Já ouviu falar em “tax-loss harvesting”?;

Já ouviu falar em “tax-loss harvesting”?
O “tax-loss harvesting” é uma técnica de gestão de carteiras na qual se leva a cabo uma colheita de prejuízos fiscais ainda não realizados tendo em vista a prorrogação do pagamento de impostos sobre as mais-valias. Embora a colheita de prejuízos fiscais faça parte de um conjunto de produtos e técnicas que visam lidar com a temática da fiscalidade dos instrumentos financeiros, as vantagens e inconvenientes dependem de um conjunto de cenários, o que pode tornar o exercício desta técnica mais complexo do que à partida seria expectável. 
 
a colheita de prejuízos fiscais ocorre quando, na sequência das alienações de instrumentos financeiros realizadas num determinado ano, um investidor prevê pagar impostos sobre as mais-valias já realizadas e, simultaneamente, detém outros instrumentos financeiros em que há uma menos-valia fiscal potencial que cobre, parcial ou totalmente, a mais-valia já realizada. Se realizar essa menos-va lia, o imposto a pagar nesse ano diminuirá, podendo até ser zero.
Vejamos um caso hipotético: perto do final de 2019, um investidor previu uma rentabilidade efetiva de 100 mil euros para a sua carteira, que valia um milhão de euros no início desse ano. Contudo, em termos fiscais, 2019 foi um ano em que realizou mais-valias fiscais que perfizeram 200 mil euros. Supondo que as suas previsões sobre a rentabilidade estavam corretas, se nada fizesse, este investidor residente em Portugal, que tinha uma taxa marginal de IRS no último escalão (48%), optaria racionalmente pela tributação autónoma de mais-valias a uma taxa liberatória de 28%. Assim, pagaria 28%*200 000 = 56 000 euros, a título de imposto sobre mais-valias.  
Agora, admitamos que este investidor tinha em carteira ações do BCP, banco do qual era acionista desde o seu início, tendo participado em todos os aumentos de capital, e que a menos-valia não realizada era de 300 mil euros. Neste caso, o investidor poderia vender parte das ações, e utilizar a menos-valia para compensar a mais-valia já realizada em 2019, e assim pagar zero de imposto sobre as mais-valias relativas a 2019. Assumindo que as ações foram sendo compradas numa sequência temporal equivalente à queda continuada da cotação nestes títulos, poderia necessitar de vender bem menos do que 2/3 dessa carteira para atingir o objetivo aqui pretendido. Claro que também ficaria sem a possibilidade de beneficiar da subida da ação do BCP na mesma medida em que beneficiaria antes, mas isso poderia ser resolvido voltando a comprar esse título na quantidade que igualasse o valor de mercado do investimento pré-operação de colheita de prejuízos fiscais. 
 
Quanto maior a rentabilidade esperada, maior a vantagem “a priori” na colheita de prejuízos fiscais
O montante prorrogado de imposto pode ser aplicado, acrescentando assim à base de investimento a capitalizar. Assim, com tudo o mais constante, a colheita de prejuízos será tanto mais vantajosa quanto maiores forem as mais-valias realizadas nos anos seguintes relativas ao investimento do imposto prorrogado. Por exemplo, pressupondo uma fiscalidade constante e uma rentabilidade após impostos de 5%, teríamos uma vantagem económica de 5%*56 000 = 2800 euros. Por conseguinte, carteiras de investimento com perfis de risco mais agressivos, pelo facto de terem rentabilidades esperadas superiores, têm mais incentivos a recorrerem a esta técnica.
 
