Excesso de investimento nas renováveis prejudicou a competitividade;

Luís Mira Amaral contesta falta de racionalidade nas decisões políticas
Excesso de investimento nas renováveis prejudicou a competitividade
Para Luís Mira Amaral, o lóbi das energias renováveis capturou os decisores políticos conseguindo preços exagerados e muito acima dos valores normais de mercado.
“A Europa é um continente desfavorecido em termos de preço de energia” – afirma Luís Mira Amaral. Em entrevista à “Vida Económica”, o ex-ministro da Indústria e Energia considera que as políticas europeias têm sido muito centradas no ambiente e no clima e agravam os custos da energia, prejudicando a atividade industrial.
Em relação às energias renováveis, Luís Mira Amaral destaca que a evolução tecnológica reduziu os custos, tornando a eólica e fotovoltaica competitivas face a outras fontes de energia. Em sua opinião, Portugal investiu de mais e antes do tempo, suportando um custo muito mais alto em comparação com os países que aguardaram a descida dos preços. “Tivemos um lóbi eólico fortíssimo que capturou os governos do PSD e do PS” – lamenta Luís Mira Amaral.

Vida Económica - A indústria na Europa tem sido prejudicada pelos custos de energia mais elevados em comparação com a Ásia e os Estados Unidos?
Luís Mira Amaral -
As políticas europeias são muito centradas no ambiente e no clima, sem considerarem os impactos desfavoráveis que podem ter na economia e sem terem preocupações de mitigação desses impactos desfavoráveis, e têm consequências vastas na atividade económica e industrial.
O que tem acontecido é que as políticas públicas europeias, nomeadamente, a política industrial e a política energética, têm sido apenas subprodutos dessa política ambiental e climática e, portanto, obviamente que a Europa é um continente desfavorecido em termos de preço de energia e é desfavorecido em relação aos Estados Unidos e ao continente asiático.
 
Portugal tem mais vantagens na energia solar do que na eólica
 
VE - Em relação a Portugal, houve uma opção deliberada por uma produção de energia mais cara face aos outros países da Europa, com fontes renováveis?
LMA -
A opção pelas energias renováveis nomeadamente a eólica e a fotovoltaica, é uma opção que, à partida, é correta, por duas razões: essas energias contribuem para a diversificação das fontes e aproveitam recursos endógenos portugueses. Fui eu que, no governo, fiz um decreto-lei que acabou com o monopólio da EDP na produção de eletricidade, abrindo caminho às novas renováveis intermitentes (eólica e solar). Depois aconteceu um problema muito simples. Não é preciso ter formação económica e basta ter um mínimo de bom senso para perceber que um país como Portugal, que não fabricava nem dominava estas tecnologias, só deveria importá-las e aplicá-las maciçamente na economia portuguesa quando estas tecnologias já estivessem desenvolvidas e com preços competitivos para não afetar a competitividade das empresas e da economia por via da energia. O que aconteceu é que depois tivemos um lóbi eólico fortíssimo que capturou os governos do PSD/CDS e do PS. Os consumidores portugueses já pagaram cerca de 22.000 milhões de euros em subsídios à produção dessas energias, subsídios esses que não contribuíram para o crescimento, afetando a competitividade e onerando atá as classes mais desfavorecidas. Nós tivemos um excesso de energia eólica em Portugal quer em termos de capacidade instalada quer em termos de preços. Essa eólica foi paga a um preço excessivo de cerca de 90 euros/MWh, muito acima dos preços de mercado.
Temos em Portugal uma capacidade total instalada de cerca de 20000 MW de potência elétrica para uma ponta de consumo de 8000 MW e isto porque é preciso ter centrais hidroelétricas e térmicas de reserva prontas a entrarem em rede e a produzirem quando não há vento ou sol. Por outro lado, à noite, quando há vento e se pode produzir energia eólica,a ponta de vazio é de 3900 MW, tendo uma capacidade eólica instalada de mais de 5000 MW, claramente excedentária em relação a essa ponta de consumo, o que leva a que o excesso de energia produzida tenha de ser armazenada sob a forma de água nas albufeiras através das centrais de bombagem ou vendida a Espanha a um preço muito baixo, próximo de zero, porque os espanhóis também têm esse problema de excesso de energia nessas horas.
Agora o Governo prepara-se para, através de leilões solares, instalar na rede novas capacidades fotovoltaicas, e ficaremos com cerca de 3000 MW de capacidade fotovoltaica.
Então teremos na nossa rede uma capacidade instalada renovável intermitente (eólica mais solar) de cerca de 8000 MW para uma ponta de consumos aos fins de semana, horas de vazio, de apenas de 3900 MW. Então, quando ao fim de semana houver vento e sol, teremos uma produção claramente excedentária em relação aos consumos e nem sequer estou a contar nestes números com a hidroeletricidade das centrais de fio de água que também estarão a produzir eletricidade. A nova capacidade fotovoltaica a instalar aparece pois constrangida pelo excesso eólico do passsado. E repare que, pelo regime em que essas centrais eólicas e fotovoltaicas estarão a produzir, as chamadas tarifas politicas “feed-in”, nós pagamos sempre essa energia renovável produzida, quer precisemos dela e a estejamos a consumir, quer não precisemos e não a consumamos!
Tudo o que aconteceu e infelizmente continua a acontecer em Portugal são excessos no domínio das renováveis, principalmente nas eólicas. Portanto, não devíamos ter feito estes investimentos maciços no início que nos prejudicaram. Agora estaríamos em condições de aproveitar a evolução tecnológica com os preços muito mais baixos, como é o caso das fotovoltaicas, que aparecem agora com preços muito competitivos. Logo, não devíamos ter investido tanto em eólicas e agora estaríamos em condições de meter muito mais fotovoltaicas na rede. Acresce que a fotovoltaica tem uma grande vantagem em relação à eólica, pois produz de dia nas horas de maior consumo, enquanto a eólica produz mais de noite, em contraciclo com o consumo. Portugal, no fundo, tem mais vantagens na energia solar do que na eólica.
Em suma, não ponho em causa as renováveis intermitentes que produzem ao ritmo da natureza e não do nosso consumo, até favoreço mais a solar do que a eólica, mas houve um excesso de investimento eólico prematuro em relação ao estado da tecnologia, que dificulta agora o pleno aproveitamento da solar fotovoltaica, porque o lóbi das renováveis capturou os governos.

