar o Reino Unido, se todo unido ou não veremos, para esse mercado externo, logo, com aplicação de controlo aduaneiro.

C&E - Disse todo unido porquê?
RO -
Porque a UE quer impor que a Irlanda do Norte permaneça no Mercado Comunitário, chamam a isso a tal cláusula “Backstop”.

C&E - E acha isso possível? Acha que será um grande problema?
RO -
Possível até pode ser, complicado de implementar, tecnicamente um pouco descabido, mas pode ser. Quanto a ser um grande problema, acho que o grande problema do “Brexit” gravita à volta do desconhecimento, e muito desse está relacionado com a falta de conhecimento destes aspectos aduaneiros, só para dar um exemplo, todos temos relações com países como a Suíça ou Noruega, e eles não pertencem à UE, e nessas relações ninguém se queixa do excesso de tarifas.

Impreparação das empresas

C&E – E quanto às questões fiscais?
 RO -
Repare, aquilo que considero ter sido uma das maiores alterações em termos fiscais nos últimos tempos, o IVA das Importações, é um exemplo da impreparação das empresas….

C&E - IVA das Importações?
RO -
No Orçamento de Estado de 2017 foram alteradas as regras relativas ao IVA das Importações, criando a possibilidade de esse IVA ser apurado em sistema de autoliquidação. É o processo no qual cabe ao sujeito passivo de um imposto a realização do seu cálculo e da sua liquidação.

C&E - E isso passou a ser possível nas Importações? Não era, portanto?
RO -
Não, não era. Aliás, nunca foi. O IVA entrou em vigor em 1986 e apesar de teoricamente o imposto ser autoliquidável, nas importações nunca foi. Com essa alteração, passou o sujeito passivo a ser capaz de ser ele mesmo a fazer os cálculos, e liquidar o imposto.

C&E - E isso é bom?
RO -
Sim. Com isto passou a ser possível os sujeitos passivos processarem esses cálculos, e demonstrarem os mesmos nas respectivas Declarações Periódicas, deixando de ter que proceder ao respetivo pagamento no momento da liquidação, a qual era feita pelos serviços Aduaneiros. No que diz respeito ao IVA das importações, a quem competia liquidar era aos serviços aduaneiros, no momento da importação. Com isso, e conforme as regras de pagamento do imposto, para se fazer o levantamento das mercadorias, essa verba tinhade ser paga nesse momento. Assim, apenas passa o sujeito passivo a ter o procedimento de cálculo e demonstra isso mesmo na respetiva Declaração Periódica. Eu diria que foi uma das melhores medidas fiscais tomadas nos últimos tempos e isso faz me ir ao início de novo. E quem se preparou?

C&E – É o reverso da medalha…
RO -
Isto liberta as empresas de questões financeiras, muitas exigências financeiras, mas implica responsabilidade no processo de cálculo desse imposto. As empresas não estão preparadas para saber fazer devidamente esse procedimento de cálculo.

C&E - E isso só se faria com formação….
RO -
Evidentemente. Se reparar bem, já lhe dei dois exemplos de coisas importantes, as quais passam completamente ao lado do que se faz em termos de Ensino e Formação.

C&E - Acha portanto que este é todo um mundo por explorar?
RO -
É exactamente isso. Um mundo de coisas que poderiam ser exploradas, e que, portanto, nos poderiam preparar devidamente para estarmos verdadeiramente competitivos na internacionalização.
20/12/2019
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