Quanto maior a volatilidade esperada, maior a vantagem   
“a priori” na colheita de prejuízos fiscais
O valor monetário acima indicado (2800 euros) não parece ser especialmente significativo, pois representa apenas 0,28% da carteira. No entanto, mesmo sendo um valor relativamente baixo, poderá haver vantagem em prorrogar o imposto sobre as mais-valias, porque o pagamento feito hoje é definitivo, mesmo que nos anos seguintes haja prejuízos, o que pode prejudicar a rentabilidade plurianual após impostos. De facto, pode dar-se o caso de a mais-valia de determinado ano representar um pico na evolução da carteira. Por exemplo, se o investidor tiver 200 mil euros de mais-valias em 2019, pagará 58 mil euros de imposto. No ano seguinte, se perder 200 mil euros, o resultado total nos dois anos será de 200 000-58 000-200 000 = -58 000 euros. Contudo, adotando a técnica da colheita de prejuízos fiscais descrita acima, o resultado seria de 200 000-200 000 = 0 euros no acumulado dos dois anos. Poderia argumentar-se que a perda de 58 mil euros não é definitiva, pois poderá ser reportada para os quatro anos seguintes. No entanto, a limitação temporal deste “ativo” a quatro anos e o facto de a sua utilização poder implicar a aplicação de taxas de imposto superiores (via englobamento) tornam esta opção tendencialmente mais desvantajosa. Em conclusão, quanto maior a variabilidade dos retornos anuais, maior a importância da colheita de prejuízos fiscais.
 
Quanto menos penalizadora for a evolução esperada da fiscalidade, maior a vantagem “a priori” na colheita de prejuízos fiscais
Nos casos em que se prevê um aumento da taxa de imposto ou outro tipo de medidas de agravamento fiscal, como, por exemplo, a obrigatoriedade de englobamento, o impacto da medida poderá ser muito significativo. Por exemplo, um aumento da taxa de imposto sobre as mais-valias de 28% para 35% significaria que os 200 mil não tributados a 28%, o que daria 56 mil euros, passariam a ser tributados a 35%, isto é, 70 mil euros de impostos. Nestes casos, pressupondo que nos anos seguintes haverá mais- -valias a pagar, não é aconselhável fazer qualquer colheita de prejuízos fiscais, se considerarmos este fator de forma isolada. 
 
Produtos de poupança e gestão de carteiras
Os PPR, seguros de capitalização e seguros “unit linked” são produtos financeiros que têm vantagens fiscais se detidos durante um determinado período. No entanto, a sua fiscalidade é autónoma, isto é, as subscrições e resgates não contam para efeitos de consolidação das mais e menos-valias com outros instrumentos financeiros fora desse produto. Por conseguinte, a vantagem fiscal que existe quando analisamos isoladamente o produto pode transformar-se facilmente numa forte desvantagem quando analisamos a situação do investidor na globalidade. Por exemplo, um investidor que tenha perdas fiscais a reportar terá interesse em usar esse “ativo fiscal” durante o tempo que tal for possível, o que deixa de acontecer se o investidor optar por subscrever um PPR ou produto semelhante em termos de fiscalidade. 
Nos produtos de gestão de carteira, o facto de o mandato do gestor ser discricionário retira capacidade de intervenção ao investidor. Poderá, inclusivamente, dar-se o caso de diferentes gestores terem rentabilidades semelhantes, mas com realizações fiscais muito diferentes. Este afastamento de uma componente tão importante da carteira poderá resultar em lucros após impostos muito inferiores aos que resultariam de uma gestão eficaz da componente fiscal.
 
Conclusões
A colheita de prejuízos fiscais pode ter grande relevância na rentabilidade após impostos, sendo influenciada pela rentabilidade e pela volatilidade da carteira, assim como pela evolução da fiscalidade;
A colheita de prejuízos fiscais é tanto mais vantajosa quanto maior for a rentabilidade da carteira, com tudo o mais constante;
A colheita de prejuízos fiscais é tanto mais vantajosa quanto maior for a volatilidade da carteira, com tudo o mais constante;
A colheita de prejuízos fiscais é tanto mais vantajosa quanto menos penalizadora for a evolução da fiscalidade, com tudo o mais constante;
Os produtos de poupança, como, por exemplo, os PPR, têm vantagens fiscais, mas a desvantagem de não consolidarem mais e menos-valias com outros produtos fora do seu perímetro;
A gestão discricionária de carteiras descura, geralmente, a temática da colheita de prejuízos fiscais.
Alexandre Mota Partners2U, 02/07/2020
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