VE - Uma das consequências desse excesso de investimento é o défice tarifário que está a ser pago pelos consumidores?
LMA -
A questão começou na época de Manuel Pinho, com os custos da energia renovável, eólica e fotovoltaica, que eram exagerados, extremamente caros e muito acima dos preços de mercado. Para fazer face aos custos de produção com as energias renováveis, teria de haver aumento de preços para os consumidores. Houve um ano em que surgiu uma proposta de aumento de 15% nas tarifas de energia elétrica, e até o secretário de Estado da equipa de Manuel Pinho concordou com a alteração dos preços, proposta pela ERSE. Mas, depois, o ministro Manuel Pinho veio desautorizar a ERSE e o próprio secretário de Estado e impôs um plafonamento do preço de energia elétrica. Fazer esse plafonamento significou que, simpaticamente, arranjou de forma administrativa um preço de energia elétrica de venda ao público que era inferior ao preço que essa energia elétrica custava e, portanto, isto gerou o défice tarifário. Este défice acontece quando o Governo fixa ou impõe um preço de energia que é inferior aos reais custos de produção e de faturação dessa energia à rede. Em cada ano houve um défice tarifário, e o conjunto de défices tarifários acumulados deu origem à famosa dívida tarifária que chegou a 5000 milhões de euros e agora reduziu para 3000 milhões de euros, que mesmo assim é um valor extremamente elevado. Ou seja, na nossa fatura de energia elétrica em cada ano, vamos ter um custo adicional que é a amortização desta dívida tarifária.
 
VE - Faz uma avaliação positiva da liberalização da distribuição da energia elétrica?
LMA -
Em primeiro lugar, houve um problema relacionado com a idade, porque as pessoas idosas tiveram toda a vida um contador da EDP nas suas casas, e por isso confundiam a energia elétrica com a EDP. Havia uma certa inércia nesta faixa etária para passar a outros comercializadores que não eram a EDP, ou seja, houve um fator geracional que limitou a eficácia do processo de liberalização. No fundo, este processo consistiu no aparecimento dos chamados comercializadores que compram energia a produtores, depois utilizam a rede de transporte da REN e as redes de distribuição da EDP Distribuição, às quais se paga uma portagem para transportar essa energia, para a ir vender à nossa casa. As rede de transporte da REN e as de distribuição da EDP Distribuição são os chamados monopólios naturais insubstituíveis neste processo. Neste momento, existirão 30 comercializadores, mas de facto a EDP Distribuição, que é o comercializador de preferência para a maior parte de nós, ainda tem acesso a 80% da quota de mercado, ou seja, a concorrência, que era suposto ser atingida com a liberalização do mercado, ainda é limitada.
Por outro lado, os comercializadores foram obrigados a dar uma garantia que começou por ser de um milhão de euros. A maior parte deles já tinha dificuldades financeiras e não dispunha de recursos financeiros que permitissem dar garantias desta dimensão.
As garantias foram depois baixadas para 100 mil euros, mas só o facto de haver uma garantia era uma barreira à entrada no mercado desses comercializadores. O facto de as garantias serem agora mais baixas trouxe outro problema. Houve alguns comercializadores que entretanto faliram e, portanto, não pagaram energia que compraram. Portanto, faz algum sentido terem de dar uma garantia, porque têm de ter uma estrutura financeira para fazer face as oscilações dos preços de energia, quando a compram nos picos de preços e a repassam aos clientes a preços préviamente fixados no contrato que fizeram com os seus clientes?
 
VE - Recomenda algumas medidas para tornar o mercado mais competente e mais competitivo?
LMA -
Tem que haver uma plataforma de disponibilização de informação aos consumidores que seja bastante transparente e funcione muito bem sob a forma digital. De facto, só com transparência da formação de preços, do conhecimento que se tem e do comportamento dos vários operadores e dos comercializadores deste mercado é que nós podemos ter um mercado mais fluido e mais concorrencial para os consumidores, portanto estes têm de ter muita informação e o comportamento do mercado tem de ser completamente transparente para eles.
 
VE - Em relação ao gás de garrafa, vemos que há uma grande diferença de preços entre Portugal e Espanha, onde se mantém o controlo administrativo dos preços. Isso quer dizer que em Portugal há um oligopólio que se revela desfavorável ao interesse dos consumidores em comparação com Espanha?
LMA -
Em Espanha, os preços sujeitos a controlo abrangem apenas as botijas de 13 kg. As botijas mais pequenas não têm preços fixos. Depois, existe uma eficiência logística em Espanha muito superior à portuguesa: em Espanha só há 400 postos de distribuição do gás de botija, enquanto em Portugal existem 4000 postos. Eles têm oleodutos que cobrem toda a Espanha, nós só temos um oleoduto de Sines a Aveiras. Portanto, logo à partida o transporte de butano e propano é mais eficiente em Espanha do que em Portugal. Depois a nossa cadeia logística é muito mais longa, o transporte não é tão eficiente e temos muitos mais distribuidores.
João Luís de Sousa jlsousa@vidaeconomica.pt, 09/07/2020
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