Processos da jurisdição fiscal sujeitos a tramitação eletrónica;

Processos da jurisdição fiscal sujeitos a tramitação eletrónica
Foi publicada a portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos nos tribunais administrativos e fiscais. No entanto, a presente regulamentação parece ainda insuficiente para fazer face a todas as questões de ordem prática que se vão levantando no âmbito da utilização por parte dos profissionais da área da plataforma SITAF, defendem os fiscalistas da RFF.
Terão de ser promovidos novos dispositivos legais que venham suprir lacunas e garantir uma melhor operacionalidade do mesmo.
 “Caso assim não suceda, terá de se aguardar que os constrangimentos assinalados e causados pela possibilidade de escolha sem critério pelas secretarias dos tribunais, do mandatário a notificar, quando no processo estiverem mandatados mais que um advogado, chegue aos tribunais superiores, com vista a formar-se jurisprudência, o que certamente demorará mais tempo do que o aconselhável no presente caso.”
Em termos gerais, o regime previsto aproxima-se o mais possível das soluções já previstas no âmbito da tramitação eletrónica nos tribunais judiciais. O regime é inovador em alguns dos seus aspetos, nomeadamente por prever a tramitação eletrónica em toda uma jurisdição, isto é, prevendo essa tramitação dos processos não apenas junto dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais superiores, quando haja lugar a recurso para os mesmos. “Ora, sem beliscar os méritos de uma reforma que veio conferir mais transparência e celeridade na tramitação dos processos da jurisdição administrativa e fiscal, com ganhos no que respeita à redução de custos, burocracias e impacto ambiental, certo é que permanecem arestas por limar do ponto de vista prático, no que respeita à utilização, por parte dos profissionais da área, do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais administrativos e fiscais.
A RFF apresenta a título de exemplo o regime em vigor que prevê que, nos casos em que a parte disponha de mais do que um mandatário ou representante em juízo – como é o caso das procurações forenses conjuntas – apenas um deles poderá proceder ao envio da peça processual por tramitação eletrónica de dados, através da plataforma SITAF. “Todavia, a legislação em vigor é omissa, nestes casos, quanto à obrigatoriedade de os atos processuais serem notificados a todos os mandatários da parte e, pelo menos, àquele que submeteu a peça processual eletronicamente, podendo a secretaria judicial notificar, discricionariamente, qualquer um deles em detrimento dos restantes. O que poderá causar graves constrangimentos no âmbito da notificação, no acompanhamento e na gestão do processo por parte dos mandatários.

Indicação de vários mandatários

Consideram os fiscalistas da RFF que não faz qualquer sentido que, sendo indicados vários mandatários que representam em juízo a mesma parte, nem todos sejam notificados dos atos processuais, cuja notificação das partes seja obrigatória ou, menos ainda, que a secretaria dos tribunais escolha um deles discricionariamente e em detrimento de todos os demais mandatários, com vista à sua notificação via SITAF. “Em todo o caso, não sendo possível a notificação de todos os mandatários, sempre se imporia a definição de um critério relativamente a quem notificar (sendo, por hipótese, notificado o mandatário que tenha submetido a primeira peça processual). “assim se evitará que as secretarias judiciais possam proceder à notificação de um qualquer mandatário que conste da procuração, mas que possa não gerir diretamente o processo.”
Quanto às alterações constantes da portaria, os casos em que a digitalização de peças não seja materialmente possível, passam a ser regulados nos termos do CPTA, podendo as peças ou os documentos ser entregues na secretaria judicial do tribunal competente ou remetidas por via de correio ou telecópia. Por outro lado, os mandatários ou representantes em juízo deixam de poder optar pelas notificações eletrónicas, uma vez que as mesmas passam a ser realizadas por transmissão eletrónica de dados, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais administrativos fiscais, sem quaisquer requisitos adicionais. A portaria regulamenta ainda a prática de atos processuais e a consulta de processos por entidades públicas, no âmbito do processo judicial tributário e consagra o registo eletrónico das sentenças e dos acórdãos finais.

Regime fiscal dos residentes não habituais

A RFF chama a atenção para o regime fiscal dos residentes não habituais, criado com o objetivo de atrair profissionais qualificados, indivíduos com património e pensionistas estrangeiros, sofrerá alterações, no âmbito do Orçamento do Estado. O novo regime elimina a isenção para as pensões e introduz a tributação das mesmas a uma taxa fixa de 10%. Esta alteração não será aplicável aos “residentes não habituais” já inscritos como tal, bem como aos que sejam registados relativamente a este ano – até final de março de 2021 – desde que se encontrem registados como residentes fiscais em Portugal à data da entrada em vigor do OE, os quais continuam a beneficiar da isenção nos rendimentos de pensões durante o respetivo período de 10 anos.
Apontam os fiscalistas da RFF como uma também importante alteração introduzida respeita à tributação de 10% abranger as pensões (qualificadas como tal) provenientes de seguros de vida, fundos de pensões e planos de poupança-reforma, mesmo que ocorra o recebimento em capital não tributado anteriormente na esfera do beneficiário (não tributado no momento das contribuições efetuadas). Esta alteração poderá representar vantagens para pensionistas de fundos de pensões, que recebam os montantes em soma única. Até à data, esses montantes eram qualificados como rendimentos de categoria A (trabalho dependente ) de IRS, não abrangidos pelo regime de isenção, a menos que fossem efetivamente tributados na fonte.
Tendo terminado em 2019 a vigência dos benefícios do regime para os “residentes não habituais” inscritos como tal a partir de 2009 e, com maior expressividade terminando no final do presente exercício a sua vigência, inscritos como tal a partir de 2010, os “high net worth individuals”, atualmente estabelecidos em Portugal, deverão delinear a estratégia futura dos seus investimentos. O impacto das alterações no regime das pensões na afluência daqueles indivíduos apenas poderá ser medido nos meses e anos futuros, apesar de ser previsível que seja negativo.

