Eurodeputada Maria da Graça Carvalho considera Fundos europeus devem dar maior prioridade à formação ao longo da vida ;

Eurodeputada Maria da Graça Carvalho considera Fundos europeus devem dar maior prioridade à formação ao longo da vida 
“O novo paradigma é a aprendizagem ao longo da vida”, afirma Maria da Graça Carvalho.
“Gostaria de ver na próxima geração de fundos uma maior prioridade ao ensino superior, à ciência, à inovação e à formação ao longo da vida”, afirma a eurodeputada Maria da Graça Carvalho.
Defendendo um modelo de ensino mais descentralizado, Maria da Graça Carvalho considera  o Erasmus um dos programas que mais têm contribuído para o espírito da Europa e para a construção europeia. “Aconselho a estudar o máximo possível no ensino superior e depois ter outras experiências, fazer Erasmus, fazer mestrados ou doutoramentos fora do país. Isso dá uma vivência muito importante”, acrescenta.
Vida Económica - Que impacto é que teve a pandemia sobre o ensino e sobre a inovação no estudo? Os professores e os alunos ficaram mais frágeis ou mais resilientes e abertos à mudança?
Maria da Graça Carvalho -
O que pode ser considerado positivo é o empurrão no setor digital. Todos nós avançámos mais no digital, os professores, os alunos e todas as profissões. Eu, por exemplo, não estava muito virada para o online, mas comecei a fazer as compras a partir de casa e gostei e habituei-me. A introdução do digital estava a ser um pouco lenta e isto veio dar um empurrão. Portanto, é um ponto positivo e é importante que não se perca. De qualquer maneira, eu acho que há aspetos negativos, nomeadamente o facto de os alunos com menos possibilidades de terem acesso à internet partirem em desvantagem. Também o facto de não haver socialização foi nefasto para os alunos. Socializar é importante para os alunos, para o seu bem-estar e para a sua saúde. O estar em conjunto é muito importante e perdeu-se isso. Há aspetos positivos e negativos desta pandemia, contudo continuo a achar que o melhor era não ter havido pandemia. 
 
VE - O modelo atual de ensino está posto em causa, devendo ser mais online e menos presencial?
MGC -
Eu não diria posto em causa. Muito ainda vai ficar, vamos utilizar mais conteúdos online e recorrer mais ao digital. Além disso, há um grande desejo de as pessoas estarem juntas. Acho que a procura de soluções tanto pelos professores como pelos alunos, isso fica. A noção de campo-escola é muito importante para a aprendizagem. Criar novas networks tornam-se mais difícil. Pode haver algum complemento digital, mas irá ser maioritariamente presencial.
 
VE - Qual é que acha que deve ser o papel e a atitude dos professores no futuro?
MGC -
É cada vez mais difícil ser professor, neste momento. Transmitir o conhecimento não é como antigamente, em que se transmitiam dados e factos. Hoje em dia, com a quantidade de informação disponibilizada, cabe aos professores ensinar os alunos a pensar e a terem espírito crítico, a analisar e a ter uma visão global das coisas. E essa função é muito mais difícil. Também têm que adquirir competências digitais para irem acompanhando os alunos. O mais difícil é os professores acompanharem esta nova maneira de se relacionarem com os alunos. Como é que se faz a pesquisa, como é que se tira conclusões, como é que se comparam situações é muito mais complicado do que transmitir apenas informações, como era antigamente. Pede-se muito mais tanto aos professores como aos alunos
 
VE - Quais são os desafios que os alunos do futuro vão enfrentar?
MGC -
Eu disse que os alunos têm que saber adaptar-se a situações novas. As coisas mudam muito rapidamente. Têm que ser flexíveis, saber pensar, adaptar e ter competências básicas, como o saber falar, saber transmitir, saber gerir equipas, comunicar. Todas estas competências, que no passado não eram tão valorizadas, são cada vez mais necessárias e valorizadas. O sistema britânico foca-se muito nas competências e no saber comunicar. Fazem muitos exercícios específicos de como falar em público. Poucos têm essa capacidade de improvisar e de falar em público, por exemplo, a minha geração.
Modelo do ensino deve ser mais descentralizado
 
VE - As mudanças serão possíveis no atual modelo centralizado e reduzida a autonomia dos estabelecimentos de ensino?
MGC -
Temos de ter um modelo mais descentralizado. Promover a autonomia é essencial. Por outro lado, temos de ter boas instalações, visto que um bom espaço é importante para o convívio e o estudo.
 
VE - Em vez de focar apenas no ensino de jovens, o sistema de ensino deve incluir formação ao longo da vida?
MGC -
Sim, eu acho que, exatamente pela constante mudança em que estamos em qualquer profissão, é preciso continuar a aprender ao longo da vida. Deixem-me ressalvar aqui que há competências que eu as considero horizontais, como é a matemática, a música, o português e a filosofia. São básicas e criam uma aprendizagem enorme nos alunos. O novo paradigma é a aprendizagem ao longo da vida.
 
VE - Ao fomentar a mobilidade de estudantes e professores, o programa Erasmus deve ser considerado o melhor programa da União Europeia?
MGC -
O Erasmus é considerado o melhor programa da União Europeia e isto porque ele é muito útil para os alunos. Aprendem uma nova realidade, contactam com outras culturas, e isso é importantíssimo para a sua formação. A diversidade cultural faz parte da educação. O Erasmus não é só o melhor programa da União Europeia, pelo benefício que os alunos têm. É dos programas que mais têm contribuído para o espírito da Europa e para a construção europeia. Neste momento, a nova geração que passou pelo Erasmus é em primeiro lugar europeu e só depois é francesa ou portuguesa. As pessoas que não passaram pelo Erasmus têm menos conhecimento cultural. Aconselho a estudar o máximo possível no ensino superior e depois ter outras experiências, fazer Erasmus, fazer mestrados ou doutoramentos fora do país. Isso dá uma vivência muito importante.
 
VE - Considera positiva a aplicação de fundos europeus no investimento no potencial humano em Portugal? Defende a locação de uma maior fatia de recursos dedicados a esta vertente no PRR e no Portugal 2030?
MGC -
Eu considero que Portugal tem um aspeto positivo que é a qualificação da população. Não digo na qualificação ao longo da vida, mas na formação inicial, com os mestrados e licenciaturas. Conseguimos desde 86 melhorar constantemente o número de licenciados e doutorados.  Poucas pessoas sabem, mas tudo isto foi financiado por fundos europeus. Tivemos vários programas que tiveram bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e eram financiadas. Conseguimos melhorar Portugal com infraestruturas boas. Nós, neste momento, precisamos de renovar os nossos equipamentos universitários. Dito isso, eu sou mais crítica em todas as outras áreas.
Nesta área foi onde conseguimos dar o salto, já que os fundos foram bem aplicados. Não conseguimos, duma forma tão boa, dar o salto na economia, por exemplo. Gostaria de ver na próxima geração de fundos uma maior prioridade ao ensino superior, à ciência, à inovação, à formação ao longo da vida. Os fundos têm de ser aplicados nas áreas certas e ao mesmo tempo serem feitas as modificações certas.
VIRGÍLIO FERREIRA, COM HENRIQUE FREITAS E MINGUS FERREIRA virgilio@vidaeconomica, 05/11/2021
Partilhar
Comentários 0