Programa Regressar

O OE introduziu a exclusão de IRS de 50% dos rendimentos de trabalho dependente e independente auferidos por pessoas que se tornem residentes em 2019 ou 2020, desde que não tenham sido residentes em qualquer dos três anos anteriores, tenham sido residentes em Portugal antes de final de 2015 e tenham a situação tributária regularizada. Este regime (Programa Regressar) pode afigurar-se atrativo para as pessoas que não preencham os requisitos para serem registados como “residente não habitual”, bem como para pessoas que aufiram rendimentos de fonte nacional, não derivados de atividades de elevado valor acrescentado, dada a exclusão de 50% dos rendimentos ser aplicável a quaisquer rendimentos de trabalho dependente e independente, incluindo mais-valias imobiliárias realizadas no âmbito da atividade empresarial.
No caso de rendimentos sujeitos a retenção na fonte, em Portugal, as entidades pagadoras efetuam retenção na fonte às taxas gerais sobre apenas metade dos rendimentos. A exclusão é aplicável por cinco anos, a partir do momento em que sejam preenchidos os requisitos em causa, não sendo aplicável a quem tenha pedido o registo como “residente não habitual”. A aplicação prática deste regime aplica-se na época declarativa de 2020 (relativamente aos rendimentos do ano passado) que decorre entre início de março e final de junho. Os contribuintes interessados em beneficiar deste regime deverão ter em especial atenção o preenchimento da declaração Modelo 3 de IRS.

Mecanismos de relevância fiscal

A RFF chama a atenção para a proposta de lei que pretende regular a obrigação de comunicação à AT de mecanismos internos ou transfronteiriços com relevância fiscal. Da proposta resulta não só um regime jurídico integralmente novo de comunicação obrigatória à AT de mecanismos que contenham determinadas caraterísticas-chave tipificadas e consideradas como indiciadoras de um potencial risco de evasão fiscal (“hallmarks”), como um sensível alargamento das situações que determinam a obrigação de comunicação às autoridades fiscais.
As caraterísticas-chave estão tipificadas na proposta de lei e subdivididas em caraterísticas-chave genéricas relacionas com o teste de benefício principal, específicas relacionadas com o teste de benefício principal, relacionadas com operações transfronteiriças, com obrigações legais de informação sobre contas financeiras ou de identificação dos beneficiários efetivos e ainda específicas relacionadas com preços de transferência. A proposta implica um dever de comunicação de todas as situações de aproveitamento lícito e ilícito, legítimo ou ilegítimo de quaisquer medidas fiscalmente menos onerosas.
Como se encontra a definição de “vantagem fiscal”, esta abrange os regime fiscal da Zon Franca da Madeira, o regime fiscal dos Residentes não Habituais, bem como as medidas tendentes ao aproveitamento de quaisquer outros benefícios fiscais, nomeadamente previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais ou no Regime Fiscal de Apoio ao Investimento. A proposta especifica que apenas não integra as atuações que permitem considerar a existência de um intermediário a mera comunicação de informação, estritamente descritiva de regimes tributários existentes, incluindo benefícios fiscais, e o aconselhamento quanto a uma situação tributária já existente do contribuinte relevante.

Constitucionalidade em causa

Os fiscalistas da RFF apresentam as suas conclusões sobre esta matéria. A divulgação da identificação dos intervenientes e da identificação dos contribuintes relevantes suscita reservas quanto à sua constitucionalidade, quer do ponto de vista dos contribuintes, como também dos “intermediários”, especialmente aqueles como os advogados, sujeitos a deveres legais de sigilo. Do ponto de vista dos contribuintes, quando tal obrigação recaia sobre os mesmos, poderá estar em causa uma delação de si próprios, em termos tais que pode configurar situação de auto-incriminação. Apesar do princípio da não auto-incriminação não estar expressa e diretamente plasmado no texto constitucional, a doutrina e a jurisprudência portuguesas são unânimes quanto à sua vigência no direito processual penal e quanto à sua natureza constitucional.
Quando o dever de comunicação recaia sobre situações cobertas pelo dever legal de sigilo, é irrefutável que o seu cumprimento acarreta necessariamente a violação desse dever legalmente consagrado. Particularmente no que se refere ao segredo profissional dos advogados, este é, antes de mais, um direito dos cidadãos e um dos pilares do sistema democrático.
A proposta de lei pode concretizar, por um lado, uma restrição injustificada do direito dos cidadãos ao sigilo profissional dos advogados e, por outro, impor a estes uma também injustificada função fiscalizadora e delatora dos seus constituintes perante a AT, desenquadrada legal, histórica e institucionalmente da atividade do advogado, sendo inadmissível que possa impor também aos contribuintes qualquer tipo de auto-incriminação.
Assim, considera a RFF que a proposta em apreço deve ser objeto de revisão e alterada, pelo menos, quanto a estas duas situações. Exigindo que salvaguarde o direito dos cidadãos ao sigilo profissional dos advogados, limitando o dever de comunicação destes a “mecanismos” com relevância fiscal propriamente dita e excluindo a identidade dos seus constituintes e que não implique situações de auto-incriminação dos contribuintes.
Célia Cesar, 27/03/2